Impactos e oportunidades da guerra comercial para as relações Brasil-China

Ano VI, nº 99, 17 de abril de 2025


Ana Carolina Carvalho de Oliveira; Anderson Röhe; Édina Maria Santos Silva; Gabriel Gasques Nogueira; Livia Romano Fernandes da Cruz

(Imagem: Ricardo Stuckert/ Agência Brasil)

 

A atual guerra comercial infligida pelos Estados Unidos (EUA) vem impondo não só tarifas e barreiras econômicas aos demais países, mas um cenário internacional de incertezas e instabilidade, produzindo grande volatilidade do mercado financeiro e expectativas de aumento da inflação global. Ainda que o “tarifaço” de Donald Trump tenha aplicado a alíquota mínima de 10% aos produtos brasileiros, a medida preocupa, pois tende a afetar quase “todas as exportações de bens para os EUA”. Já a imposição de tarifas altíssimas a China – respondida com o também aumento de taxas da China para os EUA –, por um lado, pode favorecer as exportações de produtos brasileiros ao mercado asiático, por outro, forçará a China a escoar seus produtos para outros mercados, o que pode afetar o Brasil.

 

Brasil e China no tarifaço


A Política Externa Brasileira (PEB) tem como tradição adotar uma posição conciliadora nos conflitos, aberta ao diálogo e, diante desse cenário, não tem sido diferente. Os EUA são o “segundo principal parceiro comercial do Brasil” e importante mercado para produtos como aço e alumínio, consumindo 70% das exportações brasileiras desses itens (já ameaçados com 25% de sobretaxa). 

 

Na tentativa de reverter ou ao menos minimizar os impactos do chamado “Dia D”, diplomatas brasileiros viajaram aos Estados Unidos. A reunião visava se antecipar à negociação desse aumento tarifário e, ao mesmo tempo, reforçar que  uma política de reciprocidade poderia ser adotada. Contudo, até agora, a posição brasileira tem sido cuidadosa quanto a uma retaliação. Segundo Jorge Viana, presidente da APEX BRASIL (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o país optou por  “ ter cautela e aguardar para ver se as medidas serão realmente implementadas pelos Estados Unidos”

 

Como se sabe, o governo Trump tem sido cheio de idas-e-vindas. No último dia 11 de abril anunciou que suspenderia, por noventa dias, tarifas adicionais – mantendo uma base de 10% – para os países que não tinham retaliado os EUA. Na mesma ocasião estabeleceu que a China teria tarifas que alcançariam 145%. A China já havia anunciado anteriormente tarifas retaliatórias que foram ajustadas ao montante de 125% aos EUA.

 

Vitoriosos e perdedores no Brasil

 

Dentre todos os setores da economia nacional, o agronegócio desponta como possível beneficiado. Com a China sofrendo sucessivas taxações por parte dos EUA e respondendo à altura, com tarifas retaliatórias sobre produtos norte-americanos — especialmente agrícolas como soja, carne bovina e carne de frango —, Pequim não demonstra ceder àquelas pressões e ameaças, voltando seus olhos para o Brasil, parceiro com quem já possui um histórico como fornecedor confiável de tais commodities.


É por isso que a administração Trump enfrenta resistências internas até mesmo do setor agrícola dos EUA, que tem criticado as tarifas impostas, temendo prejuízos com o fechamento de mercados internacionais e o aumento dos custos de insumos como fertilizantes. As entidades estadunidenses do agronegócio entendem que a guerra comercial pode favorecer concorrentes, como o Brasil, especialmente nas exportações de soja e milho.


Assim, espera-se que haja incremento da demanda chinesa por produtos brasileiros, o que pode produzir, por um lado, ganhos ao agronegócio mas, por outro, a depender do apetite asiático, esse incremento da demanda pode ter efeitos internos no Brasil, como o aumento dos preços de bens que passam a ser destinados para as exportações. 


Outro possível efeito pode ser um aumento das importações chinesas. Com as tarifas incidindo sobre produtos industriais, como os carros elétricos, há a tendência que a China expanda ainda mais suas vendas para países emergentes, o que pode impactar negativamente a produção e desenvolvimento locais. Há uma preocupação da indústria brasileira, receosa de sofrer um “tsunami” de produtos chineses contra os quais tem dificuldades de concorrer. Considerada a balança comercial entre Brasil-China apenas para produtos manufaturados, o Brasil tem sido cronicamente deficitário.

 

A posição do Brasil


A guerra comercial propagada pelo governo Trump desafia a ordem multilateral e o livre comércio — pilares do regime comercial internacional. Sendo um defensor do multilateralismo, o Brasil tem como posição tradicional a defesa do papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) para promover a resolução pacífica de conflitos nessa seara, incentivando a negociação dentro de um sistema não de imposições unilaterais, mas baseado em regras. Lula já afirmou que poderá recorrer à OMC em decorrência do tarifaço


Contudo, com a OMC paralisada pelos EUA, o Brasil terá que buscar outras saídas, “ampliando acordos bilaterais e regionais”, e fortalecendo laços com a Ásia, Europa e África para mitigar os riscos da instabilidade atual e aproveitar as oportunidades que surjam do acirramento dessa disputa generalizada dos EUA contra o mundo.

 

A depender da própria evolução do tarifaço – e da continuidade de taxas elevadas para países que têm sido grandes fornecedores de bens industriais aos EUA – o Brasil pode tentar estender possíveis ganhos para além do agro. Os EUA são um dos principais consumidores de produtos industrializados para o Brasil. A meta central do governo Lula é promover a neoindustrialização do país sob bases digitais, tecnológicas e verdes. Se o Brasil permanecer como um dos menos atingidos pelo tarifaço de Trump, pode-se abrir a oportunidade de atrair investimentos produtivos ao país para que sirva como hub de exportações.


Isso porque a imposição de tarifas mais pesadas pelo país que é o maior consumidor do mundo, os EUA, a nações exportadoras, reforça a tendência global de reorganização de cadeias produtivas. Em artigo escrito pelo OPEB, em 2023, foi destacado que no movimento de reorganização das cadeias globais de valor pelos processos de nearshoring e friendshoring, existem oportunidades para que o Brasil absorva a demanda deslocada por essa reorganização. Nos olhos de outras nações, o Brasil pode ganhar ainda mais atratividade pelas negociações em curso, como no acordo Mercosul-União Europeia que pode ser acelerado pelo tarifaço.


Cenários possíveis


De todo modo, o que permanece por enquanto é um cenário de indefinições. Ainda não estão claros os impactos em termos de elevação de custos e possível perda de acesso competitivo ao mercado estadunidense, decorrente das tarifas, além da incerteza para investimentos internos e externos. Espera-se que haja um aumento global da inflação, bem como chegou-se a apontar queda da atividade econômica e até riscos de recessão para os EUA. Esses são elementos que podem neutralizar os efeitos positivos que o Brasil poderia ter.


Integrantes da equipe governamental brasileira afirmam que um quadro mais claro sobre os acontecimentos e os impactos para a economia ficará mais evidente nas próximas semanas, já que vários países estão buscando acordos com a Casa Branca


No que concerne às relações Brasil-China, no cenário da guerra comercial, embora o incremento de comércio possa ocorrer tendo o agronegócio como setor nacional beneficiado, é preciso pontuar que um dos resultados será o aprofundamento do padrão comercial vigente, no qual o Brasil vende bens básicos de pouco valor agregado, e compra bens manufaturados mais incrementados da China. Esse padrão não condiz com a meta do governo Lula de neoindustrialização do país. Tal fato só reforça a necessidade de o governo brasileiro seriamente discutir projetos conjuntos com a China, nos quais investimentos produtivos chineses possam contribuir para a modernização e desenvolvimento tecnológico nacional. 


Na visita que Xi Jinping fez ao Brasil, em novembro de 2024, os países estabeleceram um plano de cooperação para o fortalecimento de “sinergias” entre os países. Neste se afirmava que os países identificariam “projetos de interesse comum”, priorizando: “i) cooperação financeira; ii) ampliação da infraestrutura, a partir de projetos indutores do desenvolvimento; iii) desenvolvimento de cadeias produtivas, especialmente de alta tecnologia em setores como inteligência artificial, energia, saúde pública, digital, aviação civil e aeroespacial; iv) transformação ecológica, com destaque para os setores de energia, veículos, descarbonização e resiliência ambiental; e v) cooperação para transferência tecnológica e desenvolvimento de tecnologias estratégicas, promovendo a inovação”.


Portanto, com o desdobrar da guerra comercial, torna-se mais urgente que essas discussões avancem.


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