18 de abril de 2022
Audrey Andrade Gomes, Felipe Teixeira, Gustavo Mendes de Almeida, Henrique Mario de Souza , Júlia Cardoso de Magalhães, Laura do Espírito Santo Silva e Gilberto Maringoni (Foto: Unsplash)
Nos últimos 30 anos, a América Latina vivenciou nove processos de impedimento de chefes de Estado. Em sua maioria, os motivos estavam associados a acusações de corrupção e de mau uso da máquina pública, além de comportamento incompatível com as promessas feitas ao eleitorado antes de assumirem o cargo. Em alguns destes casos, o impeachment pareceu indicar golpes parlamentares, como no Paraguai em 2012 e no Brasil em 2016, enquanto em outras ocasiões foi visto como parte da vida institucional dos países.
O impeachment é um mecanismo de destituição de membros do poder Executivo em vários níveis de governo e tem sua origem nos sistemas parlamentaristas, no século XVIII. Nessas modalidades, o chefe de governo, ou primeiro-ministro, pode perder a maioria parlamentar e ser submetido ao voto de desconfiança de seus pares, sendo afastado do cargo.
No presidencialismo, inexiste o voto de desconfiança. Quando o presidencialismo foi instituído nos Estados Unidos, a partir da Constituição de 1788, o impeachment foi adotado como medida semelhante ao voto de desconfiança. No entanto, sempre paira sobre a medida um problema. No parlamentarismo, o mesmo colégio que elege o primeiro-ministro pode destituí-lo; no presidencialismo, em tese, quem teria poderes para realizar tarefa igual seria o eleitorado. Daí as acusações de que o impeachment sempre pode dar margem a golpes e rupturas nos processos democráticos. Esse viés se agrava pelo fato de acusações de crimes de responsabilidade, motivos recorrentes para impedimentos de autoridades, serem julgados por um poder político (o Legislativo) e não pelo poder Judiciário.
Neste artigo, detalhamos os processos de impeachment de 6 dos 13 países da América do Sul, além do golpe boliviano de 2019. Embora este não seja resultado de um processo de impeachment, a decisão de colocá-lo aqui se dá pelo contexto regional de derrubadas de governos com aparente capa legal.
Venezuela, 1993, a ascensão e queda de Carlos Andrés Pérez
A Venezuela, juntamente com a Colômbia, é o único país que não enfrentou ditaduras militares entre os anos 1960-80. Ambos viveram uma aparência de normalidade eleitoral, apesar da extrema violência dos governos contra a oposição. A última ditadura venezuelana encerrou-se em 1958. Em 1993, pela primeira vez, um presidente local foi destituído num processo de impeachment.
Carlos Andrés Pérez (1922-2010) envolveu-se na vida política desde muito cedo, sendo um dos fundadores da Ação Democrática (AD), agremiação de corte social democrata fundada em 1941.
CAP, como se tornou conhecido, foi eleito presidente pela primeira vez em 1974. Seu mandato foi marcado por um caráter progressista e distributivo em tempos em que o petróleo, principal produto de exportação, conhecia alta inédita de preços. Isso levou a um cenário de prosperidade na Venezuela, com um crescimento acelerado e baixos índices de desemprego.
Eleito novamente em 1988, CAP deparou-se com um cenário diverso da década anterior. O país estava em crise e os preços do petróleo apresentavam forte queda. Em fevereiro do ano seguinte, logo após a posse, recorreu ao FMI, que impôs um plano de austeridade fiscal, definido pela desvalorização do bolívar (moeda nacional), redução do gasto público e do crédito e congelamento de salários, além do aumento nas tarifas de transporte público.
Em 27 de fevereiro de 1989, instaurou-se uma rebelião popular na região de Caracas e nas principais cidades venezuelanas. Esse movimento ficou conhecido como “Caracazo” e foi reprimido violentamente pelo Exército, resultando na morte de centenas de pessoas.
Logo, o governo adquiriu forte conotação neoliberal, com denúncias de corrupção em toda a máquina pública. Em 1992, o presidente foi vítima de duas tentativas de golpe de Estado: a primeira liderada pelo então coronel Hugo Chávez, com participação de parte do Exército. A segunda foi comandada por facções da Marinha e da Aeronáutica. Apesar do fracasso das tentativas, seus líderes ganharam apoio popular, enfraquecendo, dessa forma, a imagem do governo de Carlos Pérez.
Estes fatos e a confirmação de denúncias de corrupção do governo levaram ao seu impeachment, em 20 de maio de 1993. Praticamente não houve protestos populares. Assim como no caso de Fernando Collor, praticamente não houve acusações de golpe.
Equador, 1997-2000-2005, a conexão entre os impedidos
No Equador, desde os anos 1990, houve três interrupções de mandato de chefes de Estado. Abdalá Bucaram (1996-97), impedido de continuar por acusações de problemas de saúde mental, Jamil Mahuad (1998-2000) que renunciou ao cargo e Lúcio Gutierrez (2003-2005), que também renunciou após intensos protestos populares.
O país enfrentou forte crise econômica a partir dos anos 1980, com agravantes na década seguinte. Sucessivas crises no balanço de pagamentos, fugas de capitais e uma verdadeira overdose de medidas ortodoxas, como elevação da taxa de juros doméstica, privatizações e desregulamentações. Uma contínua queda dos preços do petróleo completaria a espiral descendente.
O mandato de Abdalá Bucaram teve duração de quase seis meses e foi interrompido por um processo que o qualificou como “mentalmente incapaz” de exercer o cargo. Bucaram assumiu o posto em 10 de agosto de 1996, anunciando que seu mandato representaria o nascimento de um governo popular e pelo fim das oligarquias. Entretanto, durante o mandato, implementou medidas austeras, privatizando setores estratégicos e agindo para desestruturar organizações populares e sindicatos. Tal conduta e o seu possível envolvimento em esquemas de corrupção fizeram geraram grandes mobilizações populares pelo país. Bucarám acusou a existência de uma “ditadura civil” no país. Em 6 de fevereiro de 1997, o Congresso aprovou sua destituição, em meio a forte desaceleração econômica.
No início de 1999, a crise se manifestou no setor bancário. A sequência de desarranjos atingiu a própria legitimidade do sistema político. Uma dolarização realizada no início do ano seguinte pelo governo do presidente Jamil Mahuad representou uma medida desesperada para conter a hiperinflação e colocar a casa em ordem. Ela foi acompanhada por uma nova rodada do receituário liberal: corte de gastos, aumento de combustíveis e redução de orçamentos sociais. Apesar de estabilizar os preços, a iniciativa implicou em uma abrupta contração monetária com consequências devastadoras. O Banco Central perdeu sua função. O meio circulante passou a vir de fora.
A rigidez da base monetária começou a estrangular setores importantes da economia, gerando quebradeira de bancos e empresas e aumentando as tensões sociais. Uma rebelião popular, majoritariamente indígena, forçou a queda do presidente semanas depois. Seu vice, Gustavo Noboa (2000-2002), assumiu o cargo e manteve a dolarização.
Nas eleições presidenciais de 2002, uma aliança de jovens militares com o movimento indígena levou ao poder o coronel Lucio Gutierrez, ancorado em uma plataforma nitidamente antipolítica, com alguns aspectos antiimperialistas. No entanto, após eleito, Gutierrez lançou mão de uma política econômica ortodoxa e de perseguições ao movimento popular. A instabilidade política voltou a se acentuar e, desgastado, o presidente foi destituído pelo Congresso, em 2005. A justificativa foi a de “abandono do cargo”.
Honduras, 2009, o surgimento do neogolpismo
Em 2009, o presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya foi deposto pelo Congresso, em ação controversa. Membro de uma família de fazendeiros, Zelaya era um político liberal que se deslocou para posições nacionalistas de forte apelo social ao longo do mandato.
Durante a crise econômica de 2008, o presidente tomou diversas medidas para diminuir seu impacto na economia hondurenha. Entre elas, decidiu firmar acordos com Hugo Chávez, da Venezuela, para obter petróleo em condições vantajosas e lutar contra o monopólio energético de empresas estadunidenses e europeias. Zelaya decidiu, além disso, integrar Honduras na Aliança Popular Para os Povos de Nossa América (ALBA), promovida pela Venezuela. A partir de então, o presidente ganhou forte oposição parlamentar, tanto da oposição, quanto de seu próprio partido.
A crise chegou ao ápice, quando Zelaya levantou a hipótese de realizar uma Assembleia Constituinte. Em 25 de junho de 2009, o Congresso hondurenho abriu uma investigação sobre a conduta do então presidente, com intenções de promover um impeachment, medida inexistente desde 2002. A destituição, concretizada três dias depois por ordem da Corte Suprema, foi ratificada pelo Legislativo. Classificada como golpe, a medida não foi aceita pela comunidade internacional, que sancionou Honduras de diversas formas. A investida contra Zelaya é tida como a primeira da onda do neogolpismo na América Latina.
Paraguai, 2012, a destituição-relâmpago
O impeachment de Fernando Lugo no Paraguai em 2012 se configura como um dos mais escancarados golpes parlamentares que a América Latina já viu. O processo que ganhou a alcunha de relâmpago por conta de sua extrema velocidade, constituiu-se no desenlace de uma frágil aliança entre a Aliança Patriótica para a Mudança (partido de Lugo) e o Partido Liberal, em um país que há mais de seis décadas vinha sendo governado pelo Partido Colorado.
Fernando Lugo foi eleito em 2008, após 61 anos de domínio do Partido Colorado na presidência do Paraguai. Para realizar tal feito, o então candidato a presidente, o conservador Federico Franco, integrante do Partido Liberal Radical Autêntico. A coalizão se esfacelou apenas um ano após a vitória eleitoral, fazendo com que o governo perdesse força no Congresso, de maioria Colorada.
Com os meios para o exercício do poder engessados pela falta de apoio parlamentar, Lugo não conseguiu avançar para muito além de mudanças em relação à soberania energética e de questões relacionadas à saúde pública. Dentro do Congresso, os argumentos que embasaram o pedido de impeachment se alicerçaram em uma suposta má gestão das forças armadas paraguaias, inaptidão no combate a violência e violação da constituição em relação à assinatura de alguns acordos regionais. Ademais, um conflito entre integrantes do movimento sem-terra e policiais em uma propriedade irregular do ex-senador colorado, Blas Riquelme. O desfecho foi a morte de 6 policiais e 11 manifestantes, e foi utilizada pela mídia para tentar enfraquecer a imagem do presidente.
Em menos de dois dias, deputados e senadores aprovaram o pedido de impeachment. O presidente teve apenas duas horas para se defender das acusações. Em seu lugar, assumiria Federico Franco, interrompendo um pequeno período progressista vivido pelo Paraguai, que retornava ao conservadorismo por meio do Partido Liberal.
A destituição de Fernando Lugo foi demasiadamente questionada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e criticada pela grande maioria dos países da América do Sul, abrindo caminho para um isolamento do país na região. Como retaliação ao golpe parlamentar, o Mercosul suspendeu o país temporariamente do bloco. Foi o segundo caso de neogolpismo na região.
Brasil, 1992-2016, a democracia em risco
No Brasil o primeiro presidente eleito democraticamente após a ditadura militar (1964-85), sofreu um processo de impeachment. Fernando Collor de Mello venceu as eleições em 1989 prometendo uma renovação no cenário político, medidas de enxugamento do Estado e o fim da corrupção. Em seu terceiro ano de governo, em 1992, foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, formada a partir de denúncias consistentes de um esquema de desvio de dinheiro público a partir do gabinete presidencial. Uma crescente onda de manifestações populares acabou por levar à abertura de seu processo de impedimento.
A medida foi aprovada por larga maioria na Câmara dos Deputados, em 29 de setembro. Com seu afastamento, o vice, Itamar Franco, assumiu três dias depois. Em 29 de dezembro, poucas horas antes do Senado ratificar a posição, o que levaria à perda de direitos políticos, o mandatário renuncia ao cargo.
A combinação de denúncias feitas por seu irmão e a persistência de uma crise econômica agravada com o confisco das cadernetas de poupança em seu primeiro mês de mandato, criaram forte descontentamento na população e o caldo de cultura para que o afastamento fosse configurado como inevitável.
Mais recentemente, em 2016, a presidenta Dilma Rousseff, em seu segundo mandato, sofreu um processo de impeachment sob a acusação de crime de responsabilidade fiscal. Exercendo um papel importantíssimo em ambos os casos, a mídia teve o poder de direcionar a opinião pública para a queda dos dois mandatários.
A presidenta tinha contra si promessas não cumpridas em campanha (2014), a opção recessiva adotada no início do mandato, que resultou em forte crise econômica. As alegações para o impeachment eram de desrespeito às leis orçamentárias, crime de responsabilidade fiscal com a criação de créditos suplementares sem autorização do Congresso e o atraso de repasses monetários com o objetivo de maquiar as contas públicas. Aliado ao processo parlamentar, uma operação judicial de duvidosos métodos – a Lava Jato – criou um clima social de que o principal problema do país estava na manutenção do governo eleito.
Os aliados do governo Dilma viram no pedido de impeachment uma estratégia para a retirada do PT do poder, bem como os setores mais radicais viram uma traição nas alianças com partidos e setores mais conservadores. Apesar de todos os rituais legais terem sido cumpridos, nenhuma das acusações contra Dilma tinham consistência política e a constatação de golpe parlamentar ficou clara com o tempo.
O violento golpe boliviano de 2019
Em 10 de novembro de 2019, após quase 20 dias de manifestações de protestos, o presidente da Bolívia Evo Morales e seu vice, Álvaro Garcia Linera, apresentaram suas renúncias aos cargos que ocupavam. Embora neste caso não tenha ocorrido um processo de impeachment, vale a pena incluí-lo neste levantamento por representar um golpe de Estado sob aparência de legalidade.
Após renúncias de várias autoridades, assumiu o governo a senadora de oposição Jeanine Añez, dois dias depois. A sessão que aprovou seu nome não tinha quórum e a indicação foi acusada de fortes irregularidades.
O golpe ocorreu após controvérsias na contagem de votos das eleições presidenciais de 20 de outubro. Uma mudança de critério na totalização dos resultados gerou contestações, após Morales se declarar vencedor para seu quarto mandato presidencial. A Organização dos Estados Americanos (OEA), sob forte influência dos EUA, colocou o pleito sob suspeição.
A partir daí, partidos da oposição de direita passaram a exigir auditoria no processo e desataram ampla campanha midiática contra o governo. Em seguida, violentos protestos de rua tiveram lugar nas cidades de La Paz, Sucre, Oruro e Cochabamba. As manifestações levaram à renúncia do presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ao fechamento de fronteiras do país. Residências de outras autoridades e da irmã do presidente foram incendiadas e a polícia se amotinou em várias regiões, seguidas por comandantes militares que se rebelaram. Encurralado, o presidente anunciou sua renúncia, partindo para um exílio, primeiro no México e depois na Argentina.
Evo Morales tomou posse de seu primeiro mandato em 2006. Sua insistência em permanecer no poder se revelou um erro político sério. Impedido constitucionalmente de disputar um quarto mandato, o presidente convocou um referendo em 2016. Na ocasião 51,6% dos eleitores negaram a possibilidade. Sua insistência na iniciativa, mesmo derrotado, abriu espaço para a oposição acusa-lo de autoritarismo
Morales nunca teve controle sobre os militares. Na economia, o setor de maior peso é a agroburguesia de Santa Cruz, que nunca escondeu sua antipatia com uma administração popular. O apoio majoritário sempre veio da base da sociedade.
Após forte pressão popular, novas eleições foram marcadas para 18 de outubro de 2020. O vencedor foi Luís Arce, também do MAS, como Evo Morales. Vários dos golpistas enfrentam a Justiça e alguns, como a ex-senadora Jeanine Añez estão presos.
As evidências de fraude nunca se concretizaram. Em fevereiro do ano seguinte, um estudo de especialistas do MIT mostrou não ter havido nenhuma irregularidade significativa na disputa.
Peru 2018-2022, fragilidade política e institucional
O Peru possui dois casos de impeachment ou renúncia presidencial nos anos recentes. Em 2018, Pedro Pablo Kuczynski (PPK), eleito dois anos antes, renunciou ao cargo para evitar a destituição. Em 2020, seu sucessor, Martín Vizcarra, foi tirado do poder após votação no Congresso. Embora tais eventos sejam recentes, são consequências de dois processos que vêm moldando a cena política peruana nos últimos anos. O antifujimorismo e o Caso Odebrecht são peças chave desse quebra-cabeça de acusações de corrupção.
Alberto Fujimori governou o país entre 1990 e 2000. Em 1992, após denúncias de corrupção feitas pela própria esposa, Susana Higuchi, o Congresso iniciou uma investigação a Fujimori, suspeito de lavagem de aproximadamente 6 milhões de dólares. Para evitar o isolamento, em 5 de abril do mesmo ano, o ex-presidente deu um autogolpe, fechando o Legislativo e o Judiciário. Em seu governo, foram implantadas fortes medidas neoliberais, com aprofundamento da pobreza e da desigualdade social.
Em 2001, o ex-presidente ainda tentou se eleger à presidência uma última vez, mas foi vencido por seu concorrente, Alejandro Toledo (2001-2006), que levantava a bandeira da democracia e dos direitos humanos. Fujimori seria condenado em 2009, depois de ser julgado por crimes de violação dos direitos humanos (massacre de 15 pessoas e o sequestro de 9 universitários e 1 professor). Os sucessores de Toledo foram: Alan García (2006-2011), Ollanta Humala (2011-2016) e, finalmente, Kuczynski (2016-2018). Todos envolvidos em denúncias de corrupção da empresa brasileira Odebrecht, responsável por várias obras públicas no país.
O primeiro ex-presidente intimado a depor sobre o caso foi Alejandro Toledo. Representantes da empreiteira Camargo Corrêa, também envolvida em possível esquema de pagamento de propinas para a concessão de obras em 10 países da região, confessaram ter pago US$ 6 milhões ao presidente. O segundo caso de corrupção aconteceu em 2008, durante o governo de Alan García, quando a Odebrecht influenciou por meio do pagamento de US$1,4 milhão na licitação de uma obra de transporte público. Ollanta Humala teria se envolvido com o esquema durante sua campanha presidencial, quando recebeu US$3 milhões em caixa dois.
Pedro Pablo Kuczynski, que até então colaborava com as investigações do Ministério Público, foi mencionado pela Odebrecht em dezembro de 2017. A empresa brasileira confessou o pagamento de US$4,8 milhões a empresas do presidente entre 2004 e 2012. Diante da grande revolta popular e prevendo que seria destituído do poder, PPK renunciou em 21 de março de 2018.
Martín Vizcarra assumiu a presidência em 23 de março de 2018. Inicialmente, propôs um pacto com o Congresso contra a corrupção e chegou até a nomear novos membros ao gabinete. Todavia, a investigação denominada Clube da Construção apontou o então presidente como mais um membro do governo a receber propina em troca de concessão de obras. O ex-presidente foi destituído do poder em novembro de 2020, tornando- se o segundo presidente do Peru a não cumprir os 5 anos de mandato.
Impeachment é ou não golpe?
Embora os processos de impeachment sejam diferentes entre si na América Latina, a partir da destituição de Manuel Zelaya, em Honduras (2009), a direita descobriu ser mais eficiente a utilização de meios constitucionais para interromper mandatos de governos eleitos, do que recorrer a tanques e baionetas para fazer valer a sua vontade. É o caso também dos processos de impeachment de Fernando Lugo (2012) e de Dilma Rousseff. A utilização de mecanismo previsto em lei para a retirada de presidentes envolve menos riscos e acusações do que golpes militares, com suas rupturas institucionais explícitas.
No entanto, se tais iniciativas podem ser classificadas como golpistas, como ficam os processos de cassação de Fernando Collor (2002), Carlos Andrés Pérez (1993), Abdalá Bucaram (1997), Jamil Mahuad (2000), Lucio Gutierrez (2005), Pedro Pablo Kuczynski (2018) e Martín Vizcarra (2020)? Seriam também golpes de Estado?
Instrumento oriundo do parlamentarismo, o impeachment está constitucionalizado na maioria dos regimes presidencialistas. O que define a fronteira entre destituição legítima e tapetão institucional? Determinado tipo de acusação, como crimes de responsabilidade?
Num regime parlamentarista, o voto de desconfiança ao chefe de governo prescinde de provas. Trata-se de escolha eminentemente política e sua pauta do é decidida por um coletivo político. É o caso de se pedirem evidências de delitos, como num tribunal de júri?
São questões em aberto, para as quais o regime presidencialista não apresenta respostas claras. A Venezuela e o estado da Califórnia colocam sobre a mesa outro recurso para fazer frente a possíveis falhas de governantes. Trata-se da realização de um referendo revogatório, a ser votado pelo eleitorado que escolheu este ou aquele representante seu. Tudo indica ser esse um dispositivo mais democrático e menos controverso do que a instituição do impeachment.
Referências
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