14 de dezembro de 2021
Por José Luís de Freitas, Vitor Gabriel, Vitor Hugo dos Santos e Ana Tereza Marra (Foto: Monitor Mercantil)
É perceptível que entre 2019 e 2020 há um aumento do IDE chinês no mundo, mesmo no cenário pandêmico, com o volume se aproximando ao que foi mundialmente investido pelo país em 2017. Desse modo, em termos da trajetória geral do IDE chinês, não é possível justificar a queda dos investimentos da China no Brasil.
Mesmo existindo, ultimamente, um cenário de tensão política nas relações entre ambos os países, a China e o Brasil apresentam, atualmente, o período mais dinâmico na história de suas relações comerciais. Dados econômicos do governo brasileiro indicam que, somente entre janeiro e novembro de 2021, as correntes comerciais entre ambas as nações alcançaram um valor total de US$ 125,1 bilhões.
No que tange à entrada de investimentos chineses no país, no entanto, o cenário não se apresentou tão promissor, dados de pesquisa do Conselho Empresarial Brasil China (CEBC), indicam que, no ano de 2020, ocorreu a entrada de somente US$ 1,9 bilhão em solo brasileiro, o menor nível já registrado desde 2014. Em 2021, a entrada foi um pouco maior, mas ainda assim, o nível do comércio exterior Brasil-China suportaria um volume superior ao que tem sido vertido.
Características dos Investimentos Chineses
Na última década, o IDE chinês cresceu no Brasil a ponto de em 2017 a China tornar-se a maior investidora no país. Contudo, no período recente dois aspectos têm chamado a atenção: a continuada concentração do investimento chinês em poucos setores, e; em termos quantitativos, a queda dos investimentos chineses a partir do cenário da pandemia.
O CEBC, instituição bilateral reconhecida pelos governos de Brasil e China como a principal interlocutora nas relações empresariais entre os países, tem publicado, partindo de dados do ano de 2007, pesquisas constantes sobre o IDE chinês no país. Tais pesquisas mostram que desde 2007 as empresas chinesas realizaram 176 empreendimentos no Brasil, com aportes que somam US$ 66,1 bilhões, dos quais a maior parte ocorreu via Fusões & Aquisições. Até 2020, o Brasil recebeu 47% dos investimentos chineses na América do Sul. Destes, 48% do valor do estoque dos investimentos confirmados foi direcionado ao setor de energia elétrica com forte participação da State Grid e China Three Gorges (CTG), seguido por extração de petróleo e gás (28%), extração de minerais metálicos (7%), indústria manufatureira (6%), obras de infraestrutura (5%), agricultura, pecuária e serviços relacionados (3%) e atividades de serviços financeiros (2%).
Percebe-se, assim, haver concentração dos investimentos no setor elétrico. Tal fato é explicado, de um lado, pelos processos de concessões e privatizações realizados por governos estaduais e federal nos últimos anos e, de outro, pela própria estratégia de internacionalização dos capitais chineses. No setor elétrico, em especial, as empresas chinesas têm tentado desenvolver e aprimorar redes de Ultra Alta Tensão (UHV), que teriam maior capacidade para transportar energia com menores perdas, comparadas às linhas comuns. O Brasil, país com longas distâncias e aberto aos capitais chineses, apareceu como oportunidade.
Outro estudo do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston identificou que 14 empresas do setor elétrico chinês investem ou operam no Brasil além da citada State Grid e CTG, dentre elas China General Nuclear Power (CGN) e Spic. Tais empresas investiram e estiveram envolvidas em projetos de construção no Brasil que somaram US$ 36,5 bilhões até 2019. Somadas possuem integral ou parcialmente 304 usinas que totalizavam 16.736 MW, o equivalente a quase 10% do sistema nacional, dando importante contribuição para a manutenção da infraestrutura do Brasil.
Após a pandemia de Covid-19, contudo, houve queda de 74% no valor total (considerando todos os setores) dos aportes chineses confirmados no Brasil, que atingiram em 2020 US$ 1,9 bilhão, o menor valor registrado desde 2014. O número de projetos caiu para oito, 68% a menos do que em 2019. Inicialmente, aventou-se que a queda dos investimentos no Brasil poderia ser explicada como parte de um movimento mais geral de retração do IDE chinês no mundo. E, de fato, comparando os volumes investidos pela China em 2016 e nos anos posteriores, é perceptível uma queda, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 – IDE chinês no mundo (2016-2020)
Ano | Valor em US$ bilhões |
2016 | 196,15 |
2017 | 158,29 |
2018 | 143,04 |
2019 | 136,91 |
2020 | 153,71 |
Fonte: Statista (2021) (https://www.statista.com/statistics/858019/china-outward-foreign-direct-investment-flows/)
Entretanto, é perceptível pelos dados que de 2019 para 2020 há um aumento do IDE chinês no mundo, mesmo no cenário pandêmico, com o volume se aproximando ao que foi mundialmente investido pelo país em 2017. Desse modo, em termos da trajetória geral do IDE chinês, não é possível justificar a queda dos investimentos da China no Brasil. Outras hipóteses que podem ser aventadas para tal, é a lerdeza no calendário de concessões e privatizações prometidas pelo governo federal, no qual investidores chineses possuem grande interesse, a desaceleração econômica do país diante da gestão desastrosa da pandemia e da própria economia, e mudanças de perfil no IDE chinês.
Outra questão que pode ser levantada, é a falta de planejamento nas relações bilaterais, em especial no quadro de tensões diplomáticas que governo Bolsonaro criou com a China. A VI Reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), planejada inicialmente para ocorrer em 2021, foi adiada para 2022 no contexto de prevalência da pandemia e de reorganização do trabalho de suas subcomissões. Espera-se que em 2022 seja lançado o novo Plano Decenal Brasil-China (2022-2031) para orientar as relações bilaterais. Contudo, o histórico das relações mostra que há morosidade em colocar em prática os instrumentos de planejamento: o Fundo de Cooperação para Expansão e Capacidade Produtiva Brasil-China só começou a funcionar mês passado, 6 anos após sua concepção. Com recursos de até US$ 20 bilhões, espera-se que o Fundo possa impulsionar projetos conjuntos entre os países, o que pode melhorar a entrada de fluxos chineses por aqui. Contudo, é preciso haver planejamento para aproveitar essa oportunidade de modo que ela contribua para o desenvolvimento nacional.
Em 2021, o China Global Investment Tracker contabilizou apenas uma entrada de fluxo chinês no Brasil, de US$ 2,94 bilhões, realizado pelas petrolíferas CNPC e CNOOC como pagamento a coparticipação de 10% que possuem na exploração de óleo na jazida de Búzios, a qual participam em um consórcio no qual a Petrobras detém 90%. O investimento estava programado desde 2019, quando as empresas venceram o leilão. Outro investimento anunciado foi a compra da fábrica da Mercedes-Benz da cidade de Iracemólis (SP) pela chinesa Great Wall, contudo, o valor da transação não foi revelado. Para o futuro, espera-se que a Great Wall invista cerca de R$ 4 bilhões no Brasil em cinco anos.
Diversificação dos Investimentos Chineses no Brasil
Com a China visando alcançar uma posição de destaque na redução das emissões de carbono, e liderar na produção de tecnologias verdes, o Brasil poderia se apoiar nessa nova fase de desenvolvimento do país para elaborar medidas capazes de gerar maior diversificação de investimentos localmente. A Build Your Dreams (BYD), se apresenta como um dos casos fora do padrão entres os projetos mais tradicionais realizados no país. Voltada para a produção painéis solares, baterias de lítio-fosfato de ferro, motorização para ônibus elétricos, futuramente sua fábrica em Campinas passará por atualização e poderá produzir chips e componentes para celulares, tablets e notebooks.
Em 2022 a empresa começará a importar dois modelos premium de carros e também vai iniciar sua comercialização para clientes brasileiros por meio de parcerias com 20 grupos das principais concessionárias do país, concorrendo diretamente com os modelos a combustão.
Casos como esse, por mais que se mostrem interessantes, não podem ficar restritos apenas a montagem de bens em território brasileiro, se fazendo necessário também a necessidade de elaboração de políticas de transferência tecnológica e criação de joint-ventures capazes de incluir o Brasil nos setores com maior complexidade econômica no longo prazo.