Porque as metas ambientais chinesas ainda não incluem preservação no Brasil

26 de Julho de 2022 

Por Brenda Neris Gajus, Emanuela Almeida da Silva, Fabíola Lara de Oliveira, Lais Pina, Vitor Gabriel da Silva, Vitor Hugo dos Santos (Foto: Isac Nóbrega/PR

 

Apesar de adotar metas verdes ambiciosas internamente, a China ainda não usa os mesmos parâmetros para suas relações comerciais com outros países 

 

Em virtude do crescimento acelerado, a China alcançou o título de maior poluidor do planeta, em 2006, ultrapassando os Estados Unidos. Nos últimos anos, o país tenta melhorar o tratamento da pauta ambiental, mas se, por um lado, destaca-se o esforço interno, com metas ambiciosas, por outro, as relações externas chinesas ainda demonstram pouca sensibilidade à pauta ambiental. O país ainda é conivente com práticas de destruição do meio ambiente em outros países, e a China luta para equilibrar a importância que tem atribuído nos seus discursos ao meio ambiente e clima e sua tradicional diplomacia, que busca não interferir em assuntos domésticos de outros países, inclusive do Brasil.

Com o título de maior poluidor do planeta, e levando em consideração a crescente importância do meio ambiente nas relações internacionais – até como elemento usado pelos países ricos para tentar barrar o desenvolvimento de países pobres, sob alegação da destruição ambiental – nos últimos anos, a China operou mudanças na sua atuação. O país continuou a defender a bandeira das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que atribui as maiores responsabilidades pela situação atual de degradação ambiental aos países desenvolvidos. Mas, mesmo diante dessa posição, e considerando-se a si própria um país em desenvolvimento, a China tem se colocado metas ambiciosas.

O 14º Plano Quinquenal Chinês 2021-2025 , responsável por traçar estratégias e políticas de desenvolvimento, passou a aderir metas diretamente ligadas à pauta ambiental. O plano estabeleceu objetivos como: expansão de 24.1% da cobertura florestal na China;  diminuição da emissão de CO2 por unidade do PIB em 18%; aumento da presença de combustíveis não fósseis em sua matriz energética em cerca de 20% e alcançar a neutralidade de carbono até 2060.

Ainda que muitas sejam as frentes dos problemas ambientais a serem enfrentados, é na geração de energia elétrica que reside a maior emissão de gases do efeito estufa (GEE) do país, com mais de 80% do setor sendo abastecido por combustíveis fósseis. No entanto, o gigante asiático vem reduzindo o consumo de carvão, e a participação do mineral em sua matriz energética caiu de 70,3% em 2003 para 57,7%, em 2019. Além disso, o país tornou-se o segundo maior centro de produção de energia de fontes renováveis do mundo, atrás apenas da Europa.

Como a pauta ambiental chinesa impactou nas suas relações externas?

Tendo em vista as metas assumidas pela China, por que sua pauta ambiental também não se impõe nas relações com outros países? A China é a maior investidora e consumidora dos produtos primários do Brasil, sua influência sobre nosso país é relevante por deter o papel de centro de demandas de exportação. Pode-se afirmar que o posicionamento da China em relação à preservação ao meio ambiente é ambíguo, pois além de consumir justamente as commodities com maior impacto ambiental (a soja, por exemplo), também é altamente ativa nos investimentos diretos e indiretos em projetos que causam impactos ambientais negativos, como construção de hidrelétricas em áreas de floresta e com presença de povos originários.

A China começou a atuar nessa área em 2001, com aplicações na Vale, e, desde então, outras parcerias surgiram no setor de energia hidrelétrica, tornando-a o país que mais concentra ativos hidrelétricos na Amazônia. Apesar da questão energética, a pauta mais alarmante na região norte diz respeito às commodities, principalmente a soja, que avança desenfreadamente pelo território de floresta e áreas indígenas, e a pecuária, responsável por 80% do desmatamento e cujo um dos maiores destinos é justamente o país asiático.

Apesar disso se manifestar mais marcadamente na produção de carne e soja, é importante ressaltar que a problemática ambiental não se restringe à agropecuária. O minério de ferro, outra commodity importante na exportação brasileira para China, destino de 64% da produção em 2021, é responsável por impactos ambientais e sociais significativos, que envolvem desde a contaminação de solo, água e ar – o que compromete a biodiversidade e a qualidade de vida de comunidades tradicionais – até desastres em larga escala, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

A China também tem assumido um importante papel como fornecedora de insumos de agrotóxicos para produtores brasileiros. O país é responsável por 20% dos agrotóxicos importados pelo Brasil, além disso, empresas locais que foram beneficiadas com a liberação de novos agrotóxicos em território nacional, também contam com braços importantes na China.

Ainda, é necessário levar em consideração não apenas o que é exportado para o país, mas também os produtos importados. Com a reprimarização da economia brasileira, o país passa a comprar cada vez mais bens industrializados intensivos em tecnologia cujo consumo e descarte geram poluição, especialmente produtos eletrônicos, que carecem de legislações específicas envolvendo sua destinação e tratamento. Isso se torna particularmente preocupante, tendo em vista que o Brasil ocupa a segunda posição como produtor de lixo eletrônico na América: 4 milhões de toneladas em 2019.

Contudo, o país asiático demonstra crescente preocupação pela origem dos seus produtos, exigindo cada vez mais normas e fiscalizações que garantam a origem legal dos seus produtos, como o anúncio da maior trader de soja da China, a COFCO, em 2020, se comprometendo a ter uma cadeia de fornecimento inteiramente transparente até 2023.  A China também passará a exigir novos termos mais rígidos em relação à origem da soja, como por exemplo, o apoio à “Moratória da Soja” de 2006, que surge como um compromisso das traders para acabar com o fornecimento da soja ligada ao desmatamento ilegal. Além disso, observa-se também o aumento de iniciativas tecnológicas inovadoras para ações menos impactantes, por parte de empresas estatais e privadas. Seria de interesse de ambos os países priorizar uma “diplomacia verde” para solucionar gargalos estruturais, relacionados à produtividade e logística, afirmou recentemente o ex-embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming. 

Posição do governo Bolsonaro

No governo Bolsonaro, entretanto, o espaço para isso foi pequeno. O ex-ministro Ricardo Salles deixou um legado de terríveis índices de desmatamento, desentendimento com Alemanha e Noruega – financiadores do Fundo Amazônia – comunidades indígenas e organizações ambientais, e quase 21 mil quilômetros quadrados de desmatamento de matas sob sua gestão. Já o atual ministro,, Joaquim Leite, por mais que tenha perfil mais discreto, adota a mesma agenda que seu antecessor.

Assim, a China tem aproveitado as oportunidades geradas pelas políticas do governo, como ocorreu com os agrotóxicos liberados em peso na gestão Bolsonaro, e as vendas de soja e minério de ferro – mesmo que de áreas problemáticas, ocorridas na legalidade proporcionada pelas ações do governo federal. Mesmo que tais ações infrinjam, de um lado, o discurso chinês de defesa ambiental, de outro, é sabido que a China tradicionalmente busca não interferir na política doméstica de outros países. O discurso em defesa do Meio Ambiente tem sido operacionalizado por vários países centrais como uma forma de novo protecionismo comercial e de tentativa de interferir no âmbito interno das políticas de países em desenvolvimento, práticas as quais a China abomina nos seus discursos. Outro fator a se considerar é que esses mesmos países centrais que criticam países em desenvolvimento por motivos ambientais, muitas vezes exploram recursos naturais nos países pobres, infringindo preocupações sociais e ambientais, o que torna seus discursos vazios.

Nos governos anteriores ao de Bolsonaro, como o de Lula, por exemplo, podemos observar que o Brasil consolidou uma posição de potência emergente e articulada em pautas em defesa do meio ambiente nos órgãos multilaterais, que tornou-se uma das principais agendas da política externa durante o período. Como resultado, houve maior fiscalização e avanço nas políticas internas de defesa do meio ambiente, mesmo com pressões da bancada do agronegócio no Congresso. O governo de Dilma Rousseff, marcado pela instabilidade política e problemas de governabilidade, buscou dar sequência às ações do governo predecessor e sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20, em 2012.

O breve governo Temer, apesar da assinatura do compromisso do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, em 2016, foi permissivo em relação à degradação ambiental, momento em que se aprofundou a desflorestação da Amazônia. A base de apoio de Temer foi fortemente focada em setores do agronegócio e de mineração, contribuindo internamente para uma precarização das fiscalizações e estruturas de proteção do meio ambiente, em um processo que foi aprofundado durante o governo Bolsonaro.

Ou seja, chama a atenção a ironia: apesar de ter para si metas ambiciosas na pauta ambiental, ao não usá-la para pressionar outros países nas suas relações externas, a posição chinesa acabou por contribuir para ajudar a legitimar o negacionismo e destruição promovidas pelo governo Bolsonaro.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *