14 de dezembro de 2021
Por GT Relações com o Continente Africano (Foto: Wikipedia/FMira)
Em condições normais, o Brasil tinha tudo para desempenhar um papel importante no conflito de Cabo Delgado. Além do apoio militar, o governo brasileiro poderia ter assistido tanto na mediação internacional como na assistência humanitária e de reconstrução da infraestrutura.
Foram cinco anos de violência que marcaram Moçambique e toda a região da África Austral. Os ataques esporádicos de grupos armados e aparentemente vinculados a movimentos islamistas começaram em 2017 e se tornaram comuns a partir de 2018, quando as principais estradas e vilas da província de Cabo Delgado foram assoladas por ofensivas militares constantes por parte de insurgentes cada vez mais aguerridos.
A situação intensificou-se em 2019 até ficar incontrolável em 2020. Abertamente associados ao Estado Islâmico, os insurgentes tomaram as cidades do litoral e ameaçaram avançar para as províncias do sul de Cabo Delgado em direção ao centro do país. A imprensa internacional colocou a escalada militar na capa e diplomatas alertaram para uma “somalização”, ou seja uma pulverização da autoridade do Estado, numa região-chave do continente.
A reação internacional foi decisiva, mas ela se desenrolou de forma inesperada. A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, paralisada pelo conflito interno da África do Sul, seu principal membro e financiador, demorou para se decidir sobre a modalidade da intervenção. Potências ocidentais, como os Estados Unidos e a União Europeia, buscavam formas de controlar o que eles consideravam ser o surgimento de uma nova fronteira do terrorismo internacional com o menor custo político e financeiro possível.
A Rússia oferecia o apoio das suas forças regulares e não regulares, como os agentes do grupo Wagner, ativo na África Ocidental, em troca de um maior acesso à indústria de recursos naturais. No meio disso tudo, o governo Moçambicano tentava manter o equilíbrio e evitar que Cabo Delgado caísse nas mãos de uma força militar estrangeira.
O impasse foi desbloqueado por um ator inesperado, o Ruanda. O governo de Paul Kagame mostrou novo interesse pela África Austral nos últimos anos. Sob o comando de João Lourenço, Angola se tornou o principal aliado da República Democrática do Congo, principal dor de cabeça do regime ruandês. O declínio regional da África do Sul também foi visto por Kagame como uma oportunidade para ampliar o papel continental do Ruanda, um dos países mais estáveis e organizados da região.
Ao enviar mil soldados para Cabo Delgado, Ruanda resolveu um conflito que parecia condenado a se arrastar por anos em menos de dois meses. Quem ganhou foi o governo Moçambicano. O fim do conflito em Cabo Delgado deve permitir a retomada dos megaprojetos de gás natural que estavam paralisados desde meados deste ano. O governo de Nyusi também sai por cima da crise. Afinal, a solução ruandesa permitiu a Moçambique manter algum nível de autonomia em relação às potências ocidentais.
Em condições normais, o Brasil tinha tudo para desempenhar um papel importante no conflito de Cabo Delgado. Além do apoio militar, o governo brasileiro poderia ter assistido tanto na mediação internacional como na assistência humanitária e de reconstrução da infraestrutura.
A Agência Brasileira de Cooperação desenvolveu alguns dos seus mais ambiciosos programas no país. O conflito de Cabo Delgado mostra que o Brasil segue perdendo oportunidades na África e dificilmente reconquistará o espaço dificilmente conquistado na última década sem um novo projeto para o continente.
Texto publicado originalmente em 14 de dezembro na coluna do OPEB no Brasil de Fato.