Ano VI, nº 99, 17 de abril de 2025
Por Ana Izadora Rodrigues Bezerra, Isabella Barbosa Loiola
Levi Manoel dos Santos, Luciana Henrique de Araújo, Rafael Alves Fernandes
(Imagem: Unsplash)
Nas primeiras horas de seu novo mandato, Donald Trump assinou vários decretos específicos na área de energia, sendo o mais importante aquele que declara Emergência Energética — o que soa um tanto estranho em um país que já havia se tornado, de longe, o maior produtor de petróleo e gás do mundo, além de exportador de energias fósseis. A medida, no entanto, faria jus ao slogan de sua campanha, “drill, baby, drill”, que conclama o aumento das perfurações em busca de petróleo e gás.
Para entender a visão do novo governo e o que se pode esperar, será apresentada a experiência de seu primeiro mandato (2017–2021). Em seguida, serão analisadas as medidas do governo Biden (2021–2025), com as quais Trump pretende romper de forma drástica.
Energia no Trump 1.0
Eleito para seu primeiro mandato em 2016 com o slogan “America First”, Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos prometendo, já na época, reverter a chamada “guerra contra o carvão” e reindustrializar o país com foco na produção energética baseada em combustíveis fósseis. Logo nos primeiros meses de governo, iniciou uma mudança significativa nas políticas ambientais e energéticas. Sua gestão foi marcada pela desregulamentação ambiental, pela retirada de acordos internacionais de mitigação climática e pelo fortalecimento das indústrias de petróleo, gás e carvão.
Entre os primeiros atos do governo Trump, destacaram-se as ordens executivas que reativaram os oleodutos KeystoneXL e Dakota Access, projetos suspensos durante a gestão Obama por seus potenciais impactos socioambientais. Em seguida, o governo anulou o Plano de Energia Limpa (Clean Power Plan), que visava reduzir as emissões de carbono do setor elétrico. A medida foi justificada como uma forma de eliminar barreiras regulatórias que, segundo a administração, comprometiam a competitividade da indústria do carvão.
Esse conjunto de ações marcou uma inflexão na política climática dos EUA, tendo como ponto decisivo o anúncio, em junho de 2017, da retirada do país do Acordo de Paris — tornando-se o único membro do G20 a rejeitar formalmente o pacto climático. A decisão gerou fortes críticas de aliados tradicionais do país e de lideranças empresariais, que enxergavam na transição energética uma oportunidade de inovação e vantagem competitiva global.
A reorientação estratégica do governo Trump se aprofundou com medidas voltadas à ampliação da exploração de petróleo e gás em terras públicas e águas federais. Em 2018, o Departamento do Interior propôs a maior abertura da história para perfuração offshore, abrangendo quase toda a costa continental dos EUA. Embora justificadas como ações para fortalecer a segurança energética nacional, essas iniciativas enfrentaram resistência de governos estaduais, de organizações ambientalistas e até de setores da própria indústria, preocupados com a instabilidade regulatória.
Ao longo do primeiro mandato, a política energética de Trump consolidou-se como uma “destransição” deliberada: não apenas interrompeu os avanços rumo a uma matriz energética mais limpa, como também buscou reverter institucionalmente o arcabouço regulatório ambiental do país. Esse movimento gerou tensões internacionais que ainda influenciam os debates sobre o futuro energético dos EUA.
Política Energética do Biden e o Inflation Reduction Act
Durante o governo de Joe Biden (2021–2025), os democratas aprovaram, em 2022, o Inflation Reduction Act (IRA), ou Ato de Redução da Inflação, em português. A iniciativa buscava fortalecer a independência dos Estados Unidos no setor energético por meio do incentivo às fontes renováveis, porém sem interromper a exploração de gás e petróleo de xisto. O IRA previa a criação de novos impostos para grandes empresas, com o objetivo de direcionar investimentos à energia limpa. O IRA mobilizou cerca de US$700 bilhões, com metas de reduzir o uso de carbono e ampliar a soberania energética do país.
O governo prometeu que o IRA ajudaria a reduzir as contas de energia dos cidadãos. No entanto, ao aumentar a carga tributária sobre empresas do setor energético, a medida gerou, no curto prazo, um efeito contrário: o repasse dos custos aos consumidores. Como o mercado estadunidense ainda depende fortemente de combustíveis fósseis, a queda no valor das tarifas só tende a ocorrer gradualmente, à medida que a transição para fontes renováveis se consolida.
Uma semana antes da posse de Donald Trump, o governo Biden garantiu a proteção de cerca de 84% (US$ 96,7 bilhões) dos subsídios para energia limpa previstos no IRA. Vinculados a contratos firmados por órgãos federais, esses recursos foram estrategicamente protegidos para dificultar qualquer tentativa de reversão por parte da nova administração. A medida buscava assegurar a continuidade da transição energética no país, financiando programas voltados à redução das emissões de carbono.
Ainda antes da posse de Trump, Biden também proibiu novas explorações offshore de petróleo e gás em regiões dos oceanos Atlântico e Pacífico na costa dos EUA. A decisão foi tomada com base na Lei da Plataforma Continental Exterior de 1953, que concede ao governo federal autoridade sobre os recursos marítimos. A reversão dessa medida exigiria aprovação do Congresso, o que representa um obstáculo às propostas de Trump, centradas na expansão dos combustíveis fósseis.
Em 2024, fontes renováveis como a energia solar e eólica representaram 17% da geração elétrica do país, ultrapassando o carvão. Estados como Califórnia (solar) e Iowa (eólica) lideraram essa produção, impulsionada pelos incentivos do IRA.
Apesar de seu compromisso com a energia limpa, Biden autorizou o aumento das exportações de gás natural liquefeito (GNL) para a Europa durante a Guerra da Ucrânia, como forma de reduzir a dependência europeia do gás russo. Dois terminais — em Sabine Pass (Louisiana) e Corpus Christi (Texas) — receberam autorização para operar em capacidade máxima, exportando cerca de 20,4 milhões de metros cúbicos de GNL por dia.
Em paralelo, o avanço das montadoras chinesas de veículos elétricos (EVs) transformou o mercado automobilístico global. Empresas como Volkswagen, Volvo e General Motors vêm registrando queda nas vendas, especialmente na China, onde fabricantes locais dominaram rapidamente a produção. A participação de montadoras estrangeiras no mercado chinês caiu de 53% em junho de 2022 para 33% em julho de 2024, enquanto as marcas chinesas cresceram de 47% para 67% no mesmo período. E, com essa força, aumentaram as exportações dos EVs chineses para os EUA. A previsão é que, até 2030, as montadoras chinesas liderem o mercado global de EVs, produzindo o dobro de veículos em comparação com seus concorrentes. Essa tendência provocou um forte aumento nas tarifas de importação de veículos elétricos chineses por parte dos EUA ainda no governo Biden de 25% para 100%. E isso acabou atrasando o avanço da eletrificação, e, portanto, a descarbonização, do transporte individual.
Política energética no mandato atual de Trump
Desde que foi empossado para seu atual mandato presidencial em 20 de janeiro de 2025, Trump publicou 103 decretos presidenciais até o momento. Cinco destes foram direcionados para o tema da energia, evidenciando o grande interesse da nova administração. E tudo se alinha para o cumprimento do mote repetido em campanha, “Drill baby, drill”, e para a meta de aumentar a produção de petróleo e gás em 3 milhões de barris diários de óleo equivalente (BOE).
Em sua equipe de secretários, o presidente conta com pessoas leais aos ideais expressos nas suas ordens executivas. O secretário do Departamento de Energia, Chris Wright, é um empresário com experiência na área de energias fósseis. Foi CEO de algumas companhias, incluindo a Stroud Energy, uma das pioneiras na produção do petróleo de xisto, e se comprometeu com a visão de Trump de estabelecer uma dominância estadunidense no setor energético global. Já o secretário do Interior, Douglas Burgum, novo responsável pelas terras federais e conhecido como o “czar da energia” de Trump, é outro empresário e político ligado ao mundo de petróleo. Ex-governador republicano da Dakota do Norte por dois mandatos e beneficiado pelo lobby do setor petrolífero, é visto como um dos articuladores da grande doação do setor para a campanha de Trump em 2024.
Essa equipe se mostra alinhada ideologicamente à visão trumpista de segurança energética, colocando a questão em status emergencial usando os argumentos de que a maior disponibilidade de recursos energéticos é essencial para a segurança nacional, diante da necessidade de prontidão militar contra agentes externos, como a China. Também sustenta que está em jogo na questão energética a prosperidade dos EUA, mencionando a grande contribuição que o barateamento da energia pode dar para baixar a inflação, um dos temas da campanha de Trump. Esse último ponto deve ganhar muito destaque no período imediato, pois as tarifas alfandegárias aplicadas e/ou anunciadas têm um potencial inflacionário considerável.
A primeira ação de Trump foi a revogação de várias medidas do governo Biden. Entre elas, foi revogado o decreto de 2021 que estabelecia como um dos alvos centrais da administração federal atingir uma posição de liderança no incentivo à sustentabilidade e na promoção de inovação em práticas sustentáveis para o setor energético dos EUA,juntamente com o setor privado, em áreas como veículos, construções e principalmente eletricidade. Com essa revogação, as agências federais já não vão mais se guiar por estratégias voltadas para atingir as metas de neutralidade de emissões de carbono previamente estabelecidas, como a de alcançar, até 2030, 100% de eletricidade isenta de poluição de carbono em uma base líquida anual. Além disso, já foi anunciado que o país vai novamente se retirar do Acordo de Paris e que foi suspenso o arrendamento de projetos de energia eólica em terras federais.
Entre as primeiras medidas do novo governo, destaca-se ainda o decreto que declarou emergência nacional energética já no dia da posse, sinalizando a prioridade conferida ao tema. Em seguida, foi criado o Conselho Nacional da Dominância Energética, com o objetivo de promover a cooperação entre agências federais e conceder poderes extraordinários para acelerar a exploração e produção de energia, especialmente em terras públicas.
O foco está em impulsionar a infraestrutura necessária ao setor energético e abrir novas oportunidades de crescimento para a indústria de petróleo e gás. O conselho é presidido por Douglas Burgum e Chris Wright, e inclui nomes como Lee Michael Zeldin, atual diretor da Agência de Proteção Ambiental (EPA), conhecido por sua oposição às políticas ambientais da gestão Biden. A política energética do governo Trump, portanto, se estrutura na desregulamentação e no fortalecimento da produção nacional de combustíveis fósseis, com o argumento de garantir segurança energética e a competitividade industrial dos Estados Unidos.
Ilhas de sustentabilidade e resistência
Mesmo com retrocesso na agenda de transição energética no governo Trump, projetos autônomos de estados americanos continuam avançando. Ainda durante a campanha eleitoral, Trump enfatizou em diversas ocasiões o projeto de intensificação da exploração de energias não renováveis, como o xisto, e até mesmo a saída do Acordo de Paris. E, como vimos, nas primeiras semanas de mandato, como prometido, diversas ordens executivas e revisões de políticas energéticas anteriores têm sido realizadas no intuito de desregulamentar o setor energético doméstico e especialmente na produção de combustíveis fósseis.
No entanto, alguns estados já tinham estabelecido políticas públicas em governos anteriores com agendas promissoras para o enfrentamento da crise climática e a pauta da transição energética. É o caso da Califórnia, que estabeleceu metas importantes de energia limpa, como a exigência de que 100% da energia vendida no estado seja limpa até 2045, e também o lançamento do plano de neutralidade de carbono que tem como um dos seus principais objetivos reduzir o uso do petróleo em 94%. Iniciativas semelhantes aconteceram anteriormente à posse do novo governo, como no estado de Washington, com a aprovação do Clean Energy Transformation Act, e em Massachusetts, com a adoção do Clean Energy and Climate Plan.
Além disso, apesar do discurso negacionista da crise climática de Trump, as principais montadoras do país já possuem planos e metas estabelecidas de eletrificação da frota, como é o caso da General Motors, que já possuía um plano de eliminar a venda de veículos movidos a gasolina até 2035. Ou seja, as empresas estadunidenses continuam preocupadas com as tendências globais de uma frota mais sustentável, inclusive diante da concorrência chinesa nos EVs.
No caso da Tesla, é possível observar uma situação ainda mais curiosa, pois embora Elon Musk agora seja o chefe do Departamento de Eficiência Governamental do governo Trump, ainda continua a se beneficiar dos incentivos federais para veículos elétricos. Ou seja, apesar das reiteradas afirmações negacionistas da crise climática, a postura atual revela uma estratégia de liberalizar a exploração de energias fósseis ao mesmo tempo que ainda existe uma preocupação de não perder a competitividade global na corrida por energias limpas. Ou seja, o novo governo estadunidense se empenha, simultaneamente, em rejeitar a ideia da crise climática planetária e em impedir que a economia do país perca o protagonismo perante o avanço tecnológico da China e da Europa na corrida pelos carros elétricos e nas energias renováveis.
Não por acaso, o governo brasileiro está procurando garantir a presença, em Belém, de estados e municípios estadunidenses comprometidos com a agenda da COP30.
Considerações finais
As recentes medidas adotadas por Trump em seu novo mandato representam uma consolidação da chamada “destransição energética” nos Estados Unidos. Ao priorizar os combustíveis fósseis e reverter políticas ambientais do governo anterior, a administração atual busca reindustrializar o país por meio da expansão da produção de petróleo e gás, especialmente em terras federais. E ainda tornar o país um grande exportador de energias fósseis. Essa orientação política marca um retorno ao modelo energético do primeiro mandato de Trump, com foco na desregulamentação e no fortalecimento do setor privado de energia fóssil como vetor de crescimento econômico.
O reposicionamento energético dos EUA inclui a revogação de metas climáticas, como a neutralidade de carbono até 2050 e a geração de eletricidade 100% limpa até 2030. Ao se retirar novamente do Acordo de Paris e suspender os arrendamentos para energia eólica em terras federais, Trump rompe com compromissos internacionais e desacelera o avanço das fontes renováveis. A formação de um Conselho Nacional da Dominância Energética e a declaração de emergência energética conferem caráter de urgência e mobilizam o aparato federal para ampliar a exploração de combustíveis fósseis.
Essas ações têm gerado grande preocupação entre ambientalistas, cientistas e líderes internacionais. A reversão da política climática dos EUA ocorre em um momento em que os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alertam para a necessidade urgente de reduzir as emissões globais para evitar impactos irreversíveis. A continuidade do aquecimento global tem provocado eventos extremos mais frequentes, como secas, enchentes e ondas de calor, afetando tanto a segurança alimentar quanto a estabilidade econômica global. O governo Trump chegou, inclusive, em fevereiro, a proibir a participação de cientistas estadunidenses em uma reunião do IPCC na China, indicando que pretende também cortar a contribuição financeira para as pesquisas realizadas no âmbito do painel.
Diante desse cenário, o caminho trilhado pelo governo Trump não apenas isola os EUA dos esforços multilaterais de combate às mudanças climáticas como também coloca em risco os avanços tecnológicos e econômicos obtidos com os investimentos em energia limpa nos últimos anos. A política de priorização dos combustíveis fósseis, ainda que com ganhos imediatos para setores específicos da economia, tende a acirrar conflitos políticos, ambientais e comerciais, especialmente em um mundo cada vez mais pressionado por metas de sustentabilidade e transição energética.
Contudo, é preciso deixar claro que a aposta na exploração de petróleo e gás de xisto foi uma constante desde a segunda metade da década de 2000 e não foi interrompida pelo governo Biden. Foi nesse governo que os EUA bateram recordes de produção de petróleo, gás e carvão. O que muda com Trump é que ele pretende expandir ainda mais essa produção e, sobretudo, interromper os esforços que o governo Biden vinha fazendo para ampliar também a produção de energias renováveis e avançar na descarbonização por meio da eletrificação do transporte.
Para Trump, a aposta nos fósseis é um fim em si mesmo, e as demais políticas devem ser interrompidas e desmontadas. Cabe aos governos subnacionais, à sociedade civil e à academia manterem as chamas das energias renováveis acesas.
Agradecimentos aos professores Igor Fuser e Giorgio Romano Schutte