Ano VI, nº 97, 20 de março de 2025
Por Ana Camille da Fonseca, Giovanna de Araujo Veloso, Guilherme Trindade, Manuela Oliveira S. Alves e Ana Tereza Marra
(Imagem: Ricardo Stuckert/ Agência Brasil )
A cúpula deste ano ocorre em um clima de incertezas tanto no que se refere ao contexto geopolítico global, como no que diz respeito às possibilidades de avanço dentro do próprio agrupamento. A tarefa do Brasil, de mediar distintas posições nesse cenário, pode produzir uma cúpula sem grandes entregas, mas ainda assim, com resultados importantes para o país.
O ano de 2025 começou com o Brasil assumindo a presidência de um dos principais foros de articulação político-diplomática dos países do Sul Global: o BRICS +. Com mais de 100 reuniões previstas para acontecer entre fevereiro e julho, a presidência brasileira orientou como principais eixos de discussão: Cooperação em Saúde Global; Comércio, Investimento e Finanças; Mudança climática; Governança da Inteligência Artificial; Arquitetura Multilateral de Paz e Segurança; e Desenvolvimento Institucional.
A cúpula no Brasil, a 17ª do BRICS, irá ocorrer em julho. Ela foi antecedida pela 16ª, que foi realizada em outubro de 2024, em Kazan, na Rússia, na qual se definiu uma nova expansão para o agrupamento, que agora conta, além dos países que deram origem a sigla (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), com a Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã na categoria de membros plenos, e como países parceiros: Belarus, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
Incertezas Geopolíticas
A volta de Donald Trump à casa branca e a forma como sua gestão tem lidado com os assuntos globais é um elemento de pressão sobre a Cúpula dos BRICS+, tanto devido a medidas concretas tomadas pelo governo estadunidense que afetam os países do agrupamento, como pelas ameaças que vem sendo feitas a possíveis decisões futuras do grupo.
A retomada da guerra comercial tem afetado um grande grupo de países no mundo, entre eles Brasil e China. A China anunciou no início do mês tarifas de 10 a 15% em produtos agrícolas e alimentícios dos EUA em retaliação a medidas anteriores do governo Trump. No caso do Brasil, definido pelas siderúrgicas estadunidenses como a “China da América Latina”, por supostamente subsidiar a produção siderúrgica nacional, tem havido tentativas de negociação para mediar as tarifas ao aço impostas por Trump.
Além da guerra comercial, o governo estadunidense tem embarcado em sérias medidas de bullying racial contra a África do Sul, as quais todos os países do Sul Global deveriam se levantar contra. Sob a alegação SUPREMACISTA, FALSA e RACISTA de o que país tem praticado discriminação contra africâneres e roubado suas terras, Trump cortou a ajuda ao país, ofereceu asilo a sul-africanos brancos e expulsou o embaixador da África do Sul dos EUA.
Trump também tem ameaçado o grupo BRICS+. Embora o presidente demonstre não ter conhecimento de quem realmente são os países que formam parte no agrupamento – durante uma entrevista na casa branca, chegou a afirmar erroneamente que a Espanha seria parte do BRICS+ -, em várias ocasiões demonstrou agressividade ao rebater a possibilidade de que o grupo venha a desenvolver meios de pagamentos, ou mesmo uma moeda, que possa substituir o dólar. Recentemente, chegou a dizer que aplicará tarifas de 100% caso o grupo faça algo nesse sentido.
Esse cenário de incertezas provocado por Trump gera um desafio para a Cúpula dos BRICS+ e para a posição de interlocução e mediação que o Brasil costumeiramente tenta manter na sua política externa. De um lado, as medidas do governo Trump necessitariam de uma resposta política à altura, de outro, soprar mais vento no fogo pode fazer com que ele aumente. Ainda não está claro se o interesse dos países do BRICS+ vai ser manter o grupo como um elemento reformador da ordem global, ou se o grupo vai partir para uma contestação aberta que o contraporia aos EUA. Na verdade, não parece ser interesse de grande parte dos países do grupo – incluindo a China, Índia e Brasil –, que a atuação se dê nessas bases.
Incertezas no BRICS+.
Ainda, há incertezas dentro do grupo. Embora tenha passado por uma expansão que fortaleceu o BRICS no cenário global e o tornou mais representativo, não houve fortalecimento institucional do grupo. O BRICS+ não é uma organização internacional ou instituição. Não tem tratado constitutivo e nem regras claras de funcionamento e ingresso dos países. Embora se use costumeiramente a palavra “bloco” ou “aliança” para se referir ao grupo, não se pode afirmar que há uma atuação em bloco dos países, muito menos que constituam uma aliança. Com o crescimento do número de países, resolver as coisas por consenso e com cada país tendo poder de veto – que é o modo como as decisões vêm sendo tomadas – pode dificultar que o grupo avance em políticas mais efetivas e também que, na ausência de secretariado e recursos humanos específicos, se possa lidar com a tradução dos seus interesses afirmados nas cúpulas em ações efetivas.
Um dos eixos colocados pelo Brasil como prioritário à cúpula, assim, é o desenvolvimento institucional. O desafio será pensar uma forma de organização que mantenha, de um lado, a flexibilidade e liberdade que cada país do grupo quer resguardar na sua participação no BRICS+ e, de outro, gerar algum comprometimento que fortaleça o grupo sem amarrá-lo.
Outro desafio para a cúpula – até diante das incertezas geopolíticas mencionadas anteriormente – será produzir entregas de impacto ao seu final. Quando da cúpula do Brasil em Fortaleza, em 2014, o BRICS produziu as suas entregas de maior impacto: a constituição do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR). Para a cúpula deste ano, a presidência brasileira indicou que irá continuar a pautar, como colocado na declaração final de Kazan de 2024, a reforma do ACR, tentando torná-lo mais acessível. Contudo, no que diz respeito ao desenvolvimento de meios de pagamentos, ainda não está claro se será possível chegar a algum ato até o fim da cúpula – seja para a facilitação de pagamentos em moedas locais, ou mesmo uma moeda (ou unidade de conta) do BRICS+. Embora o presidente Lula tenha reforçado a necessidade de desdolarização, as discussões técnicas para colocar isso em prática ainda precisam amadurecer entre os países.
Comprometimento
Apesar das incertezas, a presidência brasileira afirma estar empenhada em fazer uma cúpula de sucesso. No início do ano, o Brasil trocou o negociador no grupo, substituiu Eduardo Paes Saboia pelo secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, Mauricio Carvalho Lyrio. Ainda, o Brasil tem se animado com a possibilidade de criar uma ponte entre a Cúpula e a COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança Climática), que também terá palco no Brasil em 2025, pautando-se nas discussões sobre o combate às mudanças climáticas.
No caso da China, ainda não há a confirmação se Xi Jinping vai comparecer presencialmente à cúpula. Ressalta-se que o presidente chinês sempre esteve presente nas cúpulas do BRICS (exceto as que se realizaram de maneira online durante a pandemia). Assim, seria a primeira vez que faltaria a uma cúpula presencial. A diplomacia chinesa afirma que esse ano é de muitas demandas, inclusive com a realização do Fórum China-CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) na China, no qual o presidente Lula participará. De todo modo, dentro da promessa chinesa de “ascensão pacífica” e promoção de um mundo multipolar, os BRICS+ exercem um papel fundamental. Tanto o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, quanto o presidente Xi Jinping reafirmaram, em mais de uma ocasião, a disposição da China em colaborar com os outros membros do BRICS+ para construir uma ordem multipolar. O grupo, enquanto uma plataforma de diálogo, possibilita a articulação de países emergentes em prol da promoção de reformas na governança global e da cooperação Sul-Sul, pontos defendidos pelas autoridades chinesas. A partir dos BRICS+, a China divide com outros países a responsabilidade de propor mudanças na ordem internacional, apresentando seus interesses como resultado de um consenso maior dos países em desenvolvimento. Diante disso, o Estado chinês foi um dos principais defensores da expansão do agrupamento.
Referências
Brasil. Relações Exteriores. Brasil assume a presidência do BRICS em 2025. Brasília, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/01/brasil-assume-a-presidencia-do-brics-em-2025. Acesso em: 15 mar. 2025.
Rittner, Daniel. Siderúrgicas nos EUA definem Brasil como a “China da América Latina”. 17/03/2025. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/sma-brasil-siderurgia-eua/
Charleaux, Jõao Paulo. O bullying racial de Trump contra a África do Sul. Nexo, 18/03/2025. https://www.nexojornal.com.br/trump-africa-do-sul-questao-racial-refugio-pessoas-brancas
Fonseca, Nathalia. Brasil assume presidência do Brics e vai sediar cúpula do bloco no Rio de Janeiro. Brasil de Fato, 2 jan. 2025. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/01/02/brasil-assume-presidencia-do-brics-e-vai-sediar-cupula-do-bloco-no-rio-de-janeiro/. Acesso em: 15 mar. 2025.