Ano V, nº 90, 28 de novembro de 2024
Por André Nogueira, Abner Carvalho e Souza, Antonio Pedro Miranda, Flávio Rocha de Oliveira, Paulo Del Bianco, Roberto Tadeu da Silva, Ronaldo Galdino, Tarcízio Rodrigo Melo (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Na semana que se iniciou em 17 de novembro de 2024, os meios de comunicação foram tomados pelas notícias das investigações da polícia federal que davam conta de um plano de golpe de estado a ser efetuado por lideranças militares e que contaria com o aval do presidente Bolsonaro. O plano, basicamente, visava impedir que o presidente eleito, Lula da Silva, assumisse o mandato em 2023.
O que causou espanto está no detalhamento do no que foi descoberto na investigação da PF: o planejamento da ação golpista envolvia, logo de início, o envenenamento do presidente Lula da Silva. A partir do material levantado pela Polícia Federal, e que foi apreendido pelo General Mário Fernandes, ex-assessor de Jair Bolsonaro na presidência da República, o que foi sendo revelado foi um plano que poderia ter ocasionado uma gravíssima crise institucional, política e social no país caso tivesse sido implementado.
Fernandes foi o número 2 da Secretaria-Geral da Presidência da República. Antes de fazer parte do governo, o general chefiou o Comando de Operações Especiais do exército, cujos membros tem recebido a alcunha de “kids pretos” . A PF tem implicado membros dessas forças especiais como participantes do esquema golpista.
Quando Bolsonaro deixou o poder, Fernandes passou a ser assessor do deputado federal Eduardo Pazuello, do PL. Pazuello, também general, foi ministro da Saúde do governo Bolsonaro no auge da epidemia de Covid 19, quando o número de mortes diárias atingiu o pico em todo o Brasil. Há a suspeita de que o deputado poderia saber do plano por meio do seu assessor – o que, por enquanto, é apenas uma suspeita, já que mesmo o relatório da PF não faz essa ligação.
Nos documentos que estão sendo apresentados ao país, os planos, batizados de “Copa 2022” e “Punhal Verde Amarelo”, envolviam o monitoramento e a prisão ilegal de Alexandre de Moraes, juiz do STF. Com a morte do presidente Lula, o plano também estipulava a hipótese de eliminação do vice-presidente, Geraldo Alckmin, como método para assegurar a extinção da chapa vencedora nas eleições de 2022.
Na mesma semana em que essas notícias começaram a circular, cinco pessoas foram presas pela Polícia Federal. Quatro delas são militares: O general Mário Fernandes, o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira. A quinta pessoa a ser presa foi o policial federal Wladimir Matos Soares. O ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, foi obrigado a prestar um novo depoimento, desta vez diretamente para o próprio juiz Alexandre de Moraes. A PF havia levantado a hipótese de que Cid havia omitido informações importantes quando obteve a delação premiada. Todavia, o próprio Moraes terminou mantendo o benefício jurídico ao oficial, o que gerou especulações de que este último havia implicado mais ainda o ex-presidente Bolsonaro em todo o esquema.
Além desses oficiais, a PF indicou que o general Walter Braga Netto, ex-chefe da Casa Civil e ex-ministro da Defesa do Governo Bolsonaro. Braga Netto também foi candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Jair Bolsonaro, o que torna a situação ainda mais grave.
Outro importante oficial integrante do governo Bolsonaro, o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual estava subordinada a Agência Brasileira de Inteligência, ABIN, teve um papel de liderança no plano golpista, segundo o relatório da Polícia Federal. Na casa de Heleno foi encontrada uma agenda na qual ele anotou (!) as reuniões em que ele participou voltadas para a construção de um discurso contra as urnas eletrônicas.
Além desses oficiais, a PF indiciou outros indivíduos por tentativa de golpe, totalizando o número de 37 pessoas. Constam o nome do Almirante Almir Garnier Santos, então comandante da marinha, de Alexandre Rodrigues Ramagem, que chefiou a ABIN durante o governo Bolsonaro, e de Anderson Torres, também policial federal e ex-ministro da justiça.
Repercutindo a gravidade da trama revelada pela PF, imprensa internacional também se manifestou sobre o assunto. O jornal Berliner Zeitung, menciona que “Bolsonaro e outros 36 suspeitos planejaram uma derrubada violenta do Estado democrático”, em 21 de novembro o The Washington Post, destaca que “Polícia brasileira alega que Bolsonaro liderou conspiração para tomar o poder e matar rivais”.
Diante da insensatez dos militares envolvidos, o Subprocurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado “pediu no dia 22 de novembro ao tribunal a suspensão do pagamento dos salários dos militares indiciados”. De acordo com o portal Isto É, o Ministro da Defesa, José Múcio, “já esperava por enquadramento de militares” e que os “indiciamentos já estavam precificados”, informando, ainda, que “nas forças armadas houve burburinho, mas sem desconforto institucional”.
Do que se trata a precificação a que se referiu o Ministro da Defesa? Qual o significado político? Diante da tradicional e recorrente influência dos militares na vida politica do Brasil, uma das hipóteses que se deve considerar é a de que existe uma negociação onde o governo do Presidente Lula consiga uma concordância do Ministério da Defesa no pacote de corte de gastos promovido pelo governo federal. Nesse pacote, as prebendas que caracterizam os ganhos pecuniários e o prestígio de oficias das três forças devem ser atingidas, bem como uma redução orçamentária na pasta.
O fato é que o indiciamento de oficiais generais pela PF atingiu em cheio a imagem das forças armadas e, independentemente de qualquer negociação entre o governo federal e os militares, o episódio pode se revelar como oportuno para iniciar um processo de subordinação real das forças armadas ao poder civil, através de alterações legais e políticas nas estruturas de funcionamento do setor da Defesa. Passam, ou passariam, por esse processo de reestruturação um novo currículo de formação das escolas militares, a priorização orçamentária da aquisição de equipamentos bélicos da base industrial de defesa e a transferência da preponderância militar do Exército para outras forças, como a Marinha, já que o mar é a principal via para o transporte de 95% das exportações brasileiras.
De qualquer modo, novas informações ainda devem surgir ao longo dos próximos dias dando um quadro mais coeso da problemática militar envolvendo o governo Lula e a ameaça às instituições políticas brasileiras. Algumas perguntas ainda devem ser respondidas. Por exemplo, além dos indiciados pela PF, haveria o envolvimento de outros oficiais generais? E o alto comando das forças armadas, como ele se posicionou quando alguns de seus membros foram sondados pelos golpistas? E o papel real do presidente Bolsonaro em toda essa história – e que parece ter oscilado entre o estímulo ao golpe e a covardia pura e simples?
Ampliando a cooperação militar sino-brasileira
Em 15 de agosto de 2024, foram comemorados 50 anos de relações diplomáticas entre o Brasil e República Popular da China. Os dois governos trataram de ressaltar os ganhos das relações diplomáticas. Além de estímulo a cooperação econômica entre os dois países, foi apontada a possibilidade de acordos em várias áreas, como a científica, tecnológica e até mesmo a militar. Segundo Beatriz Rauber, em um trabalho que analisa os fundamentos teóricos e os desafios políticios da cooperação em defesa entre a China e a América Latina, a cooperação é uma dimensão importante para que os Estados possam atingir seu objetivo de ampliação da sua segurança no sistema internacional.
O governo brasileiro tem buscado ampliar sua cooperação militar com a China. Nesse sentido, nos últimos 15 anos, o número de intercâmbios militares bilaterais de alto nível e em níveis técnicos aumentou, tendo sido criado um mecanismo de diálogo entre as duas forças armadas.
Por exemplo, em 22 de outubro de 2004, durante o primeiro governo Lula, Brasil e China assinaram acordo de cooperação no setor da defesa com ênfase nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, aquisição e apoio logístico, e troca de experiências no campo de equipamento militar. Notícia divulgada em 17 de agosto de 2009 pela Embaixada da China no Brasil, relatou que China e Brasil planejavam fortalecer a cooperação entre exércitos, descrevendo brevemente o encontro do então Chefe de Operações Terrestres do Exército Brasileiro, General Raimundo Cerqueira, e o Chefe do Estado-Maior Geral do Exército de Libertação Popular da China, General Chen Bingde. Mais recentemente, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo no dia 07 de junho de 2024 e reproduzida no portal Terra, o Comandante do Exército, General Tomás Paiva, abordou a relação com a China, ressaltando tratar-se de “um país que está no foco de nossos interesses” e destacando o bom relacionamento com Exército de Libertação Popular e o intercâmbio de cursos, inclusive informando que um cadete chinês passou um ano na Academia Militar das Agulhas Negras, além de manifestar o interesse em ampliar as conversações sobre ciência e tecnologia.
Indo além da assinatura de protocolos, visitas de oficiais generais e intercâmbio de cursos, a cooperação militar entre Brasil e China alcançou um patamar mais significativo sob os aspectos político, diplomático e militar- operacional, com a participação de um grupamento de fuzileiros navais da Marinha do Exército de Libertação Popular na tradicional operação “Formosa”, realizada pela Marinha do Brasil desde 1988 no campo de instrução (Centro de Instrução de Formosa-CIF) localizado na cidade de Formosa, em Goiás. Realizando-se de 4 à 17 de setembro, a operação “Formosa” contou com a participação de cerca de 3 mil militares brasileiros e estrangeiros, entre eles o destacamento de fuzileiros navais chineses que atuaram na parte operativa do exercício e fuzileiros navais estadunidenses. A participação de efetivos dos EUA e da China é um feito que não pode passar desapercebido, dado o grau de tensão geopolítica que envolve os dois países atualmente.
Segundo o Almirante fuzileiro naval Max Guilherme de Andrade e Silva, Chefe do Estado-Maior do Comando da Força de Fuzileiros Navais da Esquadra, a operação possibilita “a troca de experiências com forças aliadas de outros países” e de acordo com o periódico chinês Xinhua “o objetivo é fortalecer a amizade e a colaboração entre as forças militares chinesas e seus homólogos dos países participantes, além de aumentar a capacidade coletiva de enfrentar riscos e desafios de segurança”.
Apesar da influência dos Estados Unidos sobre as elites brasileiras, estimular uma relação de subordinação e dependência em relação a Washington, gradualmente a cooperação militar entre Brasil e China tem alcançado níveis de maior relevância no âmbito das forças armadas brasileiras. Diante do histórico alinhamento geopolítico e dos profundos laços militares com os EUA, o que pode ser verificado observando-se o número de militares brasileiros que fizeram cursos nesse país (134 entre 2020 e 2023), é compreensível que existam algumas resistências ao estreitamento das relações militares entre Brasil e China.
Ainda é cedo para saber se haverá, de fato, um aumento do intercâmbio militar entre Brasil e China. A chegada de Donald Trump ao poder, as ligações históricas entre os militares brasileiros e os militares estadunidenses, a própria dificuldade do governo Lula em estabelecer um comando civil efetivo sobre as forças armadas e o envolvimento de militares em tentativas de desestabilização do governo lançam um sinal de alerta: não será uma tarefa fácil aprofundar uma cooperação estratégico-militar com Pequim. Todavia, passos importantes foram dados no governo Lula e a lógica da progressiva multipolarização das relações internacionais contemporâneas abre uma oportunidade para o Brasil em relação aos chineses.