Atuação do Irã na África

29 de agosto de 2024

 

Por Carlos Eduardo Sanches, Gabriel Soares, Gabriela Cavalcanti, Izabella Zanon, Amanda Cristina da Silva, Paulo Vitor Nascimento do Santos, João Henrique Pio e Matheus Albuquerque (Imagem: Pixabay)

 

África como Alternativa para as sanções 

 

No mundo contemporâneo, as sanções econômicas constituem estratégica ferramenta de pressão utilizada para intervir em questões de conflito ou de outra natureza geopolítica, a fim de criar um cenário financeiro delicado para o país sancionado. Contudo, com o passar do tempo e aumento de países alvos dessas práticas, muitos Estados aprenderam a lidar com a situação ao negociarem diretamente com nações em situação análoga. Exemplo disso pode ser percebido em encontro datado de 2015, entre o presidente russo Vladimir Putin com Robert Mugabe, à época presidente do Zimbábue, e que profere a seguinte frase para o homólogo eslavo: “Você está lutando contra sanções agora, e nós também. Os Estados Unidos formam o topo desta pirâmide imperialista, seguidos pela Europa. Por esta razão, temos de trabalhar juntos, e isso tornou ainda maior o prazer de assistir aos acontecimentos de ontem, que demonstraram o renascimento da Rússia”.  

 

Atualmente, no posto de segundo país mais sancionado do mundo, o Irã vê na África uma forma de escapar dessas restrições ao estimular relações com os países do continente, muitas vezes também alvos de medidas punitivas por parte das potências do norte. Para Oral Toga, pesquisador do Centro de Estudos Iranianos, existem 5 pontos estratégicos explorados pelos persas no quesito Política Externa para a África:

 

– Combate a sanções 

– Expansão de um “eixo de resistência” contra rivais;

– Neutralização de políticas de isolamento

– exportar revolução e sua ideologia 

– Construção, no longo prazo, do status de potência, não só regional, mas global. 

 

A diplomacia promovida por Teerã em África tem por objetivo a promoção de parcerias com agentes dos mais diferentes setores – estados, grupos não estatais e regiões autônomas- a fim de criar oportunidades econômicas e diplomáticas que reforcem o status global do país, combatendo isolamento, propiciando o contorno de sanções. De forma simultânea, o país utiliza tais alianças para a expandir sua influência geográfica no continente, tanto ideológica quanto política, difundindo os princípios da revolução islâmica. A força Quds, unidade especial do exército dos guardiões da revolução islâmica do Irã, vem intensificando sua participação no continente, atuando ativamente em fronteiras chave para contrabando de petróleo e armas, além do suporte oferecido tanto para grupos terroristas, de afinidade ideológica e política, quanto como fiadores de serviços educacionais e de inteligência. Para além do braço militar, associado a guarda revolucionária, o país promove intercâmbio e volumosos aportes de investimentos em intercâmbio cultural e programas de desenvolvimento, associados à transferência tecnológica e à curadoria pedagógica, via uma variedade de redes de instituições comerciais e filantrópicas ligadas ao governo persa, são exemplos: O Crescente Vermelho, a fundação Mostazafan, organizações de caridade, etc.

 

Reforçar a inserção no Sul Global

 

O conceito de Sul Global refere-se a um conjunto de nações emergentes e em desenvolvimento que enfrentam desafios comuns no cenário internacional, muitas vezes marginalizadas pelas potências hegemônicas do Norte Global. Dentro desse contexto, o Irã tem buscado fortalecer sua inserção no grupo, utilizando a África como um dos pilares dessa estratégia. A atuação do Irã busca consolidar sua posição geopolítica e exercer influência além de suas fronteiras regionais, utilizando o continente como uma plataforma para projetar poder e expandir suas alianças internacionais.

 

Desde a Revolução Islâmica de 1979, o Irã tem adotado uma abordagem diplomática e estratégica que valoriza a solidariedade entre os países do Sul Global. Ao longo das últimas décadas, Teerã tem intensificado seus esforços para criar laços com nações africanas, oferecendo assistência técnica, cooperação em setores como saúde, educação e infraestrutura e apoio político em fóruns internacionais. Essa política visa não apenas a obtenção de vantagens econômicas, mas também o fortalecimento de sua posição geopolítica em um cenário global cada vez mais multipolar.

 

A inserção do Irã no Sul Global, e particularmente na África, está fortemente alinhada com sua necessidade de mitigar os efeitos das sanções internacionais e do isolamento diplomático imposto pelas potências ocidentais. Ao estabelecer relações mais profundas com países africanos, o Irã busca diversificar suas parcerias comerciais e criar um bloco de apoio que possa atuar como contrapeso às pressões do Norte Global. Essa estratégia também inclui a promoção de sua visão revolucionária, na qual Teerã se apresenta como um defensor dos oprimidos e um adversário das políticas imperialistas.

 

No plano tático, a abordagem iraniana envolve a utilização de soft power e hard power para consolidar sua presença na África. O Irã tem investido em atividades de cooperação cultural e educacional, ao mesmo tempo em que apoia movimentos e governos que compartilham de sua perspectiva contra hegemônica. Além disso, a promoção de acordos comerciais e a transferência de tecnologia são ferramentas utilizadas para solidificar as relações bilaterais, proporcionando benefícios tangíveis aos países africanos que, em troca, oferecem suporte diplomático ao Irã em instâncias internacionais.

 

Ao integrar o país à Organização para Cooperação de Xangai em 2023 e ao bloco de países emergentes BRICS no ano seguinte, o líder supremo do Irã, Ali Khamenei, não apenas prospectou com bons olhos a inserção global do Irã (PAULA, 2023), como mais uma vez desafiou as sanções e o isolacionismo político impostos pelos Estados Unidos através das suas políticas de alianças que visam a expansão geográfica e a projeção de poder tanto na  África quanto na América do Sul (ORAL, 2024).

 

Por fim, o que emerge dessa estratégia é um esforço claro do Irã para se consolidar como um ator influente dentro do Sul Global, usando a África como um terreno fértil para expandir sua presença e construir um bloco de apoio que possa resistir às pressões internacionais. Em última análise, essa inserção busca não apenas fortalecer o Irã no cenário global, mas também contribuir para uma ordem internacional mais multipolar e menos dominada pelas potências hegemônicas.

 

Relações Irã-África Ocidental

 

Em 2006, ano em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou a Resolução 1696 sobre o Irã, com o objetivo de pressionar o seu programa de enriquecimento de urânio. O país passou a enfrentar um quadro econômico doméstico conturbado, bem como grande isolamento diplomático, encontrando como forma de superá-lo, o reforço de suas relações com Estados que mantinham boas relações com a Rússia e a China, expandindo as relações com os demais estados africanos (Chimarizeni, 2017). Sua aproximação com o continente, baseou-se nas parceiras em prol do desenvolvimento socioeconômico, assim como no princípio do terceiro mundo que está prevista em sua constituição estabelecida após a revolução islâmica, além de afinidades religiosas ou ideológicas, sendo este, elemento constitutivo, mas não central em sua política externa (Idem).

 

A Nigéria, devido a sua posição privilegiada em instituições como a CSNU e a AIEA, estimulou o Irã a estabelecer relações com o país, com o mesmo concordando em compartilhar com a Nigeria, tecnologia nuclear para a produção de energia, além da concordância mútua de cooperar em áreas como mineração, indústria, petróleo, engenharia e tecnologia nuclear. Ao longo de 2019, os nigerianos se destacaram como uns dos principais exportadores para o Irã entre as nações subsaarianas, além de importar produtos como petróleo, óleos minerais betuminosos, ferramentas pneumáticas, hidráulicas, tratores, alcaloides vegetais e cobre, com o comercio tendo atingido números consideráveis entre 2017 e 2018, com cerca de U$137 milhões (Chavez, 2022).

 

As relações com Senegal se concentram na economia, com ênfase na promessa de ajuda para a criação de fábricas e vários projetos (Chimbelu apud Chimarizeni), além de linhas de crédito do Export Development Bank do Irã para incentivar a exportação para o Senegal, se constituindo no maior volume comercial do que o comércio do Irã com toda a África ocidental (Idem), com o país importando produtos alimentares como farinha, semolina e amido. Pode-se destacar o acordo da fabricante iraniana de automóveis Khodro com o governo senegalês para a construção de um novo empreendimento em solo africano, possibilitando ao país revender tais produtos para vizinhos como Nigéria e Guiné (Chavez).

 

Em relação a Serra Leoa e o Mali, em um encontro, em fevereiro de 2019, para receber e conferir credenciais a novos embaixadores dos dois países, o presidente iraniano Hassan Rouhani destacou também a capacidade e o interesse de seu governo em investir e cooperar com os países em questão em termos de serviços médicos e agricultura, principalmente no cultivo de produtos, houve também a abertura do primeiro centro de diálise no país. No que se refere especificamente ao Mali, foi declarado o interesse de manter a presença de engenheiros agrários no país, além de uma aproximação cada vez maior nas áreas de cultura, saúde e agricultura.

 

Quanto às recentes relações com Gana, em 2018 houve a assinatura de um memorando de entendimento entre figuras importantes do mercado de capital de ambos os países acerca das capacidades financeiras, como também houve declaração de interesse ganês em bolsas de estudo iranianas. No ano seguinte houve outra assinatura de memorando acerca da facilitação no mercado de eletrônicos entre os países, além da possibilidade de uma zona franca que promoveria investimentos bilaterais (CHAVEZ, 2022). Em 2019, Gana foi um dos países africanos que mais importou produtos iranianos (Idem).

 

Frente aos dados levantados pelo periódico Eghtesaonline, identifica-se um declínio de aproximadamente 95,94% nas exportações iranianas para o Togo entre o primeiro trimestre de 2018 e janeiro de 2019. De acordo com o Observatory of Economic Complexity (OEC), entre 2017 e 2022 a taxa de queda de exportações chegou a uma média anual de 80%. Os principais produtos exportados no período foram equipamentos de proteção de baixa voltagem e produtos plásticos.

 

Por fim, pode-se dizer que o Irã manteve suas relações em caráter econômico com os países do oeste africano, aumentando fluxos de exportação de produtos para alguns países como Nigéria e Senegal devido aos grandes mercados consumidores, porém não houve um enfoque na aproximação diplomática junto ao continente após 2013 dado a recondução da política externa a partir da presidência de Hassan Rouhani (2013-2021). Com isso, o ideal terceiro mundista acabou preterido pela necessidade de reversão do quadro econômico doméstico através da cessão das diretrizes estipuladas pelo Conselho de Segurança para atenuação das sanções.

Drones iranianos no Sudão

O Irã tem exercido uma influência crescente no conflito do Sudão, principalmente ao fornecer drones militares para as Forças Armadas Sudanesas (SAF). Esse conflito, que já dura mais de um ano, envolve as SAF em uma batalha intensa contra o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF). Os drones iranianos, especialmente o modelo Mohajer-6, têm sido uma peça-chave para as SAF. Com essa tecnologia, os ataques das forças governamentais se tornaram muito mais precisos e letais. 

Especialistas apontam que esses drones ajudaram o governo a ganhar terreno em várias frentes do conflito. A estratégia do Irã vai além de apenas fortalecer as SAF no conflito atual. Ao fornecer essa tecnologia, Teerã está buscando garantir que qualquer governo que venha a surgir após a guerra mantenha uma postura favorável ao Irã. Assim, além de mudar a balança de poder no conflito, essa “diplomacia dos drones” também pode moldar o futuro político do Sudão, alinhando o país aos interesses iranianos. 

Em resposta à crescente utilização de drones pelas SAF, as RSF também intensificaram o uso de drones em ataques contra alvos militares e civis ligados às SAF. Desde o início do conflito em 15 de abril de 2023, os civis sudaneses têm sido constantemente apanhados no fogo cruzado. Nas últimas semanas, o exército sudanês começou a usar drones mais precisos em suas operações, o que obrigou as RSF a recuar de várias áreas estratégicas. Esses drones foram cruciais para que as SAF recuperassem terreno após meses de perdas, permitindo que o exército retomasse partes de Omdurman, incluindo a sede da emissora nacional de rádio e televisão do Sudão. Isso demonstra o papel significativo que a tecnologia de drones desempenhou no conflito, alterando o equilíbrio de poder entre as forças envolvidas e impactando diretamente a vida dos civis.

Ambos os lados do conflito no Sudão, tanto as Forças Armadas Sudanesas (SAF) quanto as Forças de Apoio Rápido (RSF), utilizam drones para uma variedade de funções, como vigilância, gravação de combates e ataques kamikaze, além de lançarem bombas sobre os combatentes. O Exército do Sudão, por sua vez, tem produzido drones com tecnologia iraniana, resultado de um programa conjunto que foi estabelecido entre os dois países em 2016. Em resposta ao uso de drones iranianos pelas SAF, as RSF intensificaram o uso de seus próprios drones, aumentando os ataques e vigilância em suas operações. Essa escalada no uso de tecnologia de drones mostra como ambos os lados estão adaptando suas táticas para ganhar vantagem no campo de batalha.

Referências

ADF Magazine. Drones fornecidos por Irão e EAU ameaçam prolongar o conflito no Sudão. ADF Magazine, 2024. Disponível em: <https://adf-magazine.com/pt-pt/2024/07/drones-fornecidos-por-irao-e-eau-ameacam- prolongar-o-conflito-no-sudao/>. Acesso em: 13 ago. 2024. 

ADF Magazine. Armas iranianas alimentam destruição em ambos os lados do conflito no Sudão. ADF Magazine, 2024. Disponível em: <https://adf-magazine.com/pt-pt/2024/06/armas-iranianas-alimentam-destruicao-em-a mbos-os-lados-do-conflito-no-sudao/>. Acesso em: 13 ago. 2024. 

ADF MAGAZINE. Drones iranianos aumentam letalidade da guerra civil sudanesa. 2024. Disponível em: <https://adf-magazine.com/pt-pt/2024/04/drones-iranianos-aumentam-letalidade-da-guerra-civil-sudanesa/>. Acesso em: 13 ago. 2024.

AMNESTY INTERNATIONAL.New weapons fuelling the Sudan conflict. 2024. Disponível em: <https://www.amnesty.org/en/latest/research/2024/07/new-weapons-fuelling-the-sudan-conflict/>. Acesso em: 13 ago. 2024.

BOJANG Jnr, Sheriff. Iran President Raisi was building a strategic foothold in Africa. 20 maio 2024, 14:20. Disponível em: <https://www.theafricareport.com/348863/iran-president-raisi-was-building-a-strategic-foothold-in-africa/>. Acesso em: 15 ago. 2024.

CHÁVEZ, G. S. Irã e suas relacões comerciais com o continente africano. Monitor do Oriente Médio. 2022

EGHTESADONLINE. Iran’s Non-Oil Trade With Africa Tops $670m in 10 Months. 25 de fev. de 2019. Disponível em: <https://en.eghtesadonline.com/en/news/746775/irans-non-oil-trade-with-africa-tops-%24670m-in-10-months >. Acesso em: 15 ago. 2024.

ORAL, Toga. Iran’s Approach to the African Continent and Its Strategic Objectives. 14 mar. 2024. Disponível em: <https://iramcenter.org/en/irans-approach-to-the-african-continent-and-its-strategic-objectives_en-2470 >. Acesso em: 14 ago. 2024.

PAULA, Isabela. Líder supremo do Irã avalia entrada do país no Brics como “sucesso”. Gazeta do Povo, 30 de Agosto de 2023. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/lider-supremo-do-ira-avalia-entrada-do-pais-no-brics-como-sucesso/ > Acesso em: 15 ago. 2024.

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