Milhões em movimento: da sobrevivência à crise humanitária

05 de outubro de 2023


Por Gabrielly Provenzzano da Silva,  Geovanna Mirian Raimundo e Rafaela Castilho Miranda (Imagem: Pixabay)


O deslocamento humano maciço ao longo da História apresenta causas diversas, em cada lugar e época. Em comum há o instinto de sobrevivência e a busca de melhores condições de vida. Esse trânsito esbarra usualmente em obstáculos como racismo, preconceitos de classe e xenofobia nos países ricos. Em 2019 o número total de migrantes internacionais alcançou a marca histórica de 272 milhões e adquire o status de crise humanitária em muitos casos. As maiores tensões estão nas fronteiras e portos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Vale a pena examinar suas características principais.


No início de agosto, duas pessoas foram encontradas mortas próximas à barreira de boias instalada no Rio Grande, que divide o estado do Texas, nos Estados Unidos, do México. Uma das vítimas era uma criança hondurenha.


A instalação da barreira na fronteira entre EUA e México é uma medida anti-imigração do governo do Texas, comandado pelo republicano Greg Abbott, crítico da entrada irregular de imigrantes no país. As bóias começaram a ser colocadas em julho, num ponto do rio que costuma ser usado por imigrantes, dificultando a travessia destes. Quem deseja ultrapassá-la precisa passar por baixo dela, correndo o risco de afogamento. Alguns trechos do rio contam ainda com grades e arame farpado nas margens.


A gestão Biden entrou na justiça contra a medida texana, por julgar que o controle da fronteira é atribuição do governo federal. Abbott acusa o presidente de não agir para conter o alto fluxo de imigrantes na fronteira. O embate vem na esteira da revogação do Título 42, ocorrida em 11 de maio, que deu fim a regra do governo Trump que permitia que os EUA expulsassem imediatamente todas as pessoas que chegassem ao território do país sem a documentação adequada. 


No continente, a barreira flutuante gerou diversas críticas, inclusive por parte do presidente mexicano, Andres Manuel López Obrador, que classificou a iniciativa do Texas como “desumana”. Numa coletiva de imprensa no dia 27 de setembro, ele convocou uma reunião com os ministros de relações exteriores de diversos países da América Latina para discutir as dinâmicas migratórias da região. “Não é um problema que diz respeito apenas ao México, é uma questão estrutural e precisamos enfrentá-la dessa forma” disse, e defendeu a criação de um plano de ação conjunto para proteger os migrantes e combater as causas que forçam as pessoas a migrar.


A história da migração na América


As migrações humanas se iniciaram muito antes da existência de Estados nacionais e divisões dos países. Em sua música “Pangeia”, Fabio Brazza nos convida a compreender a espécie humana como naturalmente nômade, isto é, por questões de sobrevivência da espécie os seres humanos migraram mundo afora populando e re-populando os continentes de acordo com as mudanças climáticas e em busca de suprir suas necessidades básicas. Apenas milhares de anos depois iniciou-se um processo de sedentarização no qual grupos foram se estabelecendo em determinados territórios e iniciando o processo de fundamentação dos povos originários de cada região como conhecemos hoje. No entanto, só muitos milhares de anos depois começou-se efetivamente o processo de divisão territorial e fronteirização dos Estados nacionais e, consequentemente, a migração, que antes era um processo natural da espécie, se tornou um desafio social.


Ao longo da História, esse processo migratório foi marcado e incentivado graças a crises humanitárias, políticas e econômicas nos países de origem. Grande parte – senão todos – dos migrantes internacionais travam uma batalha em busca de melhores condições de vida para si e para sua família, em busca de um país com mais empregos, políticas públicas, saúde e educação. Além de enfrentarem desafios da ilegalidade e de correrem risco de morte no percurso entre lugares de origem e destino, na maioria dos casos enfrentam tantos problemas no destino quanto no percurso. Há inúmeras dificuldades de sobrevivência, trabalho e obtenção de direitos de permanência e cidadania. Em suma, a partir do momento da “decisão”, na qual muitas vezes não há opções de escolha, o migrante enfrenta desafios que colocam diretamente sua vida em risco. 


É possível fazer um recorte para compreender a história do processo migratório para as Américas a partir do século XIX. No início daquele século, os processos de independência diante das metrópoles europeias,  seguidas da abolição da escravatura e do trabalho servil e da inserção dos novos Estados no mercado global, tornou premente a busca de força de trabalho barata. No Brasil e nos EUA, os antigos escravizados foram liminarmente dispensados e marginalizados do trabalho assalariado, num cruel processo de branqueamento da população. Simultaneamente, muitos países da Europa enfrentavam crónicos problemas econômicos. Começou-se então um intenso processo de incentivo às emigrações europeias que se tornaram uma espécie de política de Estado em alguns países americanos. Entre 1815 e 1920 cerca de 60 milhões de europeus emigraram para as Américas, dos quais 71% rumou para a América do Norte, 21% para América Latina e 7% para a Austrália.


Em suma, pobres europeus que morriam de fome em seus países de origem e sofriam com os problemas econômicos e desemprego, foram incentivados a atravessar o oceano rumo ao continente americano em troca de casa, trabalho e a promessa de uma nova vida. Enquanto isso, os negros que já habitavam esses mesmos territórios se viram libertos da escravidão sem qualquer amparo do Estado, obrigados a recair sobre subempregos e moradias precárias.


Os jornais da época dos países de origem foram importantes meios para divulgação dessas políticas. Países como o Brasil e os Estados Unidos, por exemplo, divulgavam suas políticas nesses jornais que também  publicavam cartas reais dos migrantes incentivando ou denunciando o processo de deslocamento a depender de seus posicionamentos políticos. Dessa forma, alemães, italianos, franceses e muitos outros chegaram à América sob a promessa de vidas melhores e sob a “missão” de “embranquecer” e “europizar” os novos países. Podemos dizer, portanto, que esse processo foi incentivado pelo Estado e, muito diferente do que enfrentamos atualmente, havia uma visão – mesmo que racista e higienista – de mútuo benefício entre as partes. Assim, o processo, com muitas ressalvas, mostrou-se benéfico para muitos migrantes.


Olhando para os processos migratórios rumo ao continente americano nos últimos 30 anos, as diferenças saltam à vista. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) a questão migratória é um dos mais intensos problemas sociais do século XXI e o aumento no número de deslocamentos internacionais tem sido exponencial nos últimos anos. Em 2019 o número total de migrantes internacionais alcançou a marca histórica de 272 milhões, o que representa um aumento de 51 milhões em relação a 2010. Esse aumento denuncia a intensificação de problemas conjunturais no mundo, os quais tem levado as pessoas a procurarem uma saída fora de seus países. Entre os motivos dessa movimentação humana, podemos citar problemas socioeconômicos, políticos e climáticos como os maiores destaques. É necessário ressaltar novamente que as pessoas, em sua maioria, não abandonam seu país de origem – e muitas vezes sua família e amigos – se não estiverem sob forte necessidade de buscar uma vida melhor. No entanto, com a intensificação da migração, paradoxalmente, os problemas sociais ligados a esse processo tendem a se intensificar na mesma medida, principalmente nos países-destino, uma vez que o tema divide a opinião pública dos países receptores e, consequentemente, as políticas de cada governo sobre o processo, que em geral são distintas. 


Isto é, as migrações tendem a ser uma fagulha para despertar grandes embates políticos e sociais nos países-destino através, principalmente, do disfarce do nacionalismo,  intensamente utilizado nos últimos anos para “justificar” xenofobias, preconceitos e ideias equivocadas acerca da população migrante. Tais fatores dificultam fortemente a vida de pessoas vulneráveis e sem direitos garantidos. Em suma, trata-se de uma crise humanitária sem precedentes que denuncia problemas estruturais no mundo e que tendem a se intensificar ainda mais nos próximos anos.


Políticas migratórias nos Estados Unidos


As políticas de imigração dos Estados Unidos começaram a endurecer no governo de Barack Obama. Em 2014, o ex-presidente norte-americano determinou que os pais seriam criminalizados e que as famílias ficariam detidas em centros de detenção familiar, onde as famílias aguardariam juntos as decisões sobre os processos de imigração e pedidos de asilo. Uma das formas mais comuns para estrangeiros legalizarem sua situação é através de pedidos de asilo. Nesses casos, a justiça analisa os riscos que determinada pessoa corre em seu país de origem para decidir sua autorização de permanência. Com a antiga lei Titulo 42 (medida instituída pelo ex-presidente Donald Trump durante a pandemia da Covid-19), imigrantes eram obrigados a retornar para seu país mesmo sem uma resposta judicial referente ao pedido de asilo.

O Título 42 é uma política sanitária que permite aos funcionários da fronteira ignorar as etapas demoradas, que normalmente são necessárias para examinar processos migratório, incluindo o procedimento que admite a um estrangeiro buscar asilo. Agentes da fronteira podem expulsar sumariamente imigrantes que estejam em território americano. O Título 42 remonta a uma lei de 1944, conhecida como Lei de Serviço à Saúde Pública, que concedia às autoridades o direito de aplicar medidas emergenciais para prevenir a propagação de doenças. Em março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como uma pandemia, o então presidente Trump invocou o estatuto com a intenção declarada de impedir que a doença se espalhasse pelo país. Recentemente, o governo dos Estados Unidos anunciou uma política mais restritiva. Todos os dias, centenas de latino-americanos tentam cruzar ilegalmente a fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas ao entrar no país sem permissão, elas podem enfrentar leis cada vez mais rígidas.  A partir do mês de maio, os EUA vão retomar o Título 8, política migratória que vigorava antes da crise sanitária que assolou o planeta. A medida prevê que, antes de entrar no país, os solicitantes de asilo devem usar um aplicativo para marcar um horário com uma autoridade de imigração. Se não tiverem hora marcada, poderão ser deportados rapidamente. O governo espera que a medida substitua a política de emergência de saúde – implementada durante a pandemia – que permite expulsão imediata daqueles que atravessam a fronteira sem documentos. A Casa Branca afirma não desejar impedir que as pessoas busquem asilo, mas pretende colocar ordem na fronteira, segundo alegam. Grupos de direitos civis classificam a medida como inconstitucional e que vão processar o governo de Joe Biden, que prometeu em campanha, uma política migratória mais humana.

Yalidy – cientista política da Rutgers University (Nova Jersey) e especialista em política migratória – apontou que o Título 8, que substitui a norma expirada, se estabelece como proibição de asilo, o que potencializa problemas no México e em outros “países de trânsito”. “O verdadeiro caos está nas dificuldades e na violência enfrentada pelos migrantes, enquanto tentam chegar a um lugar seguro apenas para encontrarem uma política que exige acesso a um aplicativo (CBP One) e a uma conexão wifi. A maioria será rejeitada de todas as maneiras”, acrescentou Matos. 

Apesar das restrições legais enfrentadas, essa população desempenha um papel importante no funcionamento da economia, especialmente em áreas como agricultura, construção civil e hotelaria, nas quais assume tarefas que os trabalhadores americanos muitas vezes não querem fazer, pelo menos pelos salários que os empregadores oferecem.

A imigração para os Estados Unidos exigiu restrições crescentes, resultando em impactos negativos evidentes. Sob políticas mais rigorosas, como a implementação do Título 42 durante a pandemia da Covid-19 e a recente retomada do Título 8, muitos imigrantes têm sido forçados a enfrentar um sistema complexo e desumano. Além disso, a implementação do Título 42 durante a pandemia da Covid-19 permitiu a expulsão imediata de imigrantes, muitas vezes sem a atenção de seus casos de asilo, levantando questões sobre o acesso à proteção e à análise de riscos. A recente reintrodução do Título 8, que exige o uso de um aplicativo para marcar horários com autoridades de imigração, pode criar obstáculos adicionais para aqueles que buscam asilo, exacerbando as dificuldades enfrentadas pelos migrantes em sua busca por segurança. Enquanto isso, grupos de direitos civis argumentam que tais políticas são inconstitucionais, destacando a complexidade e o caos no processo de imigração, que muitas vezes afetam as quantidades dos migrantes, apesar de sua contribuição para setores-chave da economia, revelando assim uma série de questões profundamente problemas no sistema de imigração dos EUA. 


O Título 42 permitiu a expulsão imediata de imigrantes, sem considerar suas desvantagens de asilo, prejudicando aqueles que buscam proteção de perseguições em seus países de origem. A retomada do Título 8, que exige que os solicitantes de asilo usem um aplicativo para marcar um local com autoridades de imigração, cria obstáculos adicionais e gera caos em países de trânsito, onde os migrantes enfrentam dificuldades e violência. Apesar das restrições legais, muitos imigrantes desempenham funções importantes na economia dos EUA. 


A persistência das políticas migratórias ao longo dos anos, incluindo a criminalização dos pais e a detenção de famílias em centros de detenção, gerou preocupações sobre direitos humanos.


Segundo o jornal El País, a imigração é uma força transformadora, que produz mudanças sociais profundas e imprevistas tanto nas sociedades de origem quanto nas de acolhimento, nas relações entre os diversos grupos dentro das sociedades de destino e entre os próprios imigrantes e seus descendentes. A imigração vem acompanhada, não só de processos de aculturação por parte dos que chegam, mas também de medidas políticas dos Estados para controlar as suas ondas. Ela também embute diferentes tipos de reações dos residentes estabelecidos e de seus políticos, que podem considerar que os recém-chegados representam uma ameaça cultural ou econômica. 


A fronteira EUA-México 


Em 2016, quando a campanha presidencial de Donald Trump estava a todo vapor, Josh Begley, um artista digital estadunidense, lançou o curta metragem Best of Luck with the Wall (“boa sorte com o muro”, em tradução livre), uma sucessão de imagens de satélite da fronteira entre Estados Unidos e México. Para além de mexicanos, a fronteira é rota de migração de pessoas de todas as nacionalidades, em sua maioria da América Central. Segundo Begley, ao persistir na dimensão física de um lugar frequentemente reduzido à metáfora, sua intenção era dar mais dimensão ao que é ser um “sujeito político” desse espaço e significado para a promessa de campanha de Trump de construir um muro na fronteira sul dos Estados Unidos.


Ao longo de 6 minutos, o curta passa pelos 3.144 km que compõem a fronteira entre os EUA e o México. A zona de fronteira entre os dois países é dada pelo Convênio de La Paz de 1983, que delimita a união de duas faixas de terra (100 km ao norte e 100 km ao sul) que dividem, de um lado, um país emergente e, do outro, a potência hegemônica do sistema internacional. 


Apesar do Convênio de La Paz delimitar a zona fronteiriça, a conformação dos territórios da região é mais antiga. Para Beatriz Naddi e Vítor Belucci (2015), a definição da fronteira se deu em função da expansão imperialista dos EUA em direção ao interior do continente americano, ainda no século XIX, processo conhecido como a Conquista do Oeste. Segundo Rodolfo Rincones (2004), antes de 1846, o território mexicano compreendia os atuais estados da Califórnia, Arizona, Novo México e Texas e, em 1847, o México já havia perdido mais da metade de suas terras através de invasões e “compras” por parte dos EUA.


Para além da conformação territorial, Naddi e Belucci (2015) destacam a relevância desse processo para entender as tensões que permeiam a relação entre imigrantes mexicanos e estadunidenses hoje: segundo os autores, a população mexicana que vivia nas áreas dominadas se tornou uma população estrangeira que, sem falar inglês, se tornou vítima de racismo. Posteriormente, constitui-se a figura do mexicano como inferior em relação à pretensa superioridade dos estadunidenses.


No entanto, quando o assunto são as tensões que permeiam os fluxos migratórios nas Américas, o maior símbolo é o muro (já) construído pelos Estados Unidos na fronteira com o México. Como aludido acima, o fortalecimento de barreiras ao sul dos EUA ganhou centralidade na política estadunidense em 2016, mas a discussão é conhecida de outros carnavais. Conforme Patrick Timmons (2017), em 1969, o presidente Richard Nixon (1969-1974) lançou a Operação Intercept, que quase fechou parte da fronteira com o México para impedir a entrada de drogas no país e, desde os anos 1990, no governo de George H. W. Bush (1989-1993), barreiras tem sido construídas e expandidas nos estados fronteiriços com o intuito de controlar a imigração ilegal.


Com o atentado de 11 de setembro, em 2001, a vigilância e fiscalização das fronteiras ganhou uma nova camada de complexidade com a declaração dos EUA de Guerra ao Terror. Conforme Naddi e Belucci (2015), a preocupação com o terrorismo levou não só à ampliação dos muros, como também ao uso de equipamentos militares e ao aumento do número de agentes patrulheiros de fronteira, tornando a região militarizada. Segundo Begley, o Serviço Aduaneiro e de Proteção das Fronteiras dos EUA (Customs and Border Protection, o CBP), responsável pela patrulha, implementou câmeras, radares, drones, sensores e softwares de reconhecimento ao longo do Rio Grande e a oeste da região desértica da fronteira. Nesse sentido, além de barrar a imigração ilegal, a fronteira fortemente controlada serve aos EUA o propósito de barrar atividades ilícitas, como o narcotráfico e o terrorismo.


Para Trump, o muro ideal teria 1000 milhas (1600 km) de extensão e seria feito à base de concreto. Ao deixar a Casa Branca, em 2021, sua administração dizia ter construído o total de 452 milhas (727 km). No entanto, apenas 80 milhas (128 km) de muro foram erguidas do zero; as demais foram reformas em trechos já construídos pelas gestões anteriores. 


Apesar do relativo fiasco com a promessa eleitoral, Trump implementou uma política migratória de tolerância zero que teve efeitos perversos: para desencorajar a entrada de pessoas sem documentos regularizados nos EUA, a política permitia que todos os adultos em situação irregular fossem acusados criminalmente. Se fossem pegos, eram levados a um centro de detenção de imigrantes para aguardar julgamento por tempo indeterminado. Por não serem permitidas nos centros, muitas crianças foram separadas de suas famílias e levadas para abrigos, onde também corriam risco de deportação. 


Em 2021, Joe Biden assumiu a presidência dos EUA com o compromisso de dar um tratamento mais humano à questão da migração ilegal. Ao fim do primeiro ano de mandato, entretanto, sua principal proposta no tema – dar nacionalidade a 11 milhões de migrantes em situação irregular – permanecia travada no Congresso. Da política linha dura de Trump, Biden manteve em vigor o Título 42, a medida emergencial que autorizava a rápida deportação de qualquer um que tentasse entrar nos EUA ilegalmente, implementada no contexto da pandemia de Covid-19. 


Em 2023, a Organização Internacional para Migrações (OIM) reportou a ocorrência de 686 mortes e desaparecimentos de migrantes na fronteira EUA-México no ano de 2022, número que tornou o trajeto a rota terrestre mais perigosa do mundo. Michele Klein Solomon, Diretora Regional da OIM para as Américas Central e do Norte e o Caribe, destacou que esse número é um lembrete da necessidade de ação por parte dos Estados do continente – o que inclui, sem dúvidas, os EUA.


Políticas migratórias na América Latina: o caso do Brasil


Por sua formação histórica, o Brasil é, entre outras coisas, um país de imigrantes. Ainda assim, conforme Adriana Capuano de Oliveira e Gilberto Rodrigues (2020), a política migratória com ênfase na proteção dos direitos humanos é mais uma agenda com avanços significativos na redemocratização. 


Segundo os autores, durante o regime militar, violador de direitos humanos, a agenda migratória brasileira foi securitizada pelos aparatos repressores do governo a nível federal e estadual. Valia, na época, a Lei 6.815/1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, que enquadrava o imigrante como ameaça e suspeito de possíveis ações terroristas. Já na redemocratização, a proteção a imigrantes é reconhecida na Constituição Federal de 1988, que inclui a concessão de asilo político com um dos princípios das relações internacionais do Brasil (Art. 4º). 


No governo Temer (2016-2018), foi aprovada a nova Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que substitui a Lei do Estrangeiro (um dos últimos dispositivos legais do regime militar que ainda estava em vigência, como destacam Oliveira e Rodrigues) e incorporou, enfim, diversos aspectos importantes do enfoque de direitos humanos em relação à migração, inclusive o visto humanitário como opção de entrada no país. 


Em termos de fluxos migratórios, uma das primeiras respostas da nova legislação brasileira se deu em função do fluxo advindo da Venezuela. Agravada a partir de 2017, a crise política e econômica do país gerou uma onda migratória que atingiu diretamente seus vizinhos fronteiriços, isto é, Brasil e Colômbia. Para lidar com o grande fluxo de migrantes, o Brasil criou a Operação Acolhida em Roraima, gerenciada pelas Forças Armadas com o apoio do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, o ACNUR, e de organizações da sociedade civil. A atuação do Brasil foi reconhecida pela ONU como um trabalho pioneiro e efetivo na prestação de assistência, integração e preservação da dignidade dos imigrantes. 


Em 2021, mais de 1,3 milhão de imigrantes residiam no Brasil. De 2011 a 2020, o número de refugiados anualmente reconhecidos pelo país saiu de 86 para 26,5 mil, um salto significativo. No período, os maiores fluxos vieram, além da Venezuela, do Haiti, Bolívia, Colômbia e Estados Unidos


Mais recentemente, o Brasil também abriu as portas para refugiados do conflito entre Rússia e Ucrânia e, no início do ano, totalizava a concessão de mais de 400 vistos humanitários. Até junho, o governo também totalizava mais de 11 mil vistos humanitários concedidos para afegãos, que chegam ao Brasil fugindo do regime do Talibã, que retomou o poder no Afeganistão em 2021.

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