Ano V, nº 91, 12 de dezembro de 2024
Por Isabelle Mayara Silva Silveira, Levi Manoel dos Santos, Luciana Henrique de Araujo, Sophia Helena de Freitas Macedo¹ (Imagem: Official White House Photo/Cameron Smith)
Há mais de 400 dias Israel espalha terror em territórios palestinos e, nas últimas semanas também no Líbano. Ele não poderia estar fazendo isso impunemente se não tivesse apoio incondicional dos EUA, não importa o governo de plantão. Há vários motivos (lobby sionista interno), mas um fator é que os EUA consideram o Oriente Médio uma região estratégica para poder continuar impondo sua liderança ao mundo.
Um argumento comumente levantado para justificar o apoio incondicional dos Estados Unidos a Israel se baseia, em parte, na dependência estadunidense do petróleo e gás do Oriente Médio. Contudo, essa justificativa perde força quando examinamos a evolução da produção de energia desde meados da década de 2000. Hoje, os EUA não dependem mais significativamente de importações de P&G da região, graças às inovações tecnológicas no setor de energia e ao aumento da produção nacional. Com isso o páis se tornou o maior produtor mundial de petróleo e também de gás.
Nota-se, portanto, um grande contraste com o cenário mundial em 2003, época da invasão do Iraque, quando a dependência de energia do Oriente Médio era significativa para os EUA. Naquela época, garantir o controle sobre rotas estratégicas e fontes de energia da região era crucial para o funcionamento da economia global e, consequentemente, para a liderança dos EUA no sistema internacional. Contudo, atualmente, essa realidade mudou drasticamente.
O Departamento de Energia dos Estados Unidos destacou em março de 2024 que o país produziu mais petróleo ao ano que qualquer outra nação da história, com 12,9 milhões de barris (bpd) em 2023, o que bateu o recorde anterior do país e global, de 12,3 milhões de bpd, estabelecido em 2019.
Fonte: elaboração própria com dados do Energy Institute
Esse cenário reflete também a gradual perda de força da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Em uma tentativa de elevar os preços da commodity, a Opep anunciou em 3 de março a continuidade da redução da oferta em 2,2 milhões de barris diários por mais três meses, até junho. No entanto, essa medida não conseguiu impedir uma queda nos preços. Na última década, a produção de países fora do grupo cresceu rapidamente em duas frentes: nos Estados Unidos e Canadá, impulsionada pelo xisto betuminoso, e em países como Brasil e Guiana, com a exploração de águas profundas.
Deste modo, o avanço da exploração de xisto nos Estados Unidos e no Canadá fez com que a região da América do Norte se tornasse praticamente autossuficiente em relação à energia. Entre 2008 e 2020, os Estados Unidos vivenciaram um verdadeiro “boom” energético, que reduziu drasticamente sua dependência de fornecedores externos. Em 2020, os EUA tornaram-se, pela primeira vez desde 1952, exportadores líquidos de energia. No mesmo período, o Canadá também consolidou sua posição como um dos maiores exportadores mundiais de petróleo. Isso significa que o fornecimento de energia do Oriente Médio já não é essencial para a segurança energética norte-americana.
Além da segurança energética
Embora a produção de petróleo e gás natural (P&G) nos Estados Unidos e Canadá tenha reduzido a dependência direta dos EUA em relação ao Oriente Médio (OM), a região continua sendo central para a segurança energética global, especialmente no cenário pós-pico de demanda por combustíveis fósseis. Esse contexto refere-se ao momento em que a demanda global por esses recursos atinge seu ápice e começa a diminuir devido à transição energética, avanços tecnológicos e políticas ambientais. Ainda assim, o OM mantém sua relevância estratégica, concentrando mais de 48% das reservas globais comprovadas de petróleo e sendo um dos principais fornecedores de petróleo de baixo custo, essencial para atender à demanda de economias emergentes como a China. Em 2021, a China importou cerca de 10,6 milhões de barris de petróleo por dia (mbpd), representando aproximadamente 70% de seu consumo total, com 32,5% dessas importações provenientes do Oriente Médio. Dados do Statistical Review of World Energy mostram que, em 2023, passado a pandemia, o consumo total da China chegou a 16,65 mbpd, contra uma produção de 4,3 mbpd, gerando uma necessidade de importar 12,35 mbpd.
Além disso, o controle geopolítico do OM permanece uma questão de alta prioridade estratégica para os EUA. Caso reduzam sua presença, outras potências, como Rússia ou China, poderão ocupar o vazio. A aliança estratégica entre Irã e China exemplifica essa dinâmica emergente. O acordo de cooperação de 25 anos, firmado em março de 2021, entre os dois países, prevê a compra de petróleo iraniano com descontos expressivos e grandes investimentos chineses na infraestrutura energética iraniana, como refinarias e transporte. Tal parceria reforça a influência da China na região e auxilia o Irã a contornar sanções internacionais, consolidando o papel do OM como um campo crucial de disputas econômicas e políticas.
É nesse contexto que se explica porque a relação entre Israel e os EUA continua essencial para a manutenção da influência na região. Como principal inimigo do Irã no Oriente Médio, Israel desempenha um papel estratégico em conter as ambições iranianas e proteger os interesses norte-americanos. Manter o controle da região não se limita à garantia do abastecimento energético, mas inclui a prevenção de crises que possam desestabilizar o mercado global de petróleo, impactando negativamente cadeias produtivas e economias ao redor do mundo. Essas dinâmicas reforçam o papel estratégico contínuo do OM, mesmo em um cenário global de transformação energética.
Mecanismos de Controle dos EUA no Oriente Médio
Os EUA desempenham um papel significativo de influência no Oriente Médio. O país tem relações com a região desde a Grande Guerra, quando o território ganhou relevância estratégica em função das vastas reservas de petróleo.
Na década de 1930, empresas americanas como a Standard Oil of Califórnia, que em 1984 se tornaria a Chevron Corporation, começaram a explorar petróleo na Arábia Saudita, em um momento da formação do Estado saudita. O vínculo de exploração petrolífera, delimitaria interesses futuros que orientariam políticas externas voltadas para a região.
O apoio à criação do Estado de Israel em 1948 se tornou um passo fundamental para consolidar a influência geopolítica na região. A decisão não somente fortaleceu os laços com o estado recém criado, mas também contribuiu para a presença militar na região com uma base de influência duradoura.
Durante a Guerra Fria, o Oriente Médio se tornaria um campo de disputa ideológica e geopolítica entre os EUA e a União Soviética. Um exemplo emblemático dessa disputa foi a Operação Ajax em 1953 , orquestrada pela Central Intelligence Agency (CIA) e Secret Intelligence Service (MI6). A operação resultou num golpe que substituiu o primeiro-ministro Mossadegh pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, alinhado aos interesses ocidentais.
Além disso, em 1957 foi formalizada a Doutrina Eisenhower que tinha como objetivo principal uma política externa estadunidense para o Oriente Médio e estabelecia o compromisso de combater e defender o comunismo na região.
A Crise de Suez de 1956 marcou um ponto de inflexão na dinâmica de poder no Oriente Médio, sinalizando a transição do controle regional das potências europeias para os Estados Unidos. Esse evento consolidou a posição dos EUA como mediadores centrais na região, uma vez que o país passou a atuar de forma decisiva em crises locais. Em 1967 e sobretudo em 1973 houve apoio militar e financeiro expressivo para garantir a vitória de Israel nas guerras contra os países árabes.
Ao fim da Guerra Fria em 1991, a capacidade de influência dos EUA no Oriente Médio alcançou seu pico, marcada pela intervenção na Primeira Guerra do Golfo. Com a proteção de aliados estratégicos, como o Kuwait, o país visava garantir e proteger o acesso ocidental proteger o acesso ocidental ao petróleo e reforçar a estabilidade das rotas de energia globais. Assim, os EUA não apenas garantiram o acesso contínuo ao petróleo, mas também reforçaram seu papel como árbitro dominante nos conflitos regionais, consolidando um legado que persiste até os dias atuais. Na década seguinte o mundo assistiu à invasão do Iraque (2003) e depois as intervenções junto com os aliados europeus na Líbia (2011), dois grandes exportadores de petróleo.
Atualmente, os EUA continuam a exercer uma forte influência no Oriente Médio por meio de uma combinação de estratégias políticas, econômicas e militares. A assinatura dos Acordos de Abraão em 2020, mediados pelo presidente Trump, foi uma das ações mais recentes e significativas para estabelecer a normalização das relações entre Israel e Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein e em seguida do Sudão e Marrocos.
O acordo estabelece uma aliança formal e fortalecida na região, promovendo estabilidade sob a égide de segurança compartilhada, cooperação tecnológica e econômica. Firmando alianças com Israel, os demais países do Oriente Médio, também se alinham mais estreitamente aos interesses estratégicos dos EUA, de maneira a lhes permitir acesso a bases militares e cooperação em inteligência militar. Este foi o caso dos EAU que vislumbraram no acordo a possibilidade de maior eficácia e combate à ameaça do Irã.
O estabelecimento desses acordos com Israel sem resolver a questão palestina reflete uma mudança significativa nas prioridades das nações árabes, que anteriormente estavam, pelo menos oficialmente, alinhadas à causa palestina. Esse realinhamento sugere que, embora o apoio à causa palestina persista em nível discursivo, os Estados árabes estão cada vez mais inclinados a buscar relações pragmáticas com Israel, baseadas em interesses estratégicos e econômicos. Essa tendência também abre espaço para que outros países árabes considerem a normalização com Israel no futuro, alterando a dinâmica geopolítica do Oriente Médio, em particular a própria Arábia Saudita, de longo o maior produtor e exportador de petróleo árabe.
Os Acordos de Abraão consolidam uma aliança estratégica que não apenas reconfigura relações entre Israel e os países árabes signatários, mas também reforça a influência dos EUA no Oriente Médio. Embora promovam cooperação econômica e diplomática, esses acordos têm como principal implicação o fortalecimento da segurança regional por meio de parcerias em defesa e inteligência, alinhadas aos interesses norte-americanos. Ao criar um eixo de estabilidade que une aliados regionais, os acordos pavimentam o caminho para a ampliação da cooperação militar, conectando diretamente à presença estratégica dos EUA e ao fornecimento de suporte tecnológico e armamentista, essencial para a manutenção da ordem regional.
O apoio militar dos EUA no Oriente Médio é uma das pedras angulares da sua estratégia de controle. Com várias bases espalhadas por locais estratégicos como Arábia Saudita, Catar e Kuwait, os EUA conseguem monitorar e proteger importantes rotas energéticas e responder rapidamente a crises regionais. Essa infraestrutura militar também permite projeção de poder e reforça alianças regionais com parceiros estratégicos,incluindo Estados conservadores e monarquias, que historicamente têm se mostrado receptivos ao apoio militar e financeiro dos EUA para manutenção da ordem doméstica, que em troca, se alinham aos interesses ocidentais.
O apoio militar e tecnológico dos Estados Unidos a Israel, incluindo o fornecimento de assistência financeira significativa e sistemas avançados de defesa, como o sistema de interceptação de mísseis Iron Dome, reforça o papel de Israel como um aliado essencial para a segurança dos interesses estratégicos estadunidenses no Oriente Médio. Esse suporte não apenas fortalece a capacidade defensiva de Israel, mas também solidifica sua posição como uma âncora de estabilidade e segurança regional alinhada com os objetivos estratégicos dos EUA.
No entanto, a crescente presença de potências como a China e a Rússia no Oriente Médio, em um cenário de multipolaridade emergente, representa um desafio estratégico para os EUA. Investimentos chineses em infraestrutura por meio da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI) envolvem investimentos em portos, rodovias, ferrovias, energia e telecomunicações, além de acordos comerciais que reforçam a presença chinesa na região. O aumento da cooperação militar entre Rússia e alguns países da região, como a Síria e o Irã, sinalizam uma competição mais acirrada por influência. Esse cenário provoca os EUA à recalibrarem suas estratégias, ampliando esforços para preservar sua capacidade de influência e controle na região.
Impacto da guerra sobre o preço de petróleo
A escala dos conflitos do Oriente Médio provocou flutuações no preço do petróleo. Desde o início de outubro de 2023 pode se observar uma alta, chegando no final de novembro a US$ 81,11, antes do acordo de cessar-fogo com Hezbollah no Líbano. A invasão do Líbano tinha provocado uma alta de quase 9% na cotação.
Neste contexto, a importância se dá a ameaça do Irã a bloqueios marítimos no Estreito de Ormuz, ponto central de comercialização, dado que transporta cerca de 20% do petróleo produzido no mundo e é a principal ligação entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, porém, não há ameaças significativas de interdição da passagem de navios petrolíferas. No Iêmen, onde os Houthis estão em conflito com forças lideradas por um governo aliado da Arábia Saudita, também tem um papel importante nas tensões geopolíticas do Oriente Médio. O país está localizado em uma região estratégica, e há o risco de que as hostilidades no Iémen afetem rotas chave de transporte de petróleo no Golfo de Áden e Mar da Arábia. A cada ataque de mísseis e drones contra instalações de petróleo da Arábia Saudita pelos Houthis o preço do petróleo aumenta para depois baixar novamente.
Na análise retroativa, o preço teve uma tendência baixa apesar do aumento dessas tensões. Destacam-se entre elas o bombardeio de Israel ao Líbano, o qual matou líderes do Hezbollah e do Hamas. Ainda assim, a baixa demanda apresentada no mercado global e a alta capacidade ociosa mantém o preço em queda, apesar de terem ganhado impulso no final de outubro com o avanço de tropas israelenses. Antes desses conflitos, segundo o portal Eixos, o mercado já antecipava um período mais suscetível à volatilidade, com o controle de preços pela OPEP+ e incertezas econômicas globais. Neste conflito, os receios da interrupção fizeram o preço subir e ameaçaram a incidência de sanções ocidentais adicionais ao Irã.
Com os ataques no Líbano, aumenta o medo de interrupção no fornecimento do combustível, subindo o Brent em 1,68% e o WTI ( Referência estadunidense) em 1,94 %. A volatilidade do preço é influenciada também pelas eleições americanas e as medidas de estímulo à economia interna da China e o reflexo disso para sua demanda por petróleo, e, também, fortemente, por movimentações especulativas. Os mercados futuros de petróleo, são, de fato, um prato cheio para especulação com operadores comprando e vendendo para fazer lucros financeiros e não para entregar ou receber petróleo de fato. É uma situação de guerra e conflitos na região aumenta as atividades especulativos que explicam grande parte das flutuações.
Em suma, a variação do preço do petróleo em resposta à guerra em Gaza e aos acontecimentos envolvendo Líbano, Iêmen, e Irã, é um reflexo complexo da interação entre fatores geopolíticos, econômicos e de mercado com destaque para movimentos especulativos Da mesma forma, a queda do Bashar al Assad na Síria provocou alguma oscilação com um aumento de 1% no preço de petróleo.
Havia um certo alívio pelas restrições voluntárias à produção pela Opep e aliados, mas ressaltam que ainda haveria preocupação de investidores apesar da divulgação de estoques de petróleo pelos EUA. As sanções dos EUA contra o Irã e a possível escalada do conflito com a nação persa podem gerar novas flutuações nos preços, especialmente se o Irã se envolver ativamente na guerra ou se houver um ataque aos campos de petróleo ou instalações de refino. O papel da Arábia Saudita e das decisões da OPEC+ também serão cruciais para determinar se as flutuações nos preços serão temporárias ou se se tornarão uma tendência de longo prazo.
Conclusão
A partir da breve discussão levantada, é possível observar que, a combinação entre o apoio militar direto, bases militares, suporte tecnológico e financeiro a aliados como Israel, evidenciam como os EUA têm utilizado uma estratégia abrangente para consolidar sua influência no Oriente Médio.
Em um contexto de crescente multipolaridade, essa infraestrutura militar e as alianças estratégicas servem como pilares para a continuidade da projeção de poder norte-americana na região, mantendo seu papel como um ator indispensável no equilíbrio de forças do Oriente Médio.
Quanto ao impacto sobre os preços do petróleo, observa-se muita flutuação, que responde a acontecimentos específicos, mas com menor impacto na média do que se poderia esperar. Isso se explica por dois motivos: primeiro, muitas das flutuações refletem movimentos especulativos de curto prazo, e, segundo, os investidores confiam na supremacia do eixo militar Israel-EUA e na colaboração da Arábia Saudita para evitar interrupções nos mercados. Em nenhum momento, por exemplo, os países árabes da Opep ameaçaram com um boicote ao petróleo, como fizeram em 1973.
¹Agradecimentos aos professores Igor Fuser e Giorgio Romano Schutte