21 de setembro de 2021
Por Felipe Lelli, Kayque Ferraz e Ricardo Alves
(Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
No debate internacional sobre tributação das multinacionais o pouco protagonismo marca a posição do Brasil. Domesticamente, a ideia do governo é aprovar a reforma tributária no Congresso, visando essencialmente mudanças na forma como o Imposto de Renda é cobrado.
No início de julho, um total de 130 países, incluindo o Brasil, fechou um acordo de reforma tributária para multinacionais que inclui um imposto mínimo de 15% sobre os lucros dessas empresas. A declaração foi anunciada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e contou com apoio de países como EUA e China, reunindo nações que juntas representam 90% do PIB mundial. Posteriormente, os Ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais do G20 endossaram a proposta.
Espera-se que a efetiva implementação desse novo modelo de taxação se inicie em 2023. Em um contexto no qual o governo brasileiro discute sua própria legislação tributária, devemos nos questionar quais os impactos da aprovação de tal medida para os países em desenvolvimento e a postura brasileira nos fóruns internacionais que debatem essa temática.
Em primeiro lugar, é importante destacar que a proposta tem como principal patrocinador o governo estadunidense. A secretária do tesouro dos EUA, Janet Yellen, empenhou-se pessoalmente nas negociações, por ver na sua aprovação um ponto fundamental de apoio para as propostas de reforma tributária do governo Biden. Essa reforma está na base do financiamento dos projetos de recuperação econômica propostos pelos Democratas no chamado Green New Deal.
Em que pese a defesa de uma reforma tributária global ser uma bandeira levantada por economistas progressistas, como os líderes do movimento Independent Commission for the Reform of International Corporate Taxation (ICRICT), a proposta aprovada pela OCDE tem sido alvo de críticas. José Antonio Ocampo, um dos fundadores do ICRICT, aponta que a proposta de reforma é desenhada de forma a beneficiar os países-sedes das multinacionais, em detrimento dos países onde são gerados os lucros — o que prejudicará países em desenvolvimento. Além disso, a taxa aprovada, 15%, é relativamente baixa se comparada a países da América Latina ou da África (que possuem taxas médias de aproximadamente 26%), fazendo com que a adoção desse piso não altere a dinâmica atual de transferência de lucros. Para o autor, a forma pela qual as discussões sobre a reforma tributária global estão se desenrolando na OCDE apresentou-se como uma oportunidade perdida para os países da América Latina.
A posição internacional do Brasil nessas discussões é marcada pelo pouco protagonismo. Embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha participado da reunião do G-20 que debateu a reforma na tributação global e o país esteja em meio a uma discussão sobre reforma tributária, o ministro se limitou a declarar que a tributação da economia digital deve objetivar “uma divisão mais equitativa dos novos tributos coletados entre países avançados e emergentes” e ao reforço ao “compromisso do governo com a agenda de reformas”.
O cenário brasileiro
Durante a última cúpula do G-20, o Brasil manifestou oficialmente sua posição favorável ao acordo de implantação da alíquota mínima de 15% global sobre os lucros das grandes empresas multinacionais. Em projeções recentes, caso o acordo seja referendado, o ganho anual brasileiro ficará em torno de 7,4 bilhões de euros (ou quase R$56 bilhões, segundo as cotações atuais).
Ainda não se sabe exatamente como se dará o fluxo desses ganhos monetários e se, de fato, ele chegará para as economias em desenvolvimento. Há também um certo receio de que elas acabem sendo impactadas negativamente — quando a ideia é justamente atingir os paraísos fiscais.
Há também um certo ceticismo em relação a esses números por parte de alguns especialistas. Luís Flávio Neto, diretor do Instituto de Direito Brasileiro de Tributário afirmou em matéria recente para o Jota que “Mesmo em relação a outros países em desenvolvimento, o Brasil tem uma situação diferente. Inclusive, temos uma política cambial que induz as empresas estrangeiras a se estabelecerem no país. Além de ser mais difícil que elas atuem por aqui estando fora”. As expectativas são de que os ganhos brasileiros sejam relativamente pequenos, já que o IRPJ aqui é bem mais elevado (34%). Segundo o ex-secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, “nossa tributação é maior. Impacta para países com tributação menor, como a Irlanda.”
A ideia do governo brasileiro nesse momento é passar a reforma tributária no Congresso, que visa essencialmente mudanças na forma como o Imposto de Renda é cobrado. Espera-se conseguir diminuir a taxação do IR das mega empresas (hoje em 34%) para se aproximar dos valores praticados na OCDE e voltar a cobrar lucros e dividendos das pessoas físicas.
No caso dos serviços digitais, o Brasil é bem diferente dos outros países emergentes, já que aqui se aplicam regras e impostos que não são normalmente aplicados em outros países membros da OCDE, como os diversos tributos para comércio e serviços digitais. Como o Brasil tributa todas as importações de serviços e remessas, sempre houve um incentivo financeiro para as multinacionais nesses setores estabelecerem filiais locais, buscando acesso ao mercado consumidor nacional sem passar pela carga tributária pesada. Rodrigo Orair, economista do Ipea, afirmou em entrevista recente para a revista Mercado e Consumo que “para ter um impacto maior, será necessário fechar outras brechas para a erosão [do capital]. O Brasil, se quiser adotar o imposto global, terá de alterar a legislação do IR local.” Para ele, a reforma tributária discutida atualmente no Congresso é extremamente necessária para o sucesso do aceite brasileiro ao imposto global sobre as multinacionais.
Sistema Tributário Brasileiro
O Sistema Tributário diz respeito ao conjunto de regras sobre a arrecadação de tributos. No Brasil existem cinco tipos de tributos (impostos, contribuições, taxas, contribuições de melhoria e empréstimo compulsórios) e sua cobrança é feita pelos entes federativos de acordo com o que estabelece a Constituição.
Cobrados de diversas formas, os tributos atingem os grupos sociais também de formas diversas. Por sua característica prevalente de regressividade, os maiores prejudicados são aqueles com menos renda. O sistema tributário brasileiro pesa a mão significativamente sobre salários e consumo, enquanto alivia a renda e patrimônio. Observa-se isso, pois apesar de indivíduos com rendas diferentes pagarem a mesma taxa embutida nos produtos consumidos, o peso no bolso de cada um deles é muito diferente.
Em artigo publicado no IPEA, Marcel Gomes elenca os pontos nos quais os mais pobres são mais penalizados: “[I] O excesso de tributação sobre bens e serviços, de 18,8% do PIB, maior do que em qualquer país da OCDE, onde a média é de 11,6% do PIB. [II] A isenção total de imposto de renda sobre lucros e dividendos distribuídos a acionistas de empresas, o inverso do que faz a maioria dos países. [III] A possibilidade de se deduzir do lucro tributável uma despesa fictícia relativa aos chamados “juros sobre capital próprio”.”
Além disso, o sistema tributário afeta diretamente os produtos industrializados brasileiros, o que impacta em sua competitividade em relação a concorrentes externos tanto no mercado internacional, quanto no mercado interno, aponta a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Soma-se a isso a complexidade e as especificidades do sistema brasileiro que destoa dos padrões internacionais, levando a mais uma barreira na atuação de empresas estrangeiras no país (CNI, s.d.).
Para o economista Pedro Rossi (UNICAMP), é preciso transferir a maior tributação para patrimônios e grandes fortunas, e assim aproximar o modelo de tributação do país com o adotado pelos integrantes da OCDE. Nesse sentido, a Câmara de Deputados na Argentina aprovou em novembro de 2020 a taxação de grandes fortunas. Isso fortaleceu o debate no Brasil e impulsionou uma mobilização em torno da campanha “Tributar os Super Ricos” organizada por cerca de 60 entidades com uma série de propostas legislativas com vistas à redução das desigualdades fiscais.