Por Yamilla Goldfarb e Diego Azzi
Consumidores domésticos são prejudicados com a alta dos preços.
O governo Jair Bolsonaro, aliado de primeira hora do agronegócio, encontra-se pressionado pela dinâmica do mercado mundial de commodities agrícolas, que vem causando desequilíbrios na balança comercial brasileira e no abastecimento o mercado interno. Recentemente o governo federal decidiu suspender a cobrança de impostos de importação do grão da soja, bem como do farelo e do óleo, até 15 de janeiro de 2021. A decisão também se aplica à importação do milho, cuja alíquota será zerada até 31 de março do próximo ano. Segundo a reportagem do Brasil de Fato, tal proposta surgiu do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Por sua vez, o Ministério da Economia propôs à Camex que zerasse o tributo cobrado das importações de milho como forma de conter a alta de preços dos alimentos.
Segundo dados da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a soja em grãos, o farelo de soja e o milho estão entre os cinco principais produtos exportados pelo Brasil durante o mês de setembro, junto com o açúcar de cana em bruto e a carne bovina in natura. Conforme mostra reportagem da Agência Brasil, somados, os cinco produtos representam mais da metade (55,4%) de toda a exportação nacional mensal – que foi 4,8% superior ao resultado do mesmo mês de 2019. Vale lembrar que o Brasil é o maior exportador de soja do mundo, seguido dos EUA e do Paraguai.
Vendendo e comprando soja
Entre janeiro e setembro deste ano, houve um acréscimo de US$ 5,9 bi em relação ao período anterior, o que representa um ganho da ordem de quase 28% (Agência Brasil). Recentemente o governo já havia adotado medida semelhante em relação ao arroz em casca e beneficiado. Embora o Brasil seja o maior exportador de soja do mundo, de janeiro a setembro deste ano, o país importou 528,2 mil toneladas de soja, contra 144 mil toneladas em todo o ano de 2019, o que representa um aumento de 365%. A decisão de suspender a tarifa sobre importações se justificaria, segundo o governo, não apenas como estratégia para reduzir o preço no mercado interno, mas também como forma de garantir o abastecimento doméstico, particularmente para os produtores de proteína animal que utilizam a soja como ração.
Mas qual o problema dessa justificativa? Como é possível que um país como o nosso precise importar um insumo de que ele mesmo é o maior produtor e exportador mundial? Como é possível que mesmo sendo o maior produtor, não consigamos controlar minimamente o preço e o fornecimento destes produtos? Nesta relação de determinação da dinâmica econômico-comercial a partir da demanda externa, sequer são os grandes produtores que controlam esse mercado, mas sim as grandes tradings, empresas multinacionais que dominam o grande comércio de produtos agropecuários primários no mundo.
Segundo a reportagem do Brasil de Fato, atualmente, cerca de 40% de toda soja produzida no mundo já está comprada antecipadamente, ou seja, quase a metade de toda a produção de soja não é necessariamente uma pressão real de demanda. Ao financiar e também ao controlar os estoques de grande parte da produção, na verdade essas poucas empresas multinacionais acabam exercendo um enorme poder sobre os preços e sobre os produtores.
Dólar, seca e mercado externo
No caso da alta do preço do milho o problema parece ser preocupante também para os produtores de proteína animal. Segundo matéria do Canal Rural, há uma combinação de fatores muito singular: o dólar em alta, a seca que diminuiu a produção e o mercado externo comprador com grande demanda o que pressiona o preço do cereal. Segundo a matéria, nem mesmo a recente decisão do governo em zerar a Tarifa Externa Comum (TEC) para soja e milho amenizariam esse cenário.
Políticas sólidas de segurança e soberania alimentar deveriam ser características chave para o desenvolvimento social do Brasil segundo um modelo sustentável e inclusivo. Atualmente, estes aspectos se encontram relegados à irrelevância pela política agrícola e ambiental do governo brasileiro, que vem promovendo espantoso aumento do uso de agrotóxicos nocivos e a expansão da fronteira pecuária no Pantanal e na Amazônia. A agricultura deixada sob o controle do livre mercado está penalizando o consumidor brasileiro, enquanto garante o atendimento às necessidades do próprio agronegócio e os interesses do mercado externo.