Por Flávio Thales Ribeiro Francisco, Maryanna Sagio Alves e Kethelyn Santos
Crise econômica e queda do PIB podem levar países do continente a recorrerem novamente ao FMI. Expectativa é que condicionalidades impostas pelo organismo não sufoquem as economias locais
A crise provocada pela pandemia do Covid-19 teve um grande impacto sobre a economia global, aprofundando as dificuldades econômicas dos países da periferia. Se as principais potências demonstram uma capacidade maior para mobilizar recursos para enfrentar a diminuição do ritmo das atividades econômicas, os países que operam com bases econômicas precárias são obrigados a recorrer às organizações internacionais para evitar a queda acentuada do PIB. Essa será a tendência para a maioria dos países africanos e o apelo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) tem sido um dos caminhos, assemelhando-se à década de 1980, quando fizeram empréstimos com a mesma instituição e o Banco Mundial para enfrentar a crise das dívidas.
No final dos anos 1970, a alta do preço do petróleo, das taxas de juros e a queda de preços de outras commodities comprometeram sistematicamente a capacidade dos Estados africanos de gerar renda, elevando as dívidas a cerca de 500% dos valores da exportação dos países do continente.
Essa combinação de fatores colocou os africanos em uma espiral de crise econômica, diminuindo de maneira acentuada a participação no comércio internacional. A dependência da importação de produtos manufaturados desregulou completamente as balanças comerciais, transformando o FMI em uma das poucas alternativas para a tomada de empréstimos. Os africanos foram obrigados a seguir o Programa de Ajuste Estrutural da instituição, que estabelecia que o credor deveria promover a) privatização de estatais e cortes nos gastos governamentais b) liberalização do mercado de capitais; c) promover mercados baseados nos preços e e) aumentar as taxas de juros.
Discurso e realidade
Embora os relatórios da década de 1990 do FMI indicassem progresso na economia dos países africanos, vozes críticas à instituição apontavam para o descompasso entre o discurso do fundo e a realidade econômica do continente que, em 1993, apresentava o mesmo PIB da Aústria. Na Costa do Marfim, por exemplo, o período entre 1988 e 1995, ficou marcado pelo aumento da taxa de pobreza de 17% para 37%. O PIB neste mesmo período não cresceu, mas as exportações a aumentaram, impulsionando o emprego sistemático de mão de obra infantil na produção de cacau para possibilitar a lucratividade da atividade. O país passou pela década de 2000 sem conseguir administrar as dívidas. As experiências de alguns países com a instituição, como o Senegal, foram similares, embora alguns especialistas apontem para o crescimento do Zimbábue e Uganda na mesma época.
No atual cenário, os países africanos ainda não apresentaram os números catastróficos de projeções sobre o impacto da covid-19 entre as populações do continente. A capacidade de testagem dos países é extremamente limitada, mas outros aspectos são levados em consideração, como a proporção de jovens, a circulação limitada em algumas regiões devido à infraestrutura e o próprio esforço de alguns governos em aplicar o a estratégia de confinamento. No entanto, a desaceleração econômica provocada pela pandemia e os custos com a saúde tiveram efeitos devastadores sobre os países do continente. O Banco Mundial afirma que cerca de 43 milhões de pessoas no continente estão em risco de rebaixamento para o nível de extrema pobreza. O impacto econômico já está revertendo a tendência de crescimento nos últimos anos, reduzindo as rendas familiares em cerca de 12 por cento.
Recurso ao FMI
Mais uma vez, os africanos vão recorrer ao Fundo Monetário Internacional, acessando o Instrumento Rápido de Financiamento, com uma linha dedicada aos países que foram afetados pelo Covid-19. Esse dispositivo não se assemelha ao Programa de Ajuste Estrutural, ainda que exija que os países atinjam metas de controle do equilíbrio fiscal. A África do Sul é o país mais afetado pela pandemia e é responsável por mais da metade dos casos no continente. No final de julho, o FMI anunciou o empréstimo de US$ 4,3 bilhões para os sul-africanos, que informaram que os recursos seriam investidos na criação de postos de trabalho, serviços de saúde e reformas para estabilizar a dívida pública. Já a Nigéria, que já vinha de uma trajetória instável de crescimento econômico, fez um empréstimo de cerca de US$ 3,4 bilhões. O país já sofria com a queda do preço do petróleo, que impactou também os angolanos, que fizeram um empréstimo de cerca de US$ 4,5 bilhões.
No total, os empréstimos dos países do continente com o FMI chegaram a US$ 26 bilhões, com a expectativa de novos pedidos e renegociações. Alguns especialistas, entretanto, estimam que serão necessários cerca de US$ 1,3 trilhão para reerguer as economias africanas. A crise vai adiar o lançamento da Zona de Livre Comércio Continental Africana (Zlec), iniciativa da União Africana que envolveria 54 países. A expectativa era de iniciar a projeto em julho de 2020, com o alinhamento de reformas estruturais internas sincronizadas para aumentar o comércio interno dos africanos em cerca de 60 % a médio prazo.