02 de novembro de 2022
Por Gustavo Botão, Renata Alencar e Thais Venâncio (Foto: União Europeia/2018)
Com potencial de atingir as exportações brasileiras, a medida é vista como reflexo do isolamento político internacional e ambiental do governo de Jair Bolsonaro
As polêmicas envolvendo desmatamento crescem de maneira ascendente. Neste ano, a área de floresta desmatada da Amazônia foi a maior dos últimos 15 anos, o que afeta o clima global e a própria biodiversidade do planeta. Assim, sabendo não só da importância regional, mas global para o mundo, o sistema internacional vem trazendo respostas à aparente despreocupação brasileira perante o desmatamento. Desde janeiro, o relator no Parlamento, Christophe Hansen, já havia dado indícios de possíveis ações a respeito e, em setembro, o Parlamento Europeu aprovou a proposta de um projeto que veta a entrada de commodities ligadas ao desmatamento dentro do mercado europeu. Segundo o projeto, a produção não pode ter ocorrido em terras desmatadas a partir de 31 de dezembro de 2019. Incluso no escopo estão a carne bovina, óleo de palma, soja, madeira, cacau e café.
O bloco argumenta que as novas medidas são necessárias para que os europeus não contribuam com o desmatamento em outros locais do mundo. Contudo, uma vez que o agronegócio é o principal pilar econômico no Brasil – responsável por 52,2% de suas exportações – diversos setores no país se declaram bastante insatisfeitos. Segundo o embaixador brasileiro Pedro Miguel da Costa e Silva, a União Europeia pratica o unilateralismo e viola as regras da OMC, por adotar “medidas restritivas ao comércio internacional de natureza extraterritorial e discriminatória, em prejuízo sobretudo dos países em desenvolvimento”. Em julho, o Itamaraty articulou outros 13 países produtores de commodities e apresentou uma carta à Comissão Europeia criticando a medida, assinalando que ela dificulta, ao invés de facilitar, a ação climática nos mercados exportadores.
O posicionamento é reforçado pelo governo brasileiro, que reafirma a proposta como violação às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao criar uma barreira não-tarifária que discriminará os produtos exportados pelo país ao mercado europeu.
Dado que o desmatamento cresceu demasiadamente durante o governo atual, é compreensível a preocupação e resistência dos setores domésticos em relação às condições propostas pela UE. O projeto, para ser implementado, terá que ser aprovado pelos 27 países membros do bloco econômico.
Desmatamento versus discurso
O governo brasileiro durante o mandato de Jair Bolsonaro tem se destacado sobre uma prática de desmonte da política de proteção ambiental, principalmente sob a perspectiva da estruturação do Ministério do Meio Ambiente. Nesse período, foi possível observar um esvaziamento nas capacidades de formulação de políticas, como também a competência de combater o desmatamento, na perspectiva das queimadas. Esse movimento gerou protestos dos europeus, com vários países da União Europeia demandando a não ratificação do Acordo Mercosul-União Europeia, concluído em 2019. No mesmo ano, o governo Bolsonaro entrou em conflito com a Noruega e a Alemanha a respeito do Fundo Amazônia, fazendo com que os dois países europeus congelassem suas doações ao Brasil.
Entre os 6 primeiros meses de governo, já foi possível verificar uma queda nas autuações do Instituto brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), no desmatamento na Amazônia, que representou o número mais baixo em 11 anos, em uma queda de 34% analisando o período de 10 de janeiro de 2019 a 15 de maio de 2019. Analisando as autuações que foram pagas foi registrado uma queda ainda maior, de 74%. Além disso, em dados de setembro deste ano, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, publicou a anulação de 60% das 66 mil multas aplicadas entre 2008 e 2019, no qual estima que essas anulações podem chegar a R$ 16,2 bilhões. Essa redução é vista como positiva e foi comemorada em declaração feita por Bolsonaro, em janeiro deste ano, no Circuito Agro, afirmando a redução de 80% nas multas no campo.
Entre janeiro a dezembro de 2021, segundo levantamento por imagens de satélite Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), foram verificados 10,3 mil quilômetros de vegetação nativa que foram perdidos. Em um comparativo à 2020, houve um aumento de 29% sobre o desmatamento. A situação se agrava ao compararmos com o último levantamento do Calendário do Desmatamento levantado também pela Imazon, entre agosto de 2020 até julho de 2022, que constata que foram derrubados 10.781 km² de floresta, o que representa mais um aumento de 3%. Essa é a maior área devastada nos últimos 15 anos, segundo o Instituto.
Referente ao desmatamento, um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coordenado pela pesquisadora Luciana Gatti em setembro deste ano, demonstra que houve um aumento de 89% nas emissões de gás carbônico em 2019, em comparação a média das emissões entre os anos de 2010 e 2018. O ano de 2020, registrou um aumento de 122%, também analisada em comparação ao mesmo período.
Em exposições mundiais, principalmente nas Assembleias Gerais da ONU, entretanto, Bolsonaro apresenta uma realidade paralela. Bolsonaro abordou em seus discursos, a afirmação sobre a liderança brasileira “na conservação de florestas tropicais”, distorceu dados sobre tema, em uma estratégia de exaltar a Amazônia, a legislação ambiental e a agricultura sustentável, mas sem trazer dados sobre o seu mandato e em uma postura que contradiz o seu discurso internamente.
Como o agronegócio tem se posicionado?
O avanço da resolução no Parlamento Europeu gerou alerta em meio ao agronegócio brasileiro, temeroso de perder mercados na Europa, e se tornou tema de debate eleitoral. A ex-ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff e ex-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu, gravou um vídeo pedindo voto em Lula no segundo turno das eleições de 2022 como uma medida pragmática para evitar danos ao agronegócio brasileiro e criticando o governo Bolsonaro pela má imagem que o Brasil adquiriu no exterior em relação a questões ambientais.
Além da senadora, o ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Marcello Brito, defendendo o agronegócio sustentável e a Amazônia preservada, também gravou um vídeo pedindo votos a Lula. Vale ressaltar que a ABAG participa da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, entidade que vê na defesa de uma economia de baixo carbono e da preservação ambiental uma estratégia de inserção dos produtos agropecuários brasileiros em novos mercados, especialmente o europeu. A Coalizão se manifestou a favor do processo eleitoral e do Estado Democrático de Direito em nota no mês de agosto.
Em contraste com os posicionamentos dos ex-representantes da CNA e da ABAG, a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) classificou a nova legislação ambiental europeia como um “protecionismo comercial disfarçado de preservação ambiental” e criticou o apoio de Simone Tebet e de Kátia Abreu ao ex-presidente Lula, afirmando que as duas senadoras não representam os interesses de todo o agronegócio. A entidade se posicionou firmemente em favor da reeleição de Jair Bolsonaro.