20 de setembro de 2022
Por Tatiana Berringer, Guilherme Rodrigues Masson e Gabriel Soprijo (Foto: Domínio Público)
Enquanto Lula defende a ocupação de organismos multilaterais, sem submissão às grandes potências. Bolsonaro mantém agenda de política externa vinculada ao neoliberalismo e subordinação aos EUA
Avaliamos o posicionamento dos dois principais candidatos para o cargo de Presidente da República nas eleições de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL), no que tange à relação do Brasil com os EUA, por meio de seus programas, mas também das práticas do atual do governo e do candidato do PT durante a campanha eleitoral.
O plano de governo do ex-presidente Lula (PT) frisa a necessidade do Brasil ocupar mais lugares em organismos multilaterais e não se submeter às grandes potências. Prevalece a ideia do fortalecimento da soberania nacional, da autodeterminação do povos, da recuperação das “nossas credenciais internacionais”, do reforço de uma política de não-intervenção em nações soberanas, da retomada e do desenvolvimento das relações Sul-Sul, principalmente na América Latina e na África, sintetizando uma proposta de retorno à política externa ativa e altiva que caracterizou seu governo. Há também forte presença de pontos como a cooperação, o investimento e a transferência de tecnologias em prol do desenvolvimento de países mais pobres e emergentes.
Em reunião com empresários, no Fórum de Debates na Confederação Nacional do Transporte, em julho, em Brasília, o candidato destacou a relação com os Estados Unidos e a China. O petista afirmou que seu mandato se moldaria à ambiguidade existente entre os EUA e a China. “Vamos tirar proveito da chamada crise internacional. A China está em crise com os Estados Unidos? Os Estados Unidos estão em crise? Vamos nos colocar ao lado dos Estados Unidos para enfrentar a China. Vamos nos colocar à disposição da China para enfrentar os Estados Unidos. Vamos colocar o Brasil como solução para quem está em crise”, disse Lula.
O posicionamento do petista parece buscar uma espécie de equilíbrio e oportunidades no cenário pós-covid e da Guerra na Ucrânia, marcado pela escassez, seja de produtos ou de insumos. O ex-presidente finalizou: “o Brasil tem que tirar proveito do seu potencial. O Brasil tem que tirar proveito do fato de ser um país que não tem contencioso internacional para que a gente produza e escoe essa produção.” Para Lula, este é o momento para apresentar o Brasil como uma opção viável para investimentos estadunidenses, europeus e chineses.
Tudo isso deve ser feito contando com o papel indutor do Estado. “… o Estado foi quem teve que induzir quando houve a quebra do Lehman Brothers [banco de investimentos cuja quebra foi o estopim da crise financeira global de 2008], quem interveio para consertar a situação foi o governo americano, se ele não colocasse trilhões e trilhões de dólares, não teria resolvido a quebra do sistema financeiro. Quando houve a crise da pandemia do Covid, quem é que resolveu o problema? Foi o Estado, porque se o Estado não entra, não tem solução, e o dinheiro que não existia apareceu”.
Lula prosseguiu afirmando questões sobre a infraestrutura nacional e as dificuldades/problemáticas presentes: “Olha, se nós quisermos fazer com que esse país tenha a infraestrutura que ele precisa para dar o salto de qualidade que todos nós sonhamos, nós temos que fazer o dinheiro aparecer. E o dinheiro existe, posso dizer para vocês que o dinheiro existe. O Tesouro tem dinheiro. Acontece que burocrata-tesoureiro, tesoureiro pode ser de clube de futebol, de sindicato ou da associação de catadores de lagartixa, o tesoureiro tem o hábito de sentar em cima do dinheiro e dizer que nunca há dinheiro para nada. Ele adora dizer que tem dinheiro em caixa. Pra mim, dinheiro em caixa é bom transformado em obra, rodovia, ferrovia, portos e aeroportos, enfim, transformado em empregos. Isso é que é um caixa bom, e é isso que eu vou fazer nesse país. Esperem que vocês vão ter boas e grandes surpresas com o que vai acontecer nos próximos quatro anos no Brasil.” As afirmações indicam qual seria o seu direcionamento para uma mudança de rota, de papel e de atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e das relações internacionais em seu terceiro mandato.
Já o candidato à reeleição, Jair Messias Bolsonaro (PL), tem, desde a sua posse, conduzido uma política externa pautada em uma estreita relação entre Brasil e EUA. Nos dois primeiros anos do mandato, quando Donald Trump estava na presidência dos EUA, a subordinação Brasil-EUA foi bastante explícita. Ernesto Araújo, ex-chanceler brasileiro, chegou a definir o então mandatário estadunidense como o único capaz de salvar o mundo do “globalismo”, nome dado ao multilateralismo. Entretanto, após a eleição de Joe Biden, em 2020, a relação entre os dois Estados mudou, o tom mais pragmático do novo presidente dos EUA levou a um relativo afastamento da relação com o mandatário brasileiro e, em especial, travaram um conflito em relação à questão ambiental. Mesmo assim, em 2021 o comércio bilateral entre as nações cresceu consideravelmente: 43%.
Uma das principais características do governo Bolsonaro foi dar início a uma série de reformas neoliberais no país, como a privatização de diversos setores, a reforma da previdência e a administrativa. Essa orientação contradiz o discurso com vocação universalista e ambientalista do plano de governo, que visa omitir a trajetória desses últimos anos. O programa de Bolsonaro aponta como meta a entrada do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na Área de Livre Comércio Europeia (EFTA). Destaca também relações com países capitalistas, que “respeitam os valores caros aos brasileiros e se encaixam no ambiente democrático”, citação que pode ser interpretada como insinuação e crítica sobre a China. Ou seja, mantém a orientação e prática atual de uma agenda de política externa vinculada a um programa neoliberal e de subordinação aos EUA.