18 de abril de 2022
Por Bruna Belasques, Leonardo Poletto Di Giovanni, Mariana Pessoa, Natália Martinho de Souza Nascimento, Pedro Vahamonde Rangel (Foto: Unsplash)
Os aumentos dos preços internacionais de petróleo desde meados de 2021 associados à política da Petrobras de Paridade de Preços de Importação já afetavam a população brasileira. Com a guerra na Ucrânia e um cenário de incertezas, o aumento nos preços dos combustíveis disparou, como mostra retrospectiva dos fenômenos internos e externos que resultaram nessa situação. Como então mitigar esta elevação de preços e apontar outro caminho para uma Petrobras ao serviço dos brasileiros? Mais do que técnico, o debate é político.
Em 2020, a Agência Internacional de Energia (IEA) estima que houve uma redução de 8,6 milhões de barris por dia na demanda mundial. O acordo entre os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) para limitar a produção do insumo não havia sido renovado para o início de 2020, o que gerou desvalorização nos preços dos barris, que caíram de US$ 67, no início de janeiro, para US$ 19, em março de 2020. A partir daí, foram estabelecidos acordos para reduzir a produção, a fim de evitar uma maior desvalorização de preços, resultando na melhora desses em maio.
No Brasil, dados fornecidos pelo Ministério de Minas e Energia mostram que em 2020 houve uma queda de 5,97% na comercialização de combustíveis no país. O contexto internacional ocasionou uma queda momentânea de 13% no preço da gasolina no início da pandemia. Contudo, as medidas adotadas pelos países produtores e a retomada econômica mundial em 2021 elevaram rapidamente os preços médios dos barris.
Com a política de Paridade de Preços de Importação (PPI), os preços nacionais ficam atrelados aos internacionais e, portanto, sofrem influência da cotação do dólar frente ao real, além dos preços internacionais do barril de petróleo. Assim, ao longo de 2021, o valor do combustível no Brasil subiu de forma consistente, o custo de vida da população.
Neste ano, a guerra na Ucrânia acabou por encarecer ainda mais os preços da gasolina, do gás de cozinha e do óleo diesel no Brasil. As sanções empregadas pela União Europeia e os Estados Unidos contra a compra de petróleo e gás produzidos na Rússia, que é o segundo maior produtor de petróleo mundial, reduziram a quantidade desses produtos disponíveis no mercado e elevaram o preço médio do barril.
O petróleo russo corresponde a apenas 0,6% das importações do insumo no Brasil, produzimos cerca de 3 milhões de barris diariamente e consumimos apenas 2,5 milhões, e somos considerados autossuficientes na produção de petróleo. Apesar disso, dados do anuário estatístico do governo federal revelam que, em 2021, 6,5% dos derivados que consumimos foram importados. Isso ocorre porque a produção de nossas refinarias é de 2,4 milhões de barris por dia, ou seja, incapaz de suprir o mercado interno, de modo que é necessária a importação de combustíveis – enquanto o país exporta petróleo bruto.
A combinação destes dois fatores, a retomada das atividades econômicas ao redor do mundo, a guerra na Ucrânia e as consequentes sanções econômicas pressionam os preços de combustíveis e outros derivados em países que dependem da importação destes produtos. Mas o impacto no Brasil não precisa ser o mesmo, uma vez que temos grandes reservas de petróleo, de baixo custo de extração, com uma empresa de controle estatal com capacidade de explorar esse petróleo e com grandes refinarias que produzem combustíveis usando nosso próprio petróleo. Para compreender como chegamos a essa situação precisamos olhar a história recente da Petrobras.
Privatizando por partes
O histórico de privatizações, vindas principalmente do pacote da década de 1990, contribuiu para que a Petrobras se adequasse às condições do mercado internacional, configurando-se, em 1997, como uma empresa de capital misto, com o governo brasileiro como o maior detentor das ações ordinárias (com direito a voto). Portanto, é o governo federal quem nomeia a presidência, a maior parte dos conselheiros e determina as políticas da empresa. Entretanto, a Petrobras fica um passo atrás de atingir suas metas no que tange à sociedade brasileira e seu desenvolvimento, e refém de investidores mais interessados em dividendos.
A configuração do capital aberto da Petrobras, desenhada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), está distribuída entre ações na bolsa de valores brasileira (B3) e na de Nova Iorque (NYSE), sendo os estrangeiros os representantes de 43,1% do capital social. Dentre todos os acionistas, os que mais ganham na repartição de dividendos são, portanto, investidores internacionais, apesar do governo brasileiro possuir o poder decisório dentro da empresa. Este modelo demonstra uma preocupação de curto prazo para a obtenção de lucro a fim de atender os interesses privados, incompatível com o papel da Petrobras como estatal, de desenvolver o país e impactar positivamente a economia e a sociedade. Assim, quando o governo brasileiro precisa prestar contas aos acionistas, principalmente os estrangeiros, fica evidente sua posição de refém dos interesses privados, o que impacta no abastecimento e soberania energética do país e limita sua atuação estratégica como motor de desenvolvimento socioeconômico.
Desde o golpe de 2016, o cenário da Petrobras tem passado por constantes mudanças. De modo geral, essas mudanças deixam de considerar as consequências para a população brasileira – que vão desde o preço do combustível na bomba para o consumidor e dos derivados de petróleo aos efeitos nos preços abusivos dos alimentos, por exemplo, já que o transporte de mercadorias no Brasil é majoritariamente rodoviário.
Fatores internos que elevam os preços
As privatizações e a “nova” política de preços ocorridas ao longo dos últimos anos na Petrobras colocam em xeque a soberania nacional, ao dificultar ações de interesse público. Uma consequência disso é nos tornar reféns dos preços internacionais que são determinados não só por questões de demanda e oferta, mas por especulação e formação de preços de monopólio. A Lei 4567/16, sancionada ainda no governo de Michel Temer, que pôs fim à exclusividade na exploração do pré-sal, é um bom exemplo disso. A petroleira já atuava nas áreas do pré-sal sob regime de concessão, contudo, foi permitido que outras empresas também passassem a explorar as regiões com a alegação do então presidente dos impactos positivos na geração de empregos para o país.
Entretanto, os resultados foram as privatizações feitas na refinaria (RLAM) e na BR Distribuidora, maior distribuidora de combustíveis do Brasil, com 8 mil postos em todo território nacional. De acordo com o economista e pesquisador do INEEP Henrique Jäger, as consequências dessa política de privatização da BR criam possibilidades da empresa adentrar em outros segmentos de óleo e gás, além de se tornar uma concorrente da Petrobras, com a vantagem de deter o controle de 27% do mercado de diesel e 25% de gasolina. No que tange ao resultado das refinarias, a recém privatizada refinaria Mataripe na Bahia (antiga RLAM) vende o litro por R$0,38 a mais que nas refinarias que ainda pertencem à Petrobras, uma diferença de 10%, os maiores preços do país.
Paralelamente a esses fatores, a PPI repassa automaticamente a variação dos preços internacionais do petróleo para a população brasileira. Essa condição, atrelada ao menor custo de produção de petróleo – devido à queda dos custos de extração pela elevada produtividade de poços do pré-sal – e à redução dos tributos pagos pela empresa em relação à capacidade de gerar riqueza, levaram ao lucro de 106,6 bilhões em 2021. Um aumento de 1400% em relação ao ano anterior.
Essas políticas de privatizações e da PPI oneram a população com o aumento recorrente no preço dos combustíveis e de mercados relevantes para a economia brasileira. No entanto, beneficia principalmente os acionistas privados, que detêm mais de dois terços do capital social total da empresa, e, portanto, da distribuição de dividendos. Mais da metade destes acionistas privados são estrangeiros. Apesar da Petrobrás ainda deter o maior poder de voto, os bônus dessas políticas não são a garantia dos interesses nacionais.
Propostas para combater o aumento dos preços dos combustíveis
Considerando que o aumento de preços da gasolina e do diesel não incide apenas sobre quem possui veículos, mas se dissemina sobre toda a economia, devido à predominância do modelo rodoviário no transporte de produtos no Brasil, parlamentares apresentaram algumas propostas com objetivo de amenizar os impactos na vida dos brasileiros no curto e no médio prazo.
O PL 1472/2021, de autoria do Senador de oposição Rogério Carvalho (PT-SE), versa sobre a criação do Fundo de Estabilização dos preços de combustíveis e a instituição do imposto de exportação progressivo sobre o petróleo bruto. O objetivo é que este imposto de exportação, os dividendos da Petrobras pagos para a União, participações governamentais destinadas à União e o resultado positivo da gestão das reservas cambiais sejam utilizados neste Fundo de Estabilização. Com a utilização dos recursos provenientes do Fundo, o governo poderia adotar um sistema de bandas que reduziria a volatilidade do produto e seu impacto inflacionário no restante da cadeia produtiva. Este projeto já foi apreciado no Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados.
O Deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB) foi autor do PLP 11/2020, já sancionado como LC 192/2022, que tem como objetivo a cobrança de ICMS em apenas uma fase da cadeia produtiva. Neste caso, o imposto será pago pelo produtor ou importador de combustível. Além disso, a lei sugere que o valor de ICMS incidente sobre o produto em questão tenha valor fixo pré-determinado, a ser empregado em todos os estados da federação, por litro de combustível. Portanto, a atual política em que cada estado define um percentual de ICMS sobre o preço dos combustíveis deixará de existir até o final de 2022. Por fim, a lei também.
Já a proposta do governo federal em curso é a possibilidade de baixar uma Medida Provisória, que aumentaria o subsídio da gasolina. O desenho desta MP ainda não está claro: ora fala-se sobre a abertura de créditos suplementares, os quais seriam deixados fora do teto de gastos; ora, discute-se a possibilidade de a gasolina ser subsidiada por dividendos e royalties da Petrobras. De todo modo, esta seria uma solução curto-prazista, que concede isenção do PIS/Pasep e da Cofins em 2022.
Destacamos que embora a criação de um Fundo de Estabilização para os preços de combustíveis seja algo relativamente novo no Brasil, possui respaldo em experiências internacionais, como, por exemplo, na Noruega e Chile. Nos dois países, a alíquota de imposto incidente sobre o barril de petróleo varia de acordo com a média da cotação do barril: se há apreciação no valor do petróleo no cenário internacional, uma porcentagem maior de impostos é cobrada. Com isso, os países podem utilizar estes recursos para abaixar o preço final dos combustíveis. Debate semelhante ocorre também no Reino Unido, onde uma proposta do partido Labour sugere aumento de 10% nos impostos de produtoras de gás e petróleo. O objetivo é aumentar a arrecadação do Estado, de modo que seja possível auxiliar financeiramente as famílias vulneráveis que enfrentam a inflação de produtos derivados de petróleo no Reino Unido.
Petrobras para quem?
Dois modelos para a Petrobras. O primeiro, caminho pelo qual a empresa tem sido submetida nos últimos anos pelos governos Temer e Bolsonaro, significa uma empresa cada vez mais reduzida à extração e exportação de petróleo cru, sem qualquer tipo de ligação com o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, e que opera em função dos acionistas privados, sobretudo estrangeiros, com visão de curto prazo. Além disso, a Petrobras continua a atuar de forma deliberada para criar espaço para as importadoras privadas de combustíveis, garantindo preços altos o suficiente para a viabilização da atuação destas empresas com a PPI. Vale ressaltar que a Petrobras tem atuado de forma contrária inclusive a seus pares privados estrangeiros, com a redução e corte de projetos de transição energética e biocombustíveis.
Outro caminho é uma outra Petrobras, que esteja integrada a um projeto de desenvolvimento socioeconômico e que combine eficiência e lucratividade e ao mesmo tempo opere com base nos custos de produção nacional – o que é possível.
Os duplos superlucros da Petrobras – duplos porque, além dos superlucros de todas as petrolíferas com os aumentos conjunturais dos preços decorrentes da guerra, a Petrobras possui custos de extração de petróleo e produção de derivados mais baixos do que a média internacional dada a produtividade dos campos do Pré-Sal – poderiam ser utilizados para expandir a capacidade nacional de refino. A produção de petróleo brasileira vai continuar aumentando nos próximos anos com os leilões de exploração e os investimentos em novos poços já realizados; e se a economia voltar a crescer, ou quando voltar, o consumo de derivados e principalmente combustíveis também crescerá. Para aumentar a utilidade social das riquezas do pré-sal, é necessário investir na expansão da capacidade de refino e retomar o controle sobre a distribuição.
Texto publicado originalmente em 18 de abril de 2022 na coluna do OPEB no Brasil de Fato.