13 de março de 2021
Por Bruna Belasques, Hanna Campeche, Leonardo Poletto di Giovanni, Naomi Takada e Thais Felix Padela [1]
Com sua política de preços, a Petrobras tem agido de forma contrária à boa atuação estratégica nacional e mesmo empresarial, diminuindo capacidade de refino tanto com aumento de capacidade ociosa quanto com a venda de refinarias. Essa orientação da empresa na prática garante a entrada de outras concorrentes no setor de refino e a importação de derivados (majoritariamente dos EUA) no mercado brasileiro. É prejudicial até mesmo para os acionistas de longo prazo, focando suas atividades principalmente na produção e exportação de óleo cru.
No dia 18 de fevereiro passado, a Petrobras anunciou um aumento no preço dos combustíveis em suas refinarias, acumulando alta de 34,78% na gasolina e 27,72% no diesel em 2021 até então. O anúncio do presidente Jair Bolsonaro, em live, de alteração no cargo da presidência da estatal – com a saída de Roberto Castello Branco e a indicação do general Joaquim Silva e Luna -, gerou grande repercussão na mídia nacional e internacional. O noticiário voltou sua atenção ao setor de petróleo, e vários canais de comunicação internacionais emitiram artigos sobre essa questão.
O britânico Financial Times, por exemplo, reportou, em 22 de fevereiro de 2021, a interferência que Bolsonaro realizou ao demitir o presidente executivo da Petrobras, Roberto Castelo Branco. O jornal também levantou a suspeita de que o governo brasileiro pretende adotar uma abordagem mais intervencionista na economia neste ano de pré-eleição. Já o jornal francês 24h questionou se esse movimento pode significar uma virada na política do governo. A agência britânica Reuters, por sua vez, fez um comparativo entre a situação de ex- presidente da Petrobras, Pedro Parente, e Castelo Branco, dizendo que Bolsonaro interveio na empresa como uma consequência do aumento do preço dos combustíveis, que veio pelo real enfraquecido. Na mídia nacional, chamou atenção o fato de que um único especulador lucrou aproximadamente R$ 18 milhões ao operar opções de ações[2] , como veiculado pelo jornal O Globo. Essas operações de alto risco, realizadas logo após uma reunião do presidente com ministros, levantaram fortes suspeitas de que houve vazamento de informações privilegiadas.
Contextualização histórica
Não é novidade que um presidente da Petrobras saia em decorrência de uma insatisfação pública com o aumento dos preços. Com o governo Michel Temer e a nomeação de Pedro Parente como presidente da Petrobras, houve uma ruptura na política da empresa em relação aos governos Lula e Dilma. Foi anunciado um plano de desinvestimentos, venda de ativos, aceleração dos leilões do Pré-Sal para atrair os oligopólios internacionais, além de uma reorientação na política de preços. Em 2016, primeiro ano de gestão de Parente, foi implementada a política de preço de paridade de importação (PPI) com ajustes diários, com apoio e sustentação de grupos de coalizão de interesses variados, entre o mercado financeiro, as petroleiras estrangeiras, acionistas privados majoritariamente internacionais da companhia, grandes importadores e o Planalto. Contudo, essa decisão foi de grande impacto tanto para a economia, quanto para o cidadão brasileiro. A dependência ao preço do mercado internacional e os repasses frequentes da variação do custo do petróleo foram as causas da greve dos caminhoneiros em 2018, que levou ao pedido de demissão de Pedro Parente, e é a causa dos atuais valores elevados dos combustíveis com reajustes frequentes.
A Política de Preços de Importação e seus impactos socioeconômicos
A política de PPI (Paridade de Preços de Importação) é o alinhamento, por parte da Petrobras, na venda de derivados nas refinarias em preços equivalentes aos de importação. São dois os fatores principais para a formação desses preços: o preço dos derivados produzidos no Golfo do México (PADD 3), nos EUA; e a transformação em reais pela taxa de câmbio corrente. São somados ainda os preços de transporte, seguro e margem da empresa importadora. Essa política é estranha à configuração do setor de derivados no Brasil, uma vez que o país possui capacidade de refino interna para o abastecimento do mercado nacional. Na prática, a política de PPI na Petrobras faz com que os preços de derivados de petróleo no Brasil sejam os mesmos de uma situação hipotética na qual o país não tivesse nem petróleo, nem refinarias, nem uma empresa estatal estruturada nesse setor.
Em artigo recente, o ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli colocou que o processo de privatização e privatização de partes da companhia (tal como a venda da BR Distribuidora, da Liquigás e a venda em andamento da RLAM), antes organizada “do poço ao posto”, interfere na própria capacidade da empresa na formulação dos preços no mercado nacional. O governo ainda tem o plano de vender mais sete refinarias até o final de 2021, o que significaria a diminuição em 50% da capacidade de refino atual. Caso se concretize essa situação, a Petrobras deixará de ter a capacidade de formação dos preços dos derivados no mercado nacional.
Com a PPI, a Petrobras tem atuado de forma contrária à boa atuação estratégica nacional e mesmo empresarial, diminuindo capacidade de refino tanto com aumento de capacidade ociosa quanto com a venda de refinarias. Essa orientação da empresa na prática garante a entrada de outras concorrentes no setor de refino e a importação de derivados (majoritariamente dos EUA) no mercado brasileiro. É, portanto, prejudicial até mesmo para os acionistas de longo prazo, uma vez que a empresa tem atuado para perder fatia de mercado na venda de refinados, focando suas atividades principalmente na produção e exportação de óleo cru.
Esse quadro gera consequências em outros mercados e artigos relevantes para a economia brasileira. No caso dos produtos alimentícios, por exemplo, os custos variáveis são os óleos, agrotóxicos, lubrificantes e principalmente os combustíveis, sendo esses em sua maioria derivados do petróleo, que, como mencionado anteriormente, sofreram alterações estrondosas frente à desvalorização cambial e à PPI, aumentando o preço dos alimentos.
A governança da Petrobras e o capital financeiro
A Petrobras é uma empresa estatal brasileira que possui capital aberto na bolsa brasileira (B3) e na de Nova York (NYSE). Os maiores acionistas são os investidores internacionais, com 43,1% do capital social, seguidos pelo Estado brasileiro, com 36,8%, e pelos investidores privados nacionais, com 20,1%. São, portanto, os investidores internacionais que mais ganham na hora de dividir os lucros (dividendos).
Apesar disso, o maior detentor de ações com direito a poder de voto é o Estado brasileiro, com aproximadamente 50,5% dos papéis ordinários[3] . Em seguida vêm os investidores internacionais, com 40,33% do direito a voto, e os privados nacionais, com 9,17%.
Assim, embora se note expressiva participação de investidores privados na Petrobras – especialmente, de investidores estrangeiros –, o poder de decisão ainda está nas mãos do acionista majoritário de ações ordinárias, isto é, o Estado brasileiro, que nomeia a maior parte dos integrantes do Conselho de Administrativo da instituição. De acordo com Sérgio Gabrielli, o atual Conselho “(…) está desequilibrado. Praticamente só tem representante do mercado financeiro, e particularmente dos fundos mais especulativos.” É importante dizer que, diante da atitude de Bolsonaro de trocar o presidente da companhia sem a aprovação de seu conselho, 4 dos 11 membros renunciaram aos cargos.
Desse modo, o que se vê pela composição atual da empresa é uma gestão voltada para o lucro de curto prazo que visa a remuneração via dividendos e juros sobre capital próprio (JCP). A redução da dívida é outro elemento demandado pelos investidores privados. Os dois fatores alinhados acabam reduzindo a capacidade de investimentos e a presença da estatal na economia, implicando, portanto, em menores retornos para a sociedade. Isso porque o endividamento, quando direcionado a bons investimentos, pode elevar no longo prazo os retornos financeiros e, ao mesmo tempo, ser indutor da industrialização e do desenvolvimento socioeconômico da economia nacional.
De modo simples, os investimentos da Petrobras podem provocar efeitos em cadeia em outros setores (spillover) e até provocar uma qualificação tecnológica direta ou indireta em seus fornecedores que integrariam em diversas etapas da cadeia produtiva. Portanto, a Petrobras pode ser um ator estratégico na luta contra a desindustrialização e pela soberania tecnológica do país.
Sendo assim, avalia-se que seria necessário um conselho mais plural na administração da empresa, bem como uma eventual recompra de ações ordinárias por parte do Estado brasileiro, o que lhe permitiria ter maior poder de barganha na gestão e nos rumos da companhia. Outra vantagem da recompra de ações seria a relativa redução da dependência ao capital estrangeiro na Petrobras, com interesses de curto prazo.
Considerações finais
É fundamental também deixar claro que, a despeito da volatilidade no preço que as ações da Petrobras possam sofrer em ocasiões como a nomeação de Silva e Luna, isso não significa que a empresa tenha perdido seu valor e tampouco sua capacidade produtiva. Trata-se de um fenômeno especulativo do mercado financeiro e de pressão para a manutenção da política de PPI e desinvestimentos. Contudo, a indicação do general não representa, a princípio, uma inflexão na política de preços ou na maneira de gerir o setor petrolífero cada vez mais entregue aos interesses privados, em particular os internacionais.
Dessa forma, conclui-se que, até o momento, o governo Bolsonaro tem dado continuidade na política de gestão da Petrobras praticada desde o governo Temer. Não existe qualquer garantia ou fortes indícios de que a empresa passará por uma mudança na sua política geral. As declarações e intervenção de Bolsonaro parecem ter sido mais uma resposta política do que um afastamento da orientação ultraliberal de seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes.
No contexto da crise econômica agravada pela pandemia, a empresa poderia ser um importante ator para a adoção de uma política diferente da atual. A venda de derivados (sobretudo diesel, gasolina e gás de cozinha) deveria se orientar pelo custo nacional nas refinarias brasileiras, para evitar as flutuações e aumento dos preços de bens essenciais para a população brasileira. A tendência inclusive é a de que as duas maiores referências para o preço dos derivados com a PPI, o preço do barril de petróleo e o dólar, continuem a subir ao longo do ano.
Nesse sentido, considerando que o poder de decisão da Petrobras está nas mãos do governo brasileiro, percebe-se que a ausência de políticas coordenadas para a industrialização ou formação de preços é resultante da visão neoliberal predominante nos governos Temer e Bolsonaro. Em outros termos, opta-se por privilegiar o capital financeiro, em grande parte internacional, ao invés de atuar de forma soberana e em benefício da sociedade brasileira como um todo.
[1] Os autores agradecem a colaboração do Prof. Giorgio Romano Schutte
[2] As opções de ações são um tipo de derivativo negociado na bolsa de valores com alto risco.
[3] Em outros períodos a porcentagem de ações ordinárias em posse da União chegou em aproximadamente 64%. Ver: <https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2019/06/26/governo-ja-vendeu-r-124-bilhoes-em-acoes-da-petrobras-desde-outubro.ghtml>. Acesso em: 06 mar. 2021.