Por Cristina Fróes de Borja Reis*
Publicado originalmente no Jornal GGN
Em 18 e 19 de março, em Berlim, Alemanha, cerca de 1600 convidados do setor privado, público, organizações não-governamentais, universidades e think tanks de mais de 100 países discutiram temáticas relevantes para o G20, como educação, saúde, envelhecimento populacional, meio-ambiente e mudança climática, infra-estrutura, finanças e comércio internacional, novos paradigmas tecnológicos, governança global, igualdade de gênero e coesão social. Destaca-se a presença de autoridades governamentais, principalmente do Japão – que presidencia o G20 neste ano – e da Alemanha, incluindo os ministros das finanças, do trabalho, das relações exteriores e a Chanceler Angela Merkel.
A preocupação central do encontro deste ano, tal qual em 2018, foi o recoupling: acoplar a coesão social novamente ao desenvolvimento econômico e sustentável, sob tremenda pressão desde a crise financeira internacional, na avaliação dos analistas que apoiam as políticas do G20. De fato, na última década o mundo observou um enfraquecimento do multilateralismo, corrida protecionista, terrorismo e violência em nível global, agudização do aquecimento global e persistência de tremendas desigualdades sociais. Nesse quadro, a indústria 4.0 se desenvolve e coloca novos desafios para todas essas questões.
Então, os países continuam reestruturando suas diretrizes políticas domésticas bem como externas, com algumas investidas contra a cooperação, como o Brexit e a saída dos EUA da parceria trans-pacífico (TPP). Para evitar novas situações como essas, o fórum do Global Solutions coloca-se abertamente a favor do multilateralismo, do diálogo e da busca conjunta por soluções para melhorar a governança global.
Porém as sinalizações e atitudes do governo brasileiro atual vão no sentido contrário, apequenando-nos nas relações internacionais. Em primeiro lugar, porque abdica do papel conquistado ao longo dos anos noventa e 2000 de porta-voz dos países do Sul Global, tornando-se capacho auto-proclamado dos EUA. Por exemplo, enquanto as discussões em torno da Organização Mundial do Comércio (OMC) na Alemanha visavam afinar suas atribuições e melhorar funcionamento (principalmente no que concerne às resoluções de litígios comerciais entre países), nos EUA, Bolsonaro e sua equipe concordavam em abrir mão do status de nação em desenvolvimento. Isso significa que o Brasil servilmente ratifica relações assimétricas de comércio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, em prejuízo não somente de seu relacionamento com países em desenvolvimento, mas também com os outros países do G8 que não veem com bons olhos as ações (e o temperamento) de Trump, em especial sua postura de embate à China.
Em segundo lugar, porque o governo Bolsonaro, em menos de três meses, atua contrariando as demandas por coesão social e recuperação da crise econômica e política. Diversos exemplos podem ser levantados, a começar pelas questões da paz e dos direitos humanos. Desde seu primeiro decreto a favor da flexibilização do acesso ao porte de armas, passando pelas denúncias de corrupção e de aproximação de sua família ao crime organizado, até os devaneios da ministra dos direitos humanos, o governo oficializa um discurso de intolerância e preconceito.
Enquanto as soluções globais priorizam a educação e a saúde como direitos humanos legítimos para a emancipação individual, o governo federal negocia o orçamento em troca da aprovação da reforma da previdência, comprometendo o presente e o futuro de todas as gerações. Além disso, ao invés de apostar mais no ensino pré-escolar, básico, médio e superior, as políticas incluem retrocessos como educação em casa, resvalando na doutrinação religiosa e militar, além de abuso de autoridade como no caso da intervenção no ENEM.
Nas questões do meio-ambiente, então, espantam o despreparo e a falta de compromisso do atual governo. Aquecimento global é uma das maiores preocupações mundiais, mas a diplomacia brasileira publicamente desacreditou o tema. Suas palavras corroboram a ignorância que explica as novas diretrizes políticas totalmente em desacordo com o desenvolvimento sustentável: legalização de agrotóxicos, remarcação de terras indígenas, etc.
E até mesmo na economia, o verniz “pro-business” de Paulo Guedes e sua equipe vem se mostrando nada mais do que a repetição de clichês sem respaldo técnico. Tornar a economia mais eficiente, incentivar o investimento privado e criar empregos exigem estratégias muito mais robustas do que privatizações a toque de caixa. Em um ambiente cheio de incertezas, sem perspectivas de retomada da demanda, com capacidade ociosa elevada e desemprego, o investimento produtivo não deslancha. Sem crédito, também. Com o crescente desmantelamento dos bancos públicos, restará às empresas poucas possibilidades de financiamento, a serem aproveitadas somente pelas grandes empresas. Trata-se de um tipo de liberalismo torto que esmaga a concorrência, em prejuízo principalmente das pequenas e médias empresas e dos consumidores nacionais.
Não é à toa que no painel sobre o papel das economias emergentes na governança global o Brasil nem sequer foi considerado como um player relevante, tendo perdido consideravelmente seu poder de influência. Como bem apontado no fórum, essa decadência se deve essencialmente ao caos interno – que vem se agravando diante da péssima liderança e do enfraquecimento das instituições democráticas brasileiras.
*Cristina Fróes de Borja Reis – Profa. Dra. de Economia e de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC), IPODI/ Marie Curie post-doctoral fellow na Technische Universität Berlin, Alemanha.