A saída de Salles do Meio Ambiente e a nova configuração da agenda internacional de sustentabilidade

29 de junho de 2021

Por Olympio Barbanti Jr. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Na visão de Bolsonaro, o meio ambiente entra na agenda governamental de forma condicionada à maximização dos interesses do agronegócio, e as populações indígenas e camponesas não têm lugar. Pereira Leite está neste lado do campo político há tempos. Em seu caso, já está claro que quem manda, manda, e quem obedece, obedece.

A saída de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente levanta questões sobre possíveis relações entre a demissão e sua conduta em temas delicados de favorecimento a empresários e possível corrupção. E traz à tona, também, o questionamento da capacidade de seu sucessor de implementar uma política diferente, que ao menos converse com a agenda de sustentabilidade aceita internacionalmente.

Para essa análise, é possível, de início, traçar um paralelo entre a entrada de Joaquim Álvaro Pereira Leite no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a troca do ex-ministro Ernesto Araújo por Carlos Alberto França, no Ministério das Relações Exteriores. Nos dois casos, sai um ministro com postura agressiva e entra um ministro com discurso técnico. Entretanto, no MMA, mais do que no MRE, não deve haver alteração significativa na agenda de implementação de políticas. Espera-se que ocorra, apenas, um abrandamento do discurso apoquentador, acintoso – prática dos ministros que se retiraram.

Parta além dessa questão de discurso é possível identificar que há canais diplomáticos bloqueados na área ambiental que devem continuar fechados. O desmatamento na Amazônia havia caído antes do governo Bolsonaro porque existia uma política – o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) – que dava certo. O PPCDam tinha uma visão ampla do problema: ações de contenção de curto, médio e longo prazos atuando em várias frentes, e incluindo medidas de aperto financeiro aos municípios e empresas responsáveis pelo desmatamento; tinha mecanismos efetivos de fiscalização; e medidas de apoio institucional.

Era um plano que obteve elevado grau de sucesso, o qual foi reconhecido globalmente. Esse plano foi desenvolvido após uma década de fortalecimento dos órgãos ambientais federais e estaduais, com auxílio da cooperação ambiental internacional, que injetou por canais bilaterais e multilaterais milhões de dólares e euros a fundo perdido. Tudo isso foi descartado por Bolsonaro e nenhum plano efetivo o substituiu. 

Cooperação ambiental internacional

A cooperação ambiental internacional teve início após os grandes incêndios florestais em Rondônia, em 1988. E, desde então, os países do G7 acompanham pari passu o que ocorre na Amazônia. Desde 1995, estão engajados ativamente na promoção do desenvolvimento sustentável na região. Sabem que as emissões das florestas tropicais são relevantes para as medidas de contenção das mudanças climáticas, que não faz sentido queimar a maior biodiversidade do mundo para criar gado que poderia estar em confinamento, ou semiconfinamento, e que esse processo altera, além do clima, a degradação dos solos e a acidificação dos oceanos, entre outros impactos.

Não é de se esperar que a entrada de Joaquim Álvaro Pereira Leite vá aliviar as demandas por responsabilidade ambiental que atores centrais do sistema internacional endereçam ao governo brasileiro. Está claro que o novo ministro fez sua carreira no mercado privado, que é um ruralista e representa prioritariamente os interesses ruralistas, tem um longo histórico como conselheiro na Sociedade Rural Brasileira (SRB), e é parte atuante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

São entidades e interesses para os quais a política bolsonarista para o meio ambiente está ótima: ou seja, subordinada aos interesses de uma grande parcela do agronegócio. A visão bolsonarista afirma que o Brasil conserva mais recursos naturais do que outros países, que a agricultura brasileira é amiga do meio ambiente e produz com sustentabilidade. Os números que trazem, baseados em estatísticas que produzem e nas análises do pesquisador Evaristo de Miranda, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Territorial), são objeto de debate. Para o pesquisador, “o Brasil é o país que mais protege ambientalmente seu território”. Critérios e métodos utilizados por outros pesquisadores nacionais, e por pesquisadores internacionais, mostram um cenário bem diferente.

No Ministério do Meio Ambiente, Pereira Leite estava à frente da área que deveria conter os desmatamentos na Amazônia, e, também, cuidar do novo mercado de pagamento por serviços ambientais. Esse parece ser seu interesse especial. Trata-se da negociação do Capítulo 6 do Acordo de Paris, sobre precificação de carbono e mercados entre empresas e entre países.

Sobre esse ponto, especificamente, países industrializados podem entrar em consenso com o governo Bolsonaro, e aceitar as bases do programa Floresta+, que estava sob a responsabilidade de Pereira Leite no MMA. O Floresta+ pode irrigar com milhares, senão milhões de dólares, os cofres nacionais e os bolsos do setor privado ligado ao agro. Atualmente, cerca de 3% dos proprietários de imóveis rurais no Brasil são donos de cerca de 62% das terras em imóveis rurais no país. A produção rural no Brasil está financeirizada, e tem importância fundamental no saldo positivo da balança comercial do país. Hoje, no Brasil, Agro é poder – conforme anunciam em alto e bom som.

Colisão com interesses ambientais e comerciais

Mas esse mundo rural está em colisão com interesses ambientais e comerciais de países europeus e, agora, com os Estados Unidos. A redução do aquecimento global e a contenção das mudanças climáticas necessita do movimento de várias peças no xadrez internacional – entre elas a redução de emissões por uso e mudança de uso da terra, especialmente em relação a floretas tropicais (Land Use, Land-Use Change and Forestry – LULUCF). 

O Brasil tem seu Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), mas também tem sua pecuária de altíssimo carbono – e de destruição da biodiversidade. Em associação com danos à integridade de áreas especialmente protegidas (parques nacionais, reservas biológicas e outras categorias), de invasões de terras indígenas, e de uma agenda que é contrária, também, aos interesses dos povos e comunidades tradicionais, o governo Bolsonaro parece habitar um mundo onde o meio ambiente só conta se dele for extraído dinheiro com taxas de lucro que desconsideram gastos com proteção ambiental.

Erra quem imagina que Bolsonaro passou 27 anos na Câmara dos Deputados sem fazer nada. Ele trabalhou arduamente em defesa dos interesses de policiais, e contra os temas relativos à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais; contra populações camponesas; contra terras indígenas; contra a ideia de que esses povos possam ter uma trajetória diferente do “mundo ocidental”. Por ele, indígenas seriam transferidos para áreas urbanas e suas terras alocadas ao uso intensivo da agricultura corporativa e da mineração – incluindo o garimpo.

O G7 e a questão ambiental

Entretanto, pode-se dizer que um aperto político e econômico contra essa agenda não está “no horizonte” – está de fato bem mais perto. No último dia 13 de junho, o grupo dos Sete (G7), os países mais industrializados do mundo, lançou um conjunto de documentos que sinalizam novo alinhamento em relação às questões de desenvolvimento internacional para as próximas décadas. Parte deste conjunto, o documento sobre questões ambientais (nature compact), possui indicações que colidem frontalmente com a agenda do governo Bolsonaro – e com o próprio.

Uma leitura dos quatro “pilares” apresentados no documento, traz diversas implicações para a agenda que Pereira Leite ajudava a implementar, e pela qual agora se torna responsável.

Segundo o G7:

  1. Haverá cobranças em relação ao desmatamento sobre atores ao longo de todas as cadeias de valor, e serão demandadas dos países políticas domésticas efetivas, podendo ocorrer “due diligence” (busca e informação para efeito de fiscalização) internacional sobre essas medidas, se necessário;
  2. O tema de florestas e meio ambiente será discutido, também, no âmbito das questões comerciais e agrícolas, e, nessas discussões, haverá demandas para efetiva “colaboração” entre países consumidores e fornecedores;
  3. Haverá demandas para a retirada de subsídios ao setor produtivo que causem impactos negativos ao meio ambiente;
  4. Será dado combate ao tráfico de espécies animais selvagens (pode incluir espécias da flora);
  5. O setor financeiro será encorajado a ir além do atual enquadramento de impactos ambientais para incluir a visão de economia ecológica presente no Dasgupta Review on the Economics of Biodiversity, e na OECD Policy Guide on Biodiversity, para inclusão prioritária da biodiversidade (mainstreaming biodiversity) nas políticas de desenvolvimento;
  6. Será aumentado, nos próximos cinco anos, o financiamento de iniciativas que maximizem as correlações positivas entre clima e biodiversidade;
  7. Haverá garantia de que a assistência ao desenvolvimento dos países do G7 não cause ameaças ao meio ambiente;
  8. Será incentivada a ação ambiental de bancos multilaterais e instituições de financiamento;
  9. Lideranças empresariais para a sustentabilidade receberão incentivos;
  10. Deverá ser alcançada a proteção de pelo menos 30% das áreas terrestres e também dos oceanos;
  11. Deverá haver prevenção da perda, fragmentação e degradação de ecossistemas;
  12. O G7 atuará para reduzir significativamente a extinção de espécies;
  13. Será expandida a cooperação para a sustentabilidade de oceanos.

Essa agenda está em sintonia com a fala do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, em recente palestra online (25/05) para o jornal Valor Econômico, realizada ao lado de José Roberto Marinho, vice-presidente do Grupo Globo, e de Sérgio Rial, presidente do Santander Brasil. Al Gore  deixou claro que as emissões de carbono serão monitoradas online a partir de início do segundo semestre de 2021. Essa colocação precisa ser compreendida à luz da decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de tratar a questão das mudanças climáticas como um tema de segurança nacional. 

A questão ambiental subiu ao status de high politics para os EUA

Nesse sentido, a entrada de Joaquim Álvaro Pereira Leite no Ministério do Meio Ambiente pode, eventualmente, facilitar o diálogo internacional sobre alguns pontos específicos – principalmente em relação à interface entre finanças e clima. Ocorre que tal interface é tratada, no âmbito do G7, de forma ampla e ligada de maneira incondicional a estratégias de desenvolvimento sustentável – o que inclui o fim das queimadas na Amazônia, a defesa dos povos indígenas e demais populações da floresta, e uma ampla agenda de sustentabilidade ligada a finanças e comércio.

Ocorre que no mundo, segundo Bolsonaro, o meio ambiente entra na agenda governamental de forma condicionada à maximização dos interesses do agronegócio, e as populações indígenas e camponesas não têm lugar. Pereira Leite está neste lado do campo político há tempos. Em seu caso, já está claro que quem manda, manda, e quem obedece, obedece. Não há como Bolsonaro mudar seu discurso e apagar tudo o que fez ao longo de sua carreira. Uma colisão de interesses de grandes proporções está à vista para a economia e a política do Brasil.

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