Por Mikael Servilha, Isadora de Lara Stipler e Gustavo Ortolán
O candidato democrata pode considerado um pragmático no campo da política externa. Suas posições há muito acompanham a tendência democrata, o que se repetiu também nas votações sobre questões comerciais. Ele votou com presidentes democratas e principalmente contra acordos negociados por republicanos. A percepção sobre as políticas comerciais de Biden é matizada por diferentes influências, mas que parecem no geral confirmar a tendência à desaceleração dos EUA na participação de grandes acordos comerciais internacionais
De acordo com pesquisa do Pew Research Institute nos Estados Unidos, entre 2011 e 2019, sobre quais deveriam ser as prioridades para o presidente e para o Congresso entre as políticas públicas, as questões relativas ao comércio global cresceram 5 pontos percentuais. Mesmo abaixo de questões domésticas consideradas mais prementes, o comércio internacional tem sido um tema constante no debate eleitoral norte-americano. Uma tendência ampliada a partir das políticas de Donald Trump na área e o apoio de uma parcela significativa da população às medidas consideradas protecionistas.
Já em sua primeira semana no poder, a administração Trump retirou os EUA da Parceira Transpacífica (TPP) e logo deu início a uma série de disputas comerciais com diferentes países: “guerras comerciais são boas e fáceis de vencer”, tuitou em março de 2018. A ênfase nesses instrumentos e nas relações bilaterais se deu em paralelo com os ataques ao sistema multilateral de comércio.
Nas prévias do Partido Democrata, os então pré-candidatos Bernie Sanders e Elizabeth Warren foram críticos dos recentes acordos de comércio internacional. De outro lado, ao ser nominado, Joe Biden trouxe para os analistas de comércio internacional expectativas de melhora nas relações com parceiros tradicionais. A despeito de ter majoritariamente apoiado medidas de liberalização comercial ao longo de sua carreira política, Biden terá dificuldades de enfatizar o livre comércio como política tendo em vista o apoio crescente republicano à saída de organizações multilaterais.
Pragmatismo externo
De modo geral, Biden pode considerado um pragmático no campo da política externa. Suas posições há muito acompanham a tendência democrata, o que se repetiu também nas votações sobre questões comerciais. Ele votou com presidentes democratas e principalmente contra acordos negociados por republicanos. Como senador, Biden votou a favor do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), em 1993, e da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), no ano posterior. No Congresso, também foi favorável à normalização das relações comerciais EUA-China, ato que abriu caminho para a adesão do país asiático à OMC, em 2001. Enquanto vice-presidente, Biden apoiou o TPP, iniciativa de livre comércio liderada por Washington e um pilar da política externa de Barack Obama. Em outra frente, o então vice-presidente aprovava as negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) com a União Europeia.
Em um contexto de pré-campanha, já no final de 2019 o assessor chefe de política externa de Biden estava escolhido. Trata-se de Tony Blinken, dono de extensa experiência na política norte-americana e aliado de longa data do democrata. Atuou como assessor de segurança nacional de Biden entre 2009 e 2013, chegando ao cargo de vice-secretário de Estado durante o governo Obama. Muitos dos nomes escolhidos para se unirem a Blinken no alto escalão de seus assessores também serviram durante as administrações Bush e Obama.
Apesar do movimento agregador que parece permear a campanha do candidato democrata e da diversidade de voluntários que contribuem com a elaboração de políticas, o círculo interno continua a ser de pessoas que fazem parte de um grupo já estabelecido, muitos ligados a consultorias estratégicas para o setor privado. Tem-se, assim, no campo progressista uma preocupação constante com um retorno a políticas continuamente criticadas ou consideradas como falhas.
Influências distintas, objetivos comuns
A percepção sobre as políticas comerciais de Biden, portanto, é matizada por diferentes influências, mas que parecem no geral confirmar a tendência à desaceleração dos EUA na participação de grandes acordos comerciais internacionais. Em artigo publicado na revista Foreign Affairs, em abril de 2020, Biden apresentou-se dizendo que, se eleito, sua missão será recuperar a democracia e as alianças dos EUA, fazendo com que o país lidere o mundo mais uma vez. Espera-se que Joe Biden e Kamala Harris, a princípio, concentrem seus esforços para gerir o tumultuoso ambiente interno estadunidense, postergando a condução de novas negociações comerciais para um momento considerado mais conveniente.
Conforme o programa de governo de Joe Biden prevê, o plano “Made in America” atenderá grande parte dos temas políticos caros à classe trabalhadora. O presidenciável democrata propõe injetar US$ 400 bilhões em compras governamentais de produtos “feitos na América” e investir US$ 300 bilhões em pesquisa e desenvolvimento de projetos de energia limpa, 5G, inteligência artificial, entre outros. O plano inclui, também, proposta para transferir a cadeia de suprimentos essenciais para os EUA, diminuindo a dependência da China e criando empregos nas indústrias de produtos essenciais, equipamentos e suprimentos médicos, semicondutores e tecnologia de comunicações.
Quando questionado sobre sua proposta em relação ao TPP, disse que iria renegociar o acordo e que não se alinharia a ele do modo como foi inicialmente negociado. Para o democrata, a Parceria Transpacífica pode representar uma estratégia para, junto com as nações do Pacífico, influenciar as práticas comerciais de Pequim.
Em sua campanha, Biden compromete-se a uma política comercial que inclua pautas de organizações não-governamentais e da sociedade civil, pressionando por regras preteridas por grupos empresariais que apoiam Donald Trump, como trabalho e – sobretudo – meio ambiente. Sobre o tema, foi assertivo: “não haverá acordos comerciais firmados em minha gestão sem ambientalistas e trabalhadores à mesa. E não haverá acordo comercial até que invistamos mais nos trabalhadores americanos”. A política comercial da campanha de Biden é formada pela necessidade de conciliar o maior número possível de facções democratas e grupos de interesse. Com Trump no ataque aos instrumentos tradicionais de comércio internacional, é pouco provável que Biden os defenda deliberadamente.