COP 27, financiamento climático e perspectivas da política externa ambiental brasileira

29 de novembro de 2022

 

Por Alan Anelli, Catarina Bortoletto, Lucas Rocha, Rodolfo Aguiar e Olympio Barbanti Jr. (Foto: Reprodução/Twitter Lula)

 

Com poucos avanços no financiamento climático, o principal resultado na COP 27 foi a criação do fundo de reparação de perdas e danos climáticos e o consenso internacional sobre a importância da Amazônia, apontando nova oportunidade para retomada do protagonismo da diplomacia ambiental brasileira  

 

Após a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27) realizada de 6 a 18 de novembro em Sharm el Sheikh, no Egito, cabe agora avaliar os resultados dos temas centrais pautados e reflexos para a diplomacia ambiental brasileira e internacional. O financiamento climático é um ponto crítico já há muitos anos, possivelmente o principal tópico dessa edição, e é na sua concretização que os povos poderão ver responsabilidades comuns, porém diferenciadas, efetivadas. 

O financiamento climático refere-se ao financiamento local, nacional ou transnacional que procura apoiar ações de mitigação e adaptação das mudanças climáticas, fazendo uso de fontes de financiamento públicas, privadas e alternativas. De acordo com o princípio de “responsabilidades comuns mas diferenciadas e de acordo com as respectivas capacidades” estabelecido na Convenção Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC), as Partes representadas pelos países desenvolvidos devem fornecer recursos financeiros para ajudar países em desenvolvimento a implementar os objetivos da UNFCCC.

O mercado de carbono foi estabelecido em um acordo ambiental assinado durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Kyoto, Japão, em 1997, e sendo aperfeiçoado durante reuniões do clima, especialmente no Acordo de Paris em 2016. Este foi um processo no qual o Brasil teve forte protagonismo.

Ficou na época decidido que cada país estabeleceria metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) a serem cumpridas. Por meio de vendas e compras de “créditos de carbono” (que, na verdade, incluem outros gases, como o metano), o chamado mercado regulado, países que tiverem saldo positivo entre emissões e sequestros, podem negociar essa margem com países que possuam medidas de redução de gases, mas que ainda não atingiram suas metas estabelecidas. Para tanto, um elemento fundamental é a atribuição de valor a uma determinada quantidade de gases de efeito estufa – normalmente mede-se em termos de toneladas. Chama-se a isso de precificação que, segundo relatório do World Resources Institute, de 2020, trata-se de mecanismo de mercado relevante para o financiamento de setores econômicos que compensem as emissões e cheguem ao nível de zero carbono por meio da inovação e geração de receitas.

A organização do mercado de carbono é vista na perspectiva econômica neoclássica como uma forma eficiente de incentivar países que emitem grande volume de GEE a realizarem transformações rápidas para não sofrerem taxações por não cumprirem suas metas. Alternativamente, tais países poderiam comprar créditos de carbono de países que emitem menos gases do que um determinado padrão a eles atribuído. A definição de tal padrão é um dos contenciosos nas negociações climáticas: a “licença para emitir” deve ser calculada com base em critérios econômicos, ou tendo como base a quantidade da população, ou outro critério?

Além disso, instrumentos econômicos também seriam adequados para incentivar países a manterem suas fontes redutoras de gases de efeito estufa, como as florestas e corais. A lógica desta perspectiva neoclássica é a de atribuir valor aos chamados serviços ambientais providos pela natureza. Assim, uma floresta, ou um banco de corais nos mares, teriam, para além de seu valor existencial, um valor também econômico pelo simples fato de que, ao existirem, propiciam a captura de gases de efeito estufa na atmosfera, evitando mudanças climáticas e os custos econômicos delas derivados.

Há duas possibilidades de mercado de gases de efeito estufa. Aquele entre Estados nacionais – chamado de mercado regulado – e aquele entre atores privados – chamado de mercado voluntário.

A opção por tratar um problema dos chamados Bens Públicos Globais – no caso a atmosfera e o clima – por meio de instrumentos econômicos não se dá sem ressalvas e críticas contundentes. Parte-se da questão das assimetrias entre atores estatais, tanto na questão de responsabilidades (históricas), como de direitos (atuais).  Em consequência tem-se, por exemplo, o fato de que negociações entre os países são feitas de maneira desigual e não há priorização de financiamento aos países em desenvolvimento.

Outro aspecto crítico se refere à redução de políticas destinadas a conter as mudanças climáticas à precificação de gases de efeito estufa, ou métrica de carbono, como também é conhecida a questão. É verdade que esse tratamento economicista foi importante na comunicação e ação global para as mudanças climáticas. De outro lado, os desafios do financiamento climático incluem lidar com outras gargalos ambientais como a perda da biodiversidade, a agricultura e a silvicultura baseadas em monoculturas, o desmatamento da cobertura vegetal de florestas e savanas, a erosão e perda de fertilidade do solo, entre outras questões (MORENO, SPEICH e FUHR, 2016).

A motivação econômica de precificação pode ser importante, de fato, para que se viabilizem possibilidades reais para atividades econômicas mais sustentáveis, incluindo aquelas destinadas a apoiar práticas produtivas baseadas na agricultura familiar e na agroecologia, por exemplo. Entretanto, há de se ir além das soluções de mercado, baseadas na lógica capitalista concorrencial, para que possa haver possibilidades reais de ampliação de formas alternativas de interações econômicas, seja no âmbito da produção, da distribuição e do consumo. 

O que ficou resolvido na COP27?

Diante de negociações que se estendem desde 1992, a COP 27 teve como desafio fazer com que as discussões produzissem um cardápio de ações efetivas de prevenção,   combate e adaptação às mudanças climáticas. Nesse sentido,  o estabelecimento de regras e mecanismos de financiamento tem papel central, pois é o elemento que viabiliza ações em diversos países e situações em que os atores locais não possuem condições de arcar com os custos envolvidos, ou que entendem haver débito de países industrializados. O entendimento central é que os países em desenvolvimento precisam de uma “transição justa” e que são prioritários nessa luta.

No dia 9 de novembro a pauta esteve voltada ao financiamento climático. Entre as discussões previstas estavam: o problema da dívida soberana para o investimento climático, a redução do custo para contrair empréstimos verdes, plataformas para uma transição justa na África, o papel dos bancos de desenvolvimento, do setor privado e dos organismos de regulação para facilitar o financiamento climático, entre outros temas e negociações  previstas.

A principal novidade nas resoluções da COP27 ficou por conta da criação do fundo para reparar Perdas e Danos Climáticos, cuja finalidade é prestar assistência a países pobres acometidos por desastres climáticos. Tal resolução vem na esteira de enormes pressões realizadas pelos representantes de países insulares  que vêm  enfatizando ao longo de anos a possibilidade real de seus países deixarem de existir em função da mudança climática e seus sucessivos desastres, como a elevação do nível dos oceanos Entretanto, caberá às próximas COPs definirem como será o aporte e funcionamento desse novo mecanismo, de forma que ainda não se sabe as situações e prazos concretos para a sua aplicação.

O encontro produziu o Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, peça de negociação recebida com desapontamento devido à estagnação em tornar efetivo o compromisso das partes em assumir e defender as próprias metas assumidas para manter o aquecimento global ao nível de 1,5ºC. Similarmente, segue a ausência de recomendação para o fim do uso do carvão como fonte energética e de não mencionar os demais combustíveis fósseis. Há somente o chamado pela “eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes”, mas a dubiedade sobre o termo ineficiente pode levar a um entendimento que se trata de um problema de ordem basicamente econômica. É possível afirmar que essa foi uma vitória do greenwashing, que é essa construção de uma imagem “verde” por personagens avessos às pautas ambientais. Dito de outra forma, foi uma vitória dos países e das corporações produtoras de óleo e gás que jogaram peso nas delegações enviadas à COP27

Por que isso é importante para o Brasil?

Na COP26, realizada no ano passado em Glasgow, Escócia, o financiamento  às ações relativas às mudanças climáticas já aparecia como um dos maiores obstáculos à formação de acordo na conferência. Os países desenvolvidos falharam largamente em aportar a meta de financiamento de 100 bilhões de dólares por ano, o que prejudica a implementação do Acordo de Paris. Dessa maneira, o financiamento climático voltou a ser um dos temas centrais agora na COP27. O Brasil se enquadra no grupo dos países em desenvolvimento, o que o coloca como apto a receber recursos para as medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, o debate acerca do financiamento é de extrema importância para o país. 

O Brasil é um dos países com grande potencial de exploração dos mecanismos econômicos de financiamento climático. Recursos internacionais de doação, ou de financiamento a juros subsidiados,  podem ser utilizados para medidas de conservação ou de uso sustentável dos componentes da biodiversidade, em todo o país, ainda que exista especial interesse pela região Amazônica.

De fato, o sucesso pregresso dos governos do Partido dos Trabalhadores na área ambiental serve como baliza para financiadores internacionais. Houve grande redução do desmatamento na Amazônia, fortalecimento da gestão ambiental federal, consolidação do sistema de conservação ambiental de áreas protegidas, além de políticas de reconhecimento, respeito e promoção de direitos a povos indígenas e a povos e comunidades tradicionais.

De outro lado, ficou evidente o desmonte promovido pela gestão Bolsonaro nas áreas ambiental e social. Ademais, o uso de argumentos surrados sobre o direito de o Brasil explorar suas florestas como outros países fizeram no passado não causou nada além de bocejos diplomáticos. Há grande expectativa de que o Brasil volte a ser propositivo na agenda ambiental global, e que a questão amazônica seja discutida à luz de mudanças estruturais no sistema capitalista que ocorrem atualmente em função da troca de tecnologias e estruturas de produção e consumo intensivas em carbono por alternativas menos impactantes.

Assim sendo, medidas relativas à promoção de atividades produtivas e de serviços podem alavancar a bioeconomia, tema que une conservação ambiental e produção sustentável. Trata-se da proposição de fomentar uma economia do conhecimento da natureza, ou seja, atividades com a natureza e não apesar dela: sem a lógica de substituir a cobertura vegetal existente, como ocorreu na Mata Atlântica e agora ocorre na Amazônia.

São as chamadas “nature-based solutions”, capazes de gerar renda e emprego para populações, com agregação de valor e lucro a partir dos processos produtivos da floresta em pé e, como consequência, frear o desmatamento, principalmente na Amazônia.

É sempre importante lembrar que as mudanças no uso da terra são responsáveis por quase metade das emissões brasileiras de gases do efeito estufa. Em 2020, esse setor representou 46% do total das emissões naquele ano, que em sua maioria consistem no desmatamento do bioma Amazônia, que concentra 78,4% das emissões brutas do setor em 2020, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

As mudanças no uso da terra são causadas principalmente pela agropecuária. Sendo assim, atrair recursos e financiamentos para o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis, atualmente denominadas de  bioeconomia, especialmente na região Amazônica, poderá levar a uma nova trajetória de desenvolvimento mais inclusiva, justa e sustentável.

O Brasil se encontra em posição estratégica nesse cenário. De um lado, possui condições muito favoráveis para assumir um papel de protagonismo nas negociações. Papel este que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já vem assumindo mesmo antes da sua posse. Em sua participação na COP27, Lula anunciou que o Brasil está de volta como líder climático global e prometeu colocar o combate à crise climática no topo da agenda.

Lula também se comprometeu a zerar o desmatamento em todos os biomas até 2030, combater atividades ilegais na Amazônia, fortalecer os órgãos de fiscalização ambiental e criar um Ministério dos Povos Originários. Além disso, o novo presidente brasileiro também cobrou dos países desenvolvidos o aporte de recursos financeiros prometidos, fazendo referência aos 100 bilhões de dólares da meta de financiamento.

Assim sendo, é grande a expectativa pelo retorno de uma diplomacia ambiental brasileira propositiva e líder em negociações do clima, assim como em outros temas da agenda ambiental. As desgraças da não-agenda social e ambiental bolsonarista agora se revertem para o polo positivo diante da perspectiva de um governo Lula que reafirma seu comprometimento com questões ambientais e sociais.

Há condições para Lula “catapultar” um conjunto de medidas para a sustentabilidade na Amazônia em outros biomas. Resta saber se tal lance conseguirá ultrapassar as elevadas barreiras representadas por interesses econômicos imediatistas e representações políticas conservadoras que obtiveram grande votação para o Legislativo nas últimas eleições. 

Referências:

CNA. Posicionamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) frente às negociações da 27ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, 2022.

MORENO, C. C.; SPEICH, D.; FUHR, L. A métrica do Carbono: abstrações globais e epistemicídio ecológico. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2016.

VEIGA, J. E. DA. A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013.

WRI. Uma Nova Economia Para Uma Nova Era: Elementos Para a Construção De Uma Economia Mais Eficiente E Resiliente Para O Brasil. v. 5, p. 1–3, 2020.

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