Com Lula: uma nova política externa de Direitos Humanos?

16 de novembro de 2022

Por Ana Júlia Martins Dias Felizardo, Lavínia Matos Costa, Lucas Lourenço Balestra e Gilberto M. A. Rodrigues (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Temas-chave de Direitos Humanos que foram abandonados por Bolsonaro devem ser abordados com a criação de secretarias especiais com status de ministério 

 

Desde o início da campanha presidencial de 2022, houve uma polarização escancarada entre Lula e Bolsonaro e os direitos humanos estiveram no centro dos embates. Na propaganda eleitoral houve notórios abusos por parte do candidato Bolsonaro, que utilizou a verba orçamentária eleitoral para disseminar suas ideologias preconceituosas e violentas. Durante um comício em Recife, o presidente apelou pelo voto da população nordestina, mas suas palavras serviram apenas para agregar discriminação. De acordo com Bolsonaro, os nordestinos deveriam considerar o voto nele porque[1] “[…] a minha princesa, dona Michelle, é filha de um cabra da peste”.

O ápice do ataque aos direitos humanos durante as eleições ocorreu exatamente no dia 30 de outubro, no segundo turno. Ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), com o aval do Diretor da PRF, notório bolsonarista, tentaram impedir que dezenas de ônibus com votantes chegassem ao seu destino, sobretudo na região nordeste, onde Lula tem apoio majoritário. Logo após o resultado que apontou a vitória de Lula, ações concertadas de caminhoneiros apoiadores de Bolsonaro, criaram obstáculos em rodovias, impedindo a circulação de veículos, em afronta ao Estado Democrático de Direito. Nesses eventos, ficou patente a proposital leniência da Direção da PRF, o que foi severamente cobrado pelo TSE, sob a presidência do Ministro Alexandre de Morais. A Polícia Federal abriu uma investigação contra o Diretor da PRF por suas supostas ações ilegais e prevaricação no cargo.

As violações ao processo eleitoral por parte de apoiadores de Bolsonaro cumpriram um roteiro previsto e denunciado há mais de dois meses, pela então Alta Comissária da ONU, Michelle Bachelet, quando expressou preocupação com a desinformação gerada pelo ataque de Bolsonaro às urnas eletrônicas. Era esperada a possibilidade de mimetização dos eventos antidemocráticos das eleições presidenciais dos EUA, em 2020, em que Trump alegou fraude e gerou o clima para a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2020. A porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani, ressaltou que[2] “as autoridades precisam adotar todas as medidas existentes para combater desinformação, para proteger a liberdade de expressão e para garantir que todos os cidadãos – sem qualquer tipo de discriminação – possam exercitar de forma segura seus direitos de livremente escolher seus representantes.”

O massivo e imediato reconhecimento internacional da vitória de Lula ratificou a lisura e eficiência do processo eleitoral brasileiro, afastando qualquer possibilidade de que aventuras golpistas, por parte do atual presidente e de seus seguidores, pudessem contar com apoio externo.

O que esperar da PEB de Direitos Humanos de Lula?

Lula foi um dos presidentes, desde a redemocratização, que mais se preocupou com a temática dos Direitos Humanos (DH). Sua política externa foi marcada pelos três princípios clássicos: o multilateralismo, o pacifismo e o globalismo[3], valores esses que já deixam implícitos a promoção dos DH. O foco nos direitos sociais e o reconhecimento dos regimes internacionais de Direitos Humanos marcam a sua PEB[4]. Um exemplo é a citação do ministro das relações exteriores, Celso Amorim, no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra de 2006[5]: “O Conselho de Direitos Humanos deve ser o local para o encontro de civilizações. Sociedades nacionais inclusivas, capazes de lidar com a diversidade, são aquelas em melhor posição de crescer e de prosperar. O mesmo se aplica à comunidade internacional.”

O histórico dos governos de Lula indica melhora significativa na qualidade de vida da população ao longo dos seus dois mandatos. Programas como o Fome Zero[6] e o Bolsa Família são boas práticas celebradas internacionalmente. Redução da pobreza, vacinação em massa, investimentos na educação e outros programas sociais de governo são exemplos concretos da defesa dos direitos dos cidadãos. Do mesmo modo, observou-se a defesa dos direitos das mulheres, dos LGBTQIA+s, dos negros, das crianças e dos adolescentes, quilombolas e dos povos originários[7].                                                                                                              

No desenho do novo governo, a partir da equipe de transição, vislumbra-se a retomada do fortalecimento de temas chaves de Direitos Humanos que foram abandonados e/ou negados pelo governo de Bolsonaro: a igualdade de gênero, a igualdade racial, a proteção à comunidade LGBTQIA+, a proteção das pessoas com deficiência, a proteção dos povos originários, incluindo quilombolas e indígenas. Espera-se a criação de uma Secretaria Especial com status de ministério para cada uma dessas áreas – com a novidade de uma área específica para os povos originários, independente da FUNAI – o que fortalecerá a política externa de direitos humanos, valorizando e recuperando a imagem do país, a partir da retomada de suas posições progressistas nessas áreas, nos foros multilaterais da ONU e regionais.

Referências:

 

[1] Acesso em <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/10/5044059-no-nordeste-bolsonaro-diz-que-primeira-dama-e-filha-de-cabra-da-peste.html>

[2] Acesso em <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/10/28/onu-pede-que-vontade-do-eleitor-seja-respeitada-e-acao-contra-desinformacao.htm>

[3]Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel. A política externa de Lula da Silva: a autonomia pela diversificação,  2007. Acesso em: <https://www.scielo.br/j/cint/a/sWn5MtCXtMZdzdSm3CtzZmC/>.

[4] Bueno e Cervo. História da Política Exterior do Brasil, 2008. Cepaluni e Vigevani. A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação, 2007.

[5] Fonte: RPEB, nº98/2006, p.186. Acesso em :<https://antigo.funag.gov.br/chdd/images/Resenhas/Novas/Resenha_N98_1Sem_2006.pdf>.

[6] Acesso em: <https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/Fome%20Zero%20Vol1.pdf>. Acesso em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/05/lula-leva-titulo-de-campeao-mundial-na-luta-contra-fome-pela-onu.html>.

[7]Acesso em: <https://institutolula.org/com-lula-e-dilma-direitos-humanos-foram-garantidos>.

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