18 de outubro de 2022
Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Dante Apolinario, Isabela Temístocles e Leonardo Polleto* (Foto: iStoke – licença padrão)
Como as práticas e contradições de três empresas brasileiras – Vale, Petrobrás e Natura – atuam (ou não) para ampliar práticas socioambientais e as alternativas que podem contribuir para este caminho em âmbito internacional
Levou apenas 200 anos desde a Primeira Revolução Industrial para a faceta ambiental passar a ser contemplada, ainda que de forma incompleta, nos processos produtivos e em estratégias corporativas e industriais. Mas enquanto sistemas de gestão ambiental, regulações civis (como as certificações ISO e a adesão aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e a noção da responsabilidade social corporativa têm presença forte no vocabulário de grandes empresas, consultorias e gestores públicos, faz-se necessário refletir sobre o real alcance dessas ações privadas para a sociedade.
A conferência da ONU para o meio ambiente, a Rio-92, foi um marco histórico desse envolvimento do empresariado com as questões ambientais. De modo que as últimas décadas foram marcadas por diferentes agendas, comitês e conferências para a consolidação e parametrização do conceito de desenvolvimento sustentável e dos regimes ambientais.
Hoje este processo é compilado, no universo corporativo, pelo conceito de Environment, Social and Corporate Governance (ESG), entendido como os critérios ambientais, sociais e de governança de uma empresa, como forma de gerar valor tanto para seus investidores quanto para seus stakeholders (que abarcam a sociedade civil e outros setores impactados pelas decisões corporativas de uma organização).
O termo ESG foi cunhado em uma publicação do ano de 2004 do Pacto Global, iniciativa da ONU para encorajar o mercado privado na adoção de responsabilidade social corporativa, e suas diretrizes têm ganhado força em anos recentes, como um reflexo da disseminação da noção de multidimensionalidade relacionada à sustentabilidade. No entanto, práticas associadas ao greenwashing, isto é, a apropriação de um discurso ambiental que não reflete a realidade da empresa, ainda são muito comuns ao universo corporativo – evidenciando como os interesses financeiros de curto prazo frequentemente tomam precedência às responsabilidades socioambientais de uma empresa.
No Brasil, o principal ranking de ESG é representado pelo ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), conduzido pela Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, e realizado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da FGV-EAESP. O indicador foi criado em 2005 e, no início, era financiado pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla inglesa), a divisão focada no financiamento do setor privado do Banco Mundial. A confecção do ISE tomou como referência outros três indicadores, a saber, Dow Jones Sustainability World Index (DJSI), MSCI Developed Markets Indexes e FTSE4Good Index, todos estadunidenses. Além de um indicador de ESG, ele também opera como carteira de ativos agrupados pela B3.
Para classificar as empresas, o ISE avalia as condições econômico-financeiras, gerais, ambientais, sociais, de governança corporativa, de ações contra as mudanças climáticas e de natureza do produto. A avaliação é feita a partir de um questionário, que mobiliza desde perguntas sobre questões de ética dos membros da empresa, descarte de resíduos, políticas internas de inovação, ações contra o aquecimento global, entre outros temas específicos. A empresa sob avaliação recebe uma nota de 0 a 100 e tem sua posição hierarquizada no índice a partir desse valor.
Os critérios de avaliação incluem questões de emissão de carbono, vulnerabilidade à mudança climática, uso de terra, desperdício de água, poluição, desperdício de energia, tecnologias verdes, treinamento dos funcionários, segurança do produto e da produção, ética de governança, transparência das contas e outras temáticas a respeito de meio ambiente e governança social.
Analisamos aqui três empresas brasileiras que incluem práticas de ESG e suas contradições, além de apresentar algumas alternativas para ampliar, de fato, práticas que estimulem ações socioambientais.
Entre avanços e contradições na indústria brasileira
Em propagandas, a Vale aparece muito focada na sustentabilidade, proteção ambiental e nas ações de impacto social, com construção com as comunidades locais – ou seja, totalmente alinhada com a ideia do ESG. No entanto, a empresa apresenta também contradições, tanto por buscar diminuir os custos de indenizações contra os atingidos pelos seus mais recentes danos ambientais, quanto às consequências sociais e ambientais fortes até hoje, por exemplo no caso de Mariana-MG, sete anos após o ocorrido.
Ainda em 2018, um ano antes do rompimento da barragem em Brumadinho-MG, o CFO da Vale afirmou que a empresa estava focada em melhorar a eficiência e cortar custos. Um ano depois, aconteceria o maior desastre de impacto social brasileiro, com 270 vítimas, além do impacto na vida de dezenas de milhares de pessoas que viviam na região e perderam seu sustento dada a contaminação. Até hoje, o Igam recomenda o não uso da água do Paraopeba até 250 km de distância da barragem rompida.
A Petrobras é outra empresa brasileira muito elogiada no noticiário econômico no que tange a ESG, sobretudo no sentido da Governança da empresa. São constantes as afirmações de que os rumos tomados nos últimos anos (desde o governo Temer) têm tornado a empresa com menos interferências de governo, partindo do pressuposto de que uma empresa que atua de forma privada atende melhor aos interesses dos seus sócios do que uma estatal. As poucas críticas são às tentativas do governo de segurar a alta dos preços dos combustíveis no cenário eleitoral.
A redução de emissões e transição energética, no entanto, pouco são mencionadas em análises que pautam o processo da privatização da PBio (Petrobras Biocombustíveis), venda de refinarias, usinas eólicas, privatização da Transpetro e BR Distribuidora. Estas áreas são fundamentais para o ESG de uma empresa do setor energético. Afinal, são elas que colaboram para a transição de longo prazo, em que o uso de petróleo deve ser reduzido ao mesmo tempo que estimula-se fontes de energias mais limpas, como a eólica e o hidrogênio verde. Portanto, chamam a atenção os baixos investimentos na área de energias renováveis da maior empresa de controle público do Brasil, e o fato de não terem aparecido como preocupação de seus acionistas.
Ainda com relação à Petrobras, é preciso apontar uma contradição de cunho social. Ignoram-se os superlucros (e super dividendos) da Petrobras que foram distribuídos nos últimos trimestres. Ao mesmo tempo em que grandes acionistas, em sua maioria estrangeiros (dois terços), viram sua renda crescer, a parcela mais vulnerável da população brasileira viu seu consumo básico diminuir, entre outras questões, devido à pressão inflacionária causada pelo preço dos combustíveis. E isto ocorreu mesmo com a União como acionista controlador e com cerca de um terço do capital social da empresa. Ou seja, de alguma forma os 210 milhões de brasileiros também são sócios da empresa e não chegaram perto dos benefícios oriundos da pujança da empresa, pelo contrário.
Por fim, outra empresa que merece destaque é a Natura, integrante do setor de cosméticos. De acordo com a consultoria Walk The Talk by La Maison, a Natura foi vista como a empresa brasileira mais engajada no que diz respeito às práticas de ESG. Além disso, em 2019, a companhia foi a única brasileira do setor a fazer parte do ranking Global 100, realizado pela companhia canadense de mídia e pesquisa Corporate Knights, que busca listar as empresas mais sustentáveis do mundo.
Apesar de seu histórico engajamento em questões socioambientais desde que realizou a abertura na bolsa de valores em 2004 – a empresa não realiza mais testes em animais e possui uma política de redução da sua produção de gás carbônico –, ela possui algumas contradições do ponto de vista social. Por exemplo, no final de março, o Sindicato dos Químicos Unificados entrou em greve, juntamente com trabalhadores da Natura, reivindicando melhores condições de trabalho. Pressionada, a Natura sentou à mesa para uma negociação.
Novas possibilidades à vista
É inegável que as práticas de ESG são fundamentais diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. As responsabilidades sociais das empresas com o bem-estar social são uma necessidade em um contexto em que a desigualdade socioeconômica é crescente, bem como os desastres ambientais.
Por um lado, a submissão de empresas à rankings de ESG, incitando-as a se enquadrarem nos critérios avaliativos, enseja isomorfismos institucionais. Ou seja, os sistemas de ranqueamentos são capazes de provocar mudanças nas corporações em uma direção comum, na medida em que essas instituições tentam se adequar às demandas de bom posicionamento nos rankings.
Contudo, seria ingênuo pensar que apenas o critério mencionado acima é suficiente para fazer com que as empresas avancem em pautas socioambientais. Esta é mais uma questão que não será resolvida apenas pelo mercado. Em outras palavras, é preciso também que o Estado paute e incentive estas práticas. E como isso pode ser feito? Primeiramente, incentivando, via investimentos públicos, o fomento da transição ecológica – no setor de energia. Investimentos em pesquisa para produção do hidrogênio verde seria um exemplo disso. E de onde poderia vir a verba para tais investimentos? É possível onerar, via impostos, empresas que têm alto potencial poluidor, e, por outro lado, o próprio Estado pode realizar gastos discricionários. Por fim, do ponto de vista institucional, é fundamental que o Judiciário atue para garantir que aqueles que foram lesados em virtude de uma má gestão empresarial (seja esta ambiental, seja esta social – por exemplo, trabalho análogo à escravidão) sejam, de fato, indenizados. Ao mesmo tempo, em que a devida pena seja aplicada à empresa. Pode-se dizer que responsabilidade social implica também em reconhecer os direitos trabalhistas no local de trabalho.
Finalmente, é perceptível que as práticas de ESG não serão bem sucedidas se aplicadas em um só país. Não à toa, ela aparece nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. É preciso que a comunidade internacional realize esforços a fim de garantir a implementação dessas práticas. Mas, mais do que isso, é preciso garantir também que as práticas e os objetivos de ESG sejam adequados à realidade de cada país e seu contexto histórico. Ou seja, há pouca razão em estabelecer as mesmas metas para países latino-americano ou africanos e países europeus. Isto porque, a dinâmica econômica de cada um desses grupos é distinta e a imposição das mesmas exigências poderia condenar a falência de muitas empresas do primeiro grupo de países, e dificultar ainda mais a complexificação de sua matriz produtiva, colaborando para a perpetuação das assimetrias internacionais.
*Agradecemos os comentários e sugestões do professor Giorgio Romano Schutte.