Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Gabriel Carneiro, Rafael Abrão e Vitor Hugo Santos
O Brasil se tornou palco da disputa entre duas superpotências pela implementação da tecnologia. A posição do país é ambígua, mas as pressões para um alinhamento com Washington são crescentes
O desenvolvimento da tecnologia 5G – a quinta geração de sistemas de telecomunicações – pode resultar em grandes impactos nas esferas econômica e tecnológica, tornando-se base para a 4ª Revolução Industrial e se difundindo por múltiplas atividades e dispositivos.
Os avanços tecnológicos têm ocorrido por meio de três segmentos principais: i) o aprimoramento da banda larga móvel, aumentando drasticamente a velocidade de transmissão de informações; ii) a realização de atividades “críticas” e de baixa latência, possibilitando assim o desenvolvimento de veículos autônomos e máquinas automatizadas; e, por fim, iii) a criação de um novo ecossistema digital, conhecido como “Internet das coisas”, responsável por interligar diferentes sensores e dispositivos, o que facilitaria a construção de cidades inteligentes, o monitoramento de serviços públicos, avanços significativos na indústria e no âmbito da inteligência artificial, bem como nos setores agrícola, educacional e sanitário.
Duelo de potências
A disputa em torno do domínio das redes de 5G pode ser vista por muitos como uma mera disputa comercial entre grandes companhias internacionais fornecedoras de equipamentos tecnológicos, ou mesmo como uma estratégia de espionagem, que compromete a segurança nacional de diversos Estados e a privacidade de seus cidadãos, conforme endossado pela retórica estadunidense. No entanto, a relevância do 5G como rede de infraestrutura de informação e plataforma para futuras inovações se transformou em uma complexa disputa geopolítica pelo controle do próximo padrão tecnológico dominante e pela liderança de grandes potências no sistema internacional.
As companhias chinesas de telecomunicações possuem, até o momento, mais da metade das patentes declaradas desta nova tecnologia, sendo a própria Huawei a empresa que lidera com cerca de 35% do total de patentes. Logo atrás na disputa estão as empresas sul-coreanas Samsung e LG, as nórdicas Ericsson e Nokia, as norte-americanas Qualcomm e Intel, e a chinesa ZTE.
Este cenário assinala a ascensão da China como superpotência no cenário internacional, contrastando com a era do 3G em que 80% das patentes eram registradas pela Qualcomm, Nokia e Ericsson, e com a era do 4G em que as empresas chinesas possuíam 22% das patentes. Observa-se, portanto, um resultado direto da política chinesa de transformação em uma nação líder mundial em tecnologia, visando escapar da armadilha da renda média por meio de suas empresas multinacionais e de grandiosos investimentos em P&D.
Apesar da Huawei e a ZTE serem fortes candidatas a dominar o mercado global do 5G, elas têm enfrentado resistência em diversos países, declaradamente receosos de que possa ocorrer o compartilhamento de dados sigilosos com o governo chinês, o que resultou na exclusão destas empresas na disputa pela criação da infraestrutura de comunicação 5G. Os principais banimentos foram realizados por Austrália, Nova Zelândia, Japão, Estados Unidos e, recentemente, pelo Reino Unido. Outras nações, como Alemanha e França, discutem medidas que limitam a atuação das companhias chinesas na implementação da infraestrutura de 5G.
Domínio chinês
Os Estados Unidos vêm liderando o movimento de contenção do domínio da China sobre essa tecnologia, preocupados com uma possível hegemonia chinesa e com a reduzida competitividade das empresas estadunidenses neste segmento, que se mostra essencial para o futuro da economia mundial. Em 2019, em plena guerra comercial com a China, o governo dos Estados Unidos assinou um decreto restringindo a utilização de equipamentos de telecomunicações estrangeiros por empresas norte-americanas.
No início de 2020, um documento intitulado National Strategy to Secure 5G destacou a tecnologia como fundamental para a geração de prosperidade, para a segurança e liderança dos EUA no século XXI. O documento indicava ainda a existência de fornecedores de “alto risco” para a segurança e integridade do país. Em 30 de junho de 2020, a Comissão Federal de Comunicações dos EUA designou a Huawei e ZTE como ameaças à segurança nacional, afetando diretamente as duas principais empresas chinesas do ramo do 5G.
Os chineses, por sua vez, vêm atuando assertivamente por meios diplomáticos para garantir sua participação no 5G em diversos países, o que inclui ameaças de retaliação por parte das empresas e do próprio Estado chinês.
Posição contraditória
No caso do Brasil, a resistência à participação de empresas chinesas no 5G é notadamente contraditória, uma vez que a China é o principal parceiro comercial do Brasil e a Huawei atua no país desde a década de 1990, sem que a possibilidade de espionagem tenha sido levantada. A empresa é uma relevante fornecedora de equipamentos para todas as principais empresas de telecomunicações atuantes no Brasil, o que significa que a adoção dos equipamentos de 5G por ela desenvolvidos poderia aproveitar parte da infraestrutura existente. A resistência, no entanto, assume contornos xenofóbicos dos setores mais conservadores (ou olavistas) do governo Bolsonaro e ao desejo de alinhamento automático aos Estados Unidos.
Dessa forma, assim como em diversos outros países, o Brasil se tornou palco da disputa entre a China e os Estados Unidos pela implementação da tecnologia e, em maior escala, do conflito hegemônico entre as duas potências.
Por um lado, a ala olavista – da qual fazem parte o chanceler Ernesto Araújo, o deputado Eduardo Bolsonaro, além do chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno – rejeita o ingresso da Huawei na implementação do serviço no Brasil por insistir obstinadamente no alinhamento aos Estados Unidos. Esse tipo de retórica, com forte discurso anti-China, tem sido frequente no Ministério das Relações Exteriores (MRE) e em seminários promovidos pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag). Isso incluiu a emissão de um parecer final pelo MRE contra a participação das empresas chinesas nos leilões, alegando que as atividades da Huawei comprometem a soberania cibernética nacional.
Por outro lado, determinados atores cedem à pressão chinesa e assumem uma posição pragmática, em concordância com seus interesses econômicos junto a China, como no caso do vice-presidente Hamilton Mourão, do Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina. Estes advogam que podem ocorrer prejuízos tecnológicos a partir da restrição da participação chinesa.
Por fim, há também agentes com posições ambíguas, que declaram apoiar um leilão com a participação da Huawei e, em outros momentos, se mostraram favoráveis a uma possível proibição. É o caso do Ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele inicialmente fazia coro ao princípio liberal de livre concorrência, defendendo a presença da Huawei no leilão da tecnologia. Mais tarde, alterou seu discurso e argumentou que a implementação da rede 5G não é um assunto estritamente econômico, mas também geopolítico.
Observa-se, neste caso, que a importância comercial da China para o Brasil impede o alinhamento inconteste aos Estados Unidos, dificultando uma definição clara da posição brasileira a respeito da participação das empresas chinesas no leilão da tecnologia 5G.