Ano VI, nº 94, 06 de fevereiro de 2025
Por Ana Luiza Fernandez Santos, Jéssica Batista, Kimberly Barandas, Vitor Cristian Maciel Gomes (Imagem: Official White House Photo by Shealah Craighead)
As recentes declarações do presidente, reeleito em novembro de 2024, sobre impulsionar as atividades produtivas e comerciais relacionadas aos combustíveis fósseis e reduzir os incentivos às energias renováveis, alertam para a provável diminuição do papel dos EUA na cooperação internacional relacionada à mitigação da crise climática. Um novo desafio para a diplomacia brasileira, que vem assumindo protagonismo internacional no tema nos últimos dois anos.
Introdução
Em novembro de 2024 diferentes setores da comunidade internacional, envolvidos e/ou preocupados com a crise climática, observaram com apreensão as eleições nos Estados Unidos. A vitória da do controverso republicano Donald Trump como o próximo presidente traz desafios em um contexto de avanço e agravamento da crise climática, já que as ações da potência global exercem brutal influência sobre o futuro da vida do planeta.
Já é de amplo conhecimento a postura negacionista que Donald Trump assumiu em seu primeiro mandato, de oposição às ações necessárias para combater o aquecimento global. Alinhada com as aspirações do setor de extrema-direita que ele representa, seus discursos e práticas estão claramente enraizados em interesses econômicos e políticos bastante específicos. Com a justificativa da defesa da liberdade em detrimento da sustentabilidade global, o movimento rejeita a ciência climática, em grande medida, por suas críticas às ideologias do neoliberalismo, do nacionalismo e do antiglobalismo. Além das ameaças que traz à toda a cadeia produtiva relacionada aos combustíveis fósseis.
Simultaneamente à vitória de Trump, o terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva vem reposicionando o Brasil como ator diplomático com grande protagonismo na agenda climática global. A dúvida é sobre como o Brasil conseguirá articular a continuidade de sua proatividade, em meio aos constantes ataques de Trump à agenda. As recentes declarações e propostas de Trump anunciam reversões e retrocessos ainda mais graves, e a ausência da potência hegemônica nos acordos de cooperação fragiliza ainda mais as tentativas de conter o aquecimento do planeta.
A agenda climática no primeiro mandato de Donald Trump
Uma das primeiras ações de Trump no começo de seu primeiro mandato, em 2017, foi assinar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Construído coletivamente pelos 195 países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), o acordo visa limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5°C até 2030. Na contramão do documento, Trump facilitou a extração de carvão mineral em estados como Virginia e Kentucky e revogou medidas do Plano de Energia Limpa aprovado na presidência de Obama, que buscava reduzir em 32% as emissões de carbono até 2030. E em 2020, antes de deixar a presidência, flexibilizou a construção de oleodutos e usinas de energia em regiões biodiversas protegidas, ao modificar a Lei Nacional de Política Ambiental.
De acordo com o National Geographic, Trump revogou mais de 100 normas ambientais sobre a emissão de gases de efeito estufa durante o seu primeiro mandato. Outras ações neste sentido foram: a alteração na Lei de Águas Limpas de 1972; a tentativa de revogar uma ordem executiva da era Obama, que exigia que fosse considerado o aumento do nível do mar em projetos com verba federal; a alteração na regra de economia de combustíveis para novos carros produzidos; a autorização para o uso de explosões promovidas por canhões de ar sísmico nas buscas por gás e petróleo; a tentativa de alterar a Lei de Espécies Ameaçadas e a Lei do Tratado de Aves Migratórias; e a retirada das mudanças climáticas da lista de ameaças à segurança nacional. Foi possível observar, também, o esvaziamento da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e o apoio explícito a indústrias de combustíveis fósseis.
Possíveis perspectivas futuras da Agenda Climática de Donald Trump
A escolha do ex-deputado nova-iorquino Lee Zeldin, um republicano abertamente contrário à pauta climática para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), anuncia as perspectivas de Trump para os próximos 4 anos. A escolha de Zeldin corrobora a promessa de campanha de “matar” e “cancelar” a EPA, exaltando o compromisso de “priorizar a produção de energia a” e revitalizar a indústria automobilística do país, para “trazer de volta os empregos americanos“. Em discursos, Trump ressuscitou o bordão republicano de 2008: “Drill, baby, drill”, que reforça seu total apoio à exploração de combustíveis fósseis e os objetivos de diminuir os incentivos para fontes renováveis. Ele retomou o plano de abandonar a UNFCCC, para além de sair do Acordo de Paris, prometendo a aceleração da aprovação de todos os projetos de energia, com foco em combustíveis fósseis e energia nuclear.
A postura negacionista de Trump e sua base eleitoral contradiz o consenso científico de que atrasos em ações climáticas agravam exponencialmente os custos econômicos e humanitários futuros. Pesquisas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que o “tempo de reversão” para evitar os piores impactos das mudanças climáticas está se esgotando, sendo necessárias ações imediatas e ambiciosas, com os Estados Unidos desempenhando um papel crucial devido à sua influência econômica e política.
O retorno de Trump ao poder anuncia, portanto, um retrocesso nacional e na cooperação global em questões climáticas. No que diz respeito às questões internas, sua administração pode minar regulações ambientais, facilitando a exploração de áreas protegidas e reduzindo penalidades para poluentes industriais. Mas é importante frisar que existe uma pressão crescente de setores empresariais e multinacionais, assim como de governos estaduais como Califórnia e Nova York, que reconhecem a necessidade da transição ecológica e energética. Muitas vezes desafiando diretamente as políticas federais, estes setores avançam com iniciativas de energia limpa. Essa tensão interna será um fator crucial para determinar a eficácia e o alcance das futuras políticas climáticas de Trump.
O papel dos Estados Unidos no enfrentamento da crise climática global é central, principalmente pelo lugar político e econômico que o país ocupa no mundo, e a conduta de Trump coloca em risco o regime internacional de mudanças climáticas. As decisões tomadas pelos Estados Unidos — seja pela liderança federal ou por esforços descentralizados — terão implicações profundas no futuro do planeta.
Na esteira da reeleição de Trump, portanto, o protagonismo do Brasil na agenda climática se depara com duas situações: a primeira relacionada à necessidade de angariar espaço nas discussões e nos processos de tomadas de decisões e, a segunda, a possibilidade de esvaziamento da agenda como desdobramento da postura trumpista. No primeiro ano de governo Trump o trunfo brasileiro é “jogar em casa”, aproveitando a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30).
A primeira a acontecer na Amazônia, a COP-30 vai acontecer em novembro de 2025, na cidade de Belém do Pará.São esperadas delegações dos 193 países membros da ONU, incluindo chefes de Estado, diplomatas, investidores e empresários. As expectativas para o evento são altas e o governo brasileiro vem trabalhando interna e externamente para que o mesmo seja bem-sucedido. Como anfitrião, a COP-30 coloca o país como centro das discussões ambientais em todos os seus desdobramentos, desde firmar resoluções e metas coletivas para mitigação das mudanças climáticas até proporcionar investimentos e financiamentos para países em desenvolvimento.
Independente de Trump, portanto, o Brasil deve continuar se colocando como agente importante nesse esforço global, utilizando de suas qualidades diplomáticas para coordenar propostas, sem permitir que a sombra negacionista recaia sobre a pauta.
Referências
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