A Diplomacia Vice-Presidencial do General Mourão

Por Larissa Rosevics
Texto publicado originalmente em Diálogos Internacionais

Na Constituição brasileira de 1988, as relações exteriores do Brasil são de competência privativa do Presidente da República. O Ministro das Relações Exteriores é responsável por auxiliar o presidente na elaboração e execução da política externa, sendo seu substituto imediato. 

Apesar da previsão constitucional, poucos foram os presidentes brasileiros que tiveram uma participação ativa em assuntos de política externa, como no caso dos governos de FHC e Lula da Silva. A tradição da política externa brasileira é a de que a principal voz internacional do país seja a do Ministro das Relações Exteriores.

No governo de Jair Bolsonaro, ainda não está claro quem será o protagonista da política externa brasileira. Aparentemente, o presidente não demonstra grande interesse em exercer uma Diplomacia Presidencial, tal qual seus antecessores, conforme pode ser observado na sua atuação pouco expressiva em Davos e a repercussão negativa que sua participação teve internacionalmente. Mesmo a aproximação com líderes ideologicamente próximos ao presidente, como Victor Orbán, primeiro ministro da Hungria, Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, não apresentaram resultados expressivos. O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tampouco parece agradar as diferentes alas do governo e da elite econômica nacional, com seu posicionamento ideológico antiglobalista.

O cenário que parece se desenhar é de protagonismo do vice-presidente, Hamilton Mourão, em matéria de política externa, com uma improvável Diplomacia Vice- Presidencial.

Desde os primeiros dias de governo, o General Mourão fez questão de expressar em suas declarações à imprensa, e em sua conta oficial no Twitter, posições contundentes (e por vezes distintas das do Presidente e de seu Chanceler) em relação à política externa. Inclusive, o vice-Presidente tem demonstrado habilidade com a imprensa nacional e internacional, tendo sido o primeiro membro do novo governo a conceder uma entrevista a um grande veículo de comunicação internacional. A entrevista que concedeu à CNN, em novembro de 2018, logo após a eleição, surpreendeu a todos, inclusive pela sua desenvoltura com o inglês. A expectativa, nesse caso, era de que a entrevista tivesse sido concedida pelo Presidente eleito, Jair Bolsonaro.

O debate sobre a possível mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém exemplifica as divergências entre o posicionamento do vice-Presidente e demais membros do governo. Dada como certa por Bolsonaro, a questão é tratada como passível de reavaliação pelo vice-Presidente, conforme declarações dadas a imprensa, e reafirmadas ao embaixador da Palestina, Ibrahim Alzeben, em visita realizada no dia 28 de janeiro.

Em seu gabinete, o vice Presidente já recebeu representantes de câmaras de comércio da China (02/01), dos países Árabes (29/01), embaixadores da Holanda e Bélgica (03/01), Argentina (10/01), Espanha (14/01), Alemanha (21/01), Tailândia (21/01), Luxemburgo (23/01), Canadá (31/01), Austrália (11/02), representantes da Florida/EUA (29/01) além de membros de setores importantes do comércio exterior do Brasil, como o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello (18/01). Todas as visitas não foram acompanhadas pelo Chanceler brasileiro, como é de costume. Em sua conta no twitter, Mourão declarou no dia 22 de fevereiro, ter sido designado pelo Presidente para coordenar três comissões bilaterais consideradas estratégicas para as relações exteriores do Brasil: as comissões da China, Rússia e Nigéria.

Outro fato que destaca o protagonismo do vice-Presidente em matéria de política externa é em relação a questão venezuelana. Enquanto militar da ativa, Mourão exerceu a função de adido militar em Caracas durante o governo de Hugo Chaves, o que o torna um profundo conhecedor do país e da elite militar que lá figura. A suspenção da cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro, assinada pelo chanceler Ernesto Araújo junto à Declaração do Grupo de Lima, em janeiro, desagradou diversos setores das Forças Armadas do Brasil, que viam no instrumento internacional um meio de comunicação entre os militares dos dois países.

Após esse desconforto, e com o aumento das tensões nas relações entre os países, como o fechamento das fronteiras, Mourão foi acionado pelo Presidente para liderar a comitiva brasileira na reunião do Grupo de Lima de fevereiro. A imprensa nacional passou a afirmar que o Ministério das Relações Exteriores estaria sendo tutelado pelas alas militares do governo, para evitar novas decisões consideradas inadequadas por parte de Araújo.

De fato, durante reunião do Grupo de Lima, Mourão reafirmou a condenação ao governo de Nicolas Maduro, descartou a possibilidade de uma intervenção militar ao país e ressaltou as vias diplomática e econômica como as ideais para a solução da crise em curso:

A figura de Mourão desperta a atenção de políticos e investidores internacionais, que o vem como mais moderado e articulado do que o Presidente eleito. Contudo, engana-se quem acredita que a política externa articulada pelo vice-Presidente dará continuidade as estratégias estabelecidas pelos governos anteriores de Dilma, Lula da Silva, e mesmo de FHC. Os contextos políticos e econômicos, nacionais e internacionais entre os governos são distintos, e os verdadeiros interesses de Mourão, e o grupo político que representa, ainda não estão evidentes. Mesmo sua postura cordial e conciliadora é bastante distinta das declarações críticas que emitiu no passado sobre as relações do Brasil com os países da África e da América do Sul.

A aproximação do General Mourão com o setor do agronegócio brasileiro parece cada vez mais clara. Nos meses de fevereiro e março, o vice-Presidente participou de diversos eventos da área, como a cerimonia do lançamento da safra do milho (15/02) no Mato Grosso, a Festa da Uva (22/02) em Caxias do Sul e a 20° ExpoDireto, feira de agronegócios que reúne representantes de toda a América Latina, na qual o vice presidente esteve presente na solenidade de abertura e da qual recebeu o Troféu Brasil ExpoDireto na Categoria “Liderança Nacional”.

Enquanto isso, setores do agronegócio têm expressado preocupação com as declarações do Ministro Ernesto Araújo. Em discurso recente para os alunos do Instituto Rio Branco, Araújo declarou que “devemos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma”. É importante ressaltar que a China é a principal importadora desses produtos. Além disso, a questão da embaixada de Israel segue preocupando os exportadores de proteína animal, quem têm nos países do Oriente Médio importantes parceiros comerciais.

As divergências entre o Chanceler e o vice-Presidente em temas de política externa despertaram críticas nos grupos mais extremos do governo. Para Olavo de Carvalho, ideólogo influente do governo Bolsonaro, e a quem inclusive é atribuída a indicação de Ernesto Araújo, o General Mourão porta-se como “inimigo do presidente e de seus eleitores”. Carvalho declarou, em suas redes sociais, estar arrependido de ter apoiado a escolha de Mourão para a chapa presidencial.

O protagonismo do vice-Presidente poderá ser justificado no futuro como resposta a debilidade da saúde do Presidente no início de seu mandato, reflexo do atentado que sofreu durante a campanha. Por hora, a Diplomacia vice-Presidencial parece ir de vento em poupa, e a questão venezuelana poderá consolidar Mourão como o principal personagem da política externa do governo Bolsonaro.

*A primeira versão deste texto foi publicada no blog Diálogos Internacionais (http://www.dialogosinternacionais.com.br)

BLOOMBERG. Mourão diz que Brasil e China precisam demais um do outro. InfoMoney, 15/02/2019. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/politica/noticia/7930317/mourao-diz-que-brasil-e-china-precisam-demais-um-do-outro

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Declaração do Grupo de Lima. 04/01/2019. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/19913-declaracao-do-grupo-de-lima-4

EVELIN, Juliana Dal Piva. Mourão coloca em dúvida capacidade do chanceler de conduzir a política externa. O Globo, 18/01/2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/mourao-coloca-em-duvida-capacidade-do-chanceler-de-conduzir-politica-externa-23382788

FIGUEIRA, Ariane Roder. Introdução à análise de política externa. São Paulo: Saraiva, 2011

GAMBA, Karla. Em resposta a críticas de Olavo de Carvalho, Mourão manda ‘beijinhos’. O Globo, 07/03/2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/em-resposta-criticas-de-olavo-de-carvalho-mourao-manda-beijinhos-23505915

GIELOW, Igor. Casa só com “mãe” e “avó” é “fábrica de desajustados” para tráfico, diz Mourão. Folha de São Paulo, 17/09/2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/casa-so-com-mae-e-avo-e-fabrica-de-desajustados-para-trafico-diz-mourao.shtml 

MELLO, Patrícia Campos. Ruralistas reclamam de viés anti-China no governo Bolsonaro. Folha de São Paulo, 15/03/2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/03/ruralistas-reclamam-de-vies-anti-china-no-governo-bolsonaro.shtml

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STUENKEL, Oliver. Mourão entra em campo contra os globalistas. El País, 12/02/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/11/opinion/1549903120_135007.html

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