Cenários Futuros para a política externa de Trump para a Palestina e Israel

Ano VI, nº 100, 30 de abril de 2025 


Por Alice Maia, Bruno Mendelski, Gustavo Mendes de Almeida, Isabela Oliveira e Laura Felipeto

(Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

 

O presente trabalho investiga a política externa do atual presidente dos EUA, Donald Trump para a Palestina e Israel. Inicialmente expomos uma breve contextualização da eleição do mandatário, bem como do histórico de Washington com a região. Posteriormente refletimos sobre a diplomacia de Joseph Biden e por fim, baseado na metodologia de construção de cenários futuros de Schwartz (1991) e Schoemaker (1993), apresentamos alguns cenários possíveis para a política externa de Trump para a Palestina e Israel.

 

A vitória eleitoral de Donald Trump, na eleição estadunidense de 2024, marca o início de uma nova fase do nacionalismo exacerbado nos EUA. Diferentemente do que aconteceu em 2016, quando Trump chegou pela primeira vez à Casa Branca, o projeto MAGA (Make America Great Again) conquistou sólida legitimidade eleitoral no último pleito, uma vez que Trump alcançou não apenas o maior número de delegados no colégio eleitoral, mas também obteve a maioria dos votos totais: 49,9% para o republicano contra 48,4% para a democrata Kamala Harris – oito anos antes, Trump conseguiu a maioria dos delegados mas perdeu nos votos totais para Hillary Clinton (UOL, 2016). 

 

Seguindo uma tendência global, a eleição foi marcada por campanhas de desinformação, disseminadas não apenas no meio virtual mas também em eventos de grande magnitude, como no debate presidencial da ABC News, onde Trump afirmou que imigrantes haitianos estavam se alimentando de pets na cidade de Springfield (G1, 2024), no estado de Ohio, por exemplo. Um relatório do Center for Countering Digital Hate (CCDH, 2024) destacou que a plataforma X (antigo Twitter), controlada por Elon Musk – atual Conselheiro Sênior do presidente e cabo eleitoral de Trump ao longo da campanha -, foi o maior núcleo de fake news das eleições estadunidenses, com cerca de 2 bilhões de visualizações de mentiras. 

 

O processo eleitoral do ano passado garantiu ao Partido Republicano a maioria tanto na câmara quanto no senado. Isto aliado ao fato de a Suprema Corte possuir maioria conservadora, corrobora ainda mais o fortalecimento de Trump neste segundo mandato. Desde que tomou posse, Trump deu uma série de declarações de viés expansionista, como a possibilidade de anexar o Canadá, controlar o Canal do Panamá, a Groenlândia e, sobretudo, a Faixa de Gaza, que vem sofrendo com intensos ataques por parte de Israel desde o ataque terrorista do Hamas de outubro de 2023 (AL JAZEERA, 2025).

 

A proximidade de Israel e Estados Unidos, ainda que tenha se fortalecido com o episódio de 11 de Setembro, é muito antiga, tendo início com o reconhecimento do Estado de Israel (1948), e com estreitamento das relações a partir da Guerra de 1967, onde o país obteve o consentimento dos EUA para a invasão da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Colinas do Golã (HUBERMAN; et al, 2024). No entanto, o apoio da potência à Israel, muitas vezes saiu caro para os Estados Unidos, visto que dificultava sua relação com o mundo árabe. Isso pôde ser observado durante a guerra de Outubro de 1973, a qual os EUA forneceram 2,2 bilhões em assistência militar de emergência ao país, e em contrapartida recebeu embargo de petróleo dos países membros da Opep. Ainda assim, sustenta-se a ideia do lobby israelense, em que um grupo de indivíduos atuam para influenciar a política externa dos EUA, convencendo os americanos de que os interesses dos Estados Unidos e os de Israel são idênticos. (MEARSHEIMER, WALT; 2006). 

 

Além disso, é válido citar que Washington fornece apoio diplomático de forma irrestrita à Israel, vetando, desde 1982, 32 resoluções do Conselho de Segurança críticas a Israel, além de o socorrer em tempos de guerra e tomar seu partido nas negociações de paz (Ibid). Nesse sentido, Israel é o país que mais recebe assistência econômica e militar dos Estados Unidos, sendo o único Estado que não precisa justificar seus gastos. Em vista disso, dado o confronto com o grupo Hamas, o apoio financeiro concedido à Israel atingiu seu recorde, com o envio de 17,8 bilhões de dólares em 07 de outubro de 2024 (PODER 360, 2024).

 

No que se refere a Donald Trump, em seu primeiro mandato o presidente adotou medidas favoráveis à Israel em relação ao conflito existente com os palestinos. Em 2018, Trump moveu a embaixada do país de Tel Aviv para Jerusalém, estabelecendo a última como a capital de Israel; rompendo assim com o consenso internacional de não reconhecer Jerusalém como capital da Palestina ou de Israel até que o conflito esteja encerrado (G1, 2018). Também cabe citar a elaboração de uma proposta de criação de dois Estados, no começo de 2020. Neste plano, o futuro Estado palestino teria sua capital fora da cidade de Jerusalém. Além disso, Trump admitiu abertamente que não existiria direito de retorno para os palestinos e seus descendentes que estivessem fora de seus territórios ancestrais (TORRES, 2020). Ainda que a solução tenha sido amplamente rejeitada pelos palestinos e a proposta não tenha ido adiante, as tensões regionais permaneceram. Outra medida relevante foi a mediação estadunidense para a normalização de relações de Israel por alguns países árabes (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão), no âmbito dos Acordos de Abraão. A medida foi criticada por ignorar a situação Palestina no contexto de normalização dos árabes com Israel (LEON, 2023). Ademais, vale ressaltar que a política externa do governo Biden não foi propriamente uma antítese do governo anterior de Trump, uma vez que o segundo manteve o desnível na correlação de forças entre Israel e Palestina, ainda que com importância reduzida (HUBERMAN; NASSER, 2022).

 

Já durante o Governo Biden, o conflito entre Israel e Palestina se intensificou. Os ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e as ofensivas por parte de Israel resultaram no agravamento da crise humanitária na região. Nesse sentido, na maioria do período que concerne à sua administração, o governo Biden foi incondicional em seu apoio a Israel, reiterando sua forte aliança inúmeras vezes, enviando recursos substanciais ao país e defendendo fortemente a ideia de legítima defesa do Estado judeu contra os territórios palestinos (UNITED STATES, 2023). Os vetos estadunidenses às propostas de cessar-fogo imediatas elaboradas no Conselho de Segurança da ONU, bem como a incisiva condenação do mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra o 1º Ministro de Israel (qualificada como ultrajante) igualmente demonstram o vigoroso alinhamento de Washington com Tel Aviv (LUKIV, 2024).

 

Fora isso, apenas em alguns breves momentos, Biden, apoiado por alguns membros de seu partido, desaprovou ações tomadas por Israel e exigiu mudanças na postura do aliado, principalmente quanto ao fluxo de ajuda humanitária em Gaza (DEYOUNG; HUDSON, 2024). Entretanto, o governo Biden sempre voltou rapidamente a afirmar o suporte inabalável dos Estados Unidos a Israel e nunca manteve uma posição firme de condenação às ações desproporcionais de Tel Aviv e a seus crimes de guerra.

 

Logo no início de seu novo mandato, em fevereiro de 2025, Trump propôs novos planos para a Faixa de Gaza. Ao lado do premier israelense Benjamin Netanyahu – o primeiro líder estrangeiro a ser recebido na nova gestão – o presidente anunciou uma proposta que prevê o domínio estadunidense a longo prazo sobre a Faixa de Gaza, o deslocamento forçado e permanente da população palestina para países vizinhos, e a reconstrução do território. O objetivo seria transformar o local em um empreendimento imobiliário com fins lucrativos e turísticos, incitando a ideia de transformar Gaza em uma “Riviera do Oriente Médio”, com geração de empregos, oportunidades de investimento e, eventualmente, um lugar para “as pessoas do mundo morarem” (CNN, 2025; G1, 2025; CBS NEWS, 2025). A declaração gerou forte repercussão, principalmente entre os palestinos, os quais reagiram de forma amplamente negativa. Mas qual seria a real intenção por trás dessa declaração?

 

O fato é que o governo Trump 2.0 retoma sua agenda pró-Israel, seguindo a orientação de seu primeiro mandato e do longo histórico de alinhamento entre os EUA e o Estado israelense. As próprias nomeações de figuras como Marco Rubio, indicado para o cargo de secretário de Estado, e Mike Waltz, nomeado conselheiro de segurança nacional — ambos defensores declarados do Estado israelense e críticos da abordagem mais cautelosa adotada por Biden – reforçam esse direcionamento. (HADAR, 2024). Dito isso, quais seriam os principais cenários possíveis da diplomacia estadunidense para os próximos anos para a Palestina e Israel?

 

Para tentar responder a essa pergunta, recorremos à metodologia de construção de cenários, que essencialmente procura construir várias possibilidades de resultados possíveis (SCHOEMAKER, 1995). Trata-se de um esforço teórico de imaginar contingências futuras  a partir da identificação das tendências básicas e incertezas (SCHWARTZ, 1991). É importante esclarecer que os cenários não são previsões, mas narrativas plausíveis que ajudam indivíduos e organizações a visualizar e se preparar para diferentes futuros possíveis (SCHOEMAKER, 1995).

 

De acordo com o modelo proposto por Schoemaker (1993), o processo de edificação de cenários passa pela identificação e reflexão acerca das principais tendências e incertezas relacionadas ao tema de estudo. A primeira refere-se a elementos conhecidos que, provavelmente continuarão a evoluir numa direção conhecida. A segunda, aponta para os fatores críticos cuja direção ou impacto futuros são altamente incertos.

 

Como principais tendências elencamos quatro itens: 1) continuação do apoio dos EUA á Israel, impulsionado pelo alinhamento ideológico da gestão Trump com governos de direita nacionalista como o de Netanyahu; 2) prosseguimento da direita em Israel e consequentemente, sua política de expansão da ocupação; 3) enfraquecimento da unidade árabe em apoio à Palestina; 4) manutenção pela comunidade internacional das críticas sof à Israel e incremento tímido ao reconhecimento da Palestina.

 

Acerca das incertezas, listamos quatro fatores: 1) surgimento ou não de uma nova intifada palestina ou guerra regional capitaneada pelo Irã e seus aliados (Hezbollah, Houthis, Hamas); 2) extensão ou desestruturação dos Acordos de Abraão; 3) enfraquecimento do Trumpismo e de seu envolvimento no Oriente Médio; 4) reconciliação entre Fatah e Hamas potencializada por apoio da China. 

 

Baseado nas inter relações entre as tendências e incertezas, elaboramos três cenários possíveis, centrados no nível de engajamento estadunidense: 1) “Aliança Eterna”; 2) “Ausência, incertezas e mais guerra”; 3) “Paz dos cemitérios”. No primeiro cenário, Trump se envolve intensamente no Oriente Médio, refletindo seu alinhamento ideológico com Netanyahu. Assentamentos israelenses são expandidos na Cisjordânia e prontamente reconhecidos pelos EUA. A Faixa de Gaza é totalmente anexada por Israel. Por pressão e ameaça dos EUA, os Acordos de Abraão são ampliados, marginalizando ainda mais a causa palestina. Há a ocorrência de conflitos locais, mas o Irã, acometido por grave crise econômica e política, tem o seu poder regional reduzido, e dessa forma, inexistem grandes escaladas regionais significativas. 

 

No cenário dois, notamos uma política inconsistente dos EUA na região, que oscila entre desengajamento e engajamento. Inicialmente, Washington deixa de envolver-se diretamente, como parte do incremento do isolacionismo do país. Nesse contexto a China surge como importante player, contribuindo para a pacificação de Fatah e Hamas. A reconciliação, evolui para uma nova intifada, impulsionada pela decisão de Israel de anexar a Faixa de Gaza. O regime iraniano, sob forte pressão interna pela deterioração das condições sócio-econômicas do país, intensifica seu apoio a suas proxies, e ocorre uma guerra regional. Os EUA abandonam sua postura de isolacionismo e posicionam-se fortemente ao lado de Israel. A ação expansionista israelense sob o território palestino faz os Acordos de Abraão desmoronarem, levando a região a um grande nível de incerteza.

 

Por fim, no último cenário, observamos que Trump, buscando prestígio internacional e também edificar um legado positivo, se engaja em negociações de paz na Palestina e Israel. Tel Aviv desiste de anexar a Faixa de Gaza, mas mantém os seus assentamentos ilegais na Cisjordânia. O governo de Netanyahu cai e é substituído por uma administração menos racional. Dessa forma, a nova gestão israelense é convencida por Trump a autorizar que a Autoridade Palestina governe Gaza, e os EUA lançam um ambicioso plano de reconstrução do território. Vendo essa possibilidade de aumentar o seu poder, a Autoridade Palestina aceita um acordo de paz que prevê um Estado Palestino independente em um prazo de dez anos, compreendendo Gaza, parte da Cisjordânia e sem Jerusalém como capital. O acordo sofre grandes críticas por parte da população palestina e dos demais países árabes e muçulmanos. A Autoridade Palestina enfrenta grandes dificuldades e boicotes internos para gerir Gaza, a direita radical retoma o poder em Israel, e o plano de paz de Trump naufraga.

 

Referências

AL JAZEERA. The human toll of Israel’s war on Gaza – by the numbers. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2025/1/15/the-human-toll-of-israels-war-on-gaza-by-the-numbers>. Acesso em 14 abr. 2025.  

DEYOUNG, Karen; HUDSON, John. U.S. to link military aid to Israel with access for humanitarian aid to Gaza. The Washington Post, 15 out. 2024. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/national-security/2024/10/15/us-weapons-israel-gaza-aid/. Acesso em: 19 abr. 2025.

CBS NEWS. Trump, Netanyahu hold news conference at White House. 04 de fevereiro de 2025. Disponível em: 

https://www.youtube.com/live/dLFEnR1J7Tk?si=yXvofyB0uZyRF_Zi. Acesso em 14 abr. 2025. 

CENTER FOR COUNTERING DIGITAL HATE. Musk’s political posts. Disponível em: <https://counterhate.com/research/musk-political-posts-x/>. Acesso em 19 abr. 2025.

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CNN. Trump diz à CNN que Faixa de Gaza pode se tornar “Riviera do Oriente Médio”. 04 de fevereiro de 2025. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-diz-a-cnn-que-faixa-de-gaza-pode-se-tornar-riviera-do-oriente-medio/  Acesso em 14 abr. 2025

G1. Em meio a forte polêmica, EUA inauguram nesta segunda sua embaixada em Jerusalém. 14 de maio de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/em-meio-a-forte-polemica-eua-inauguram-nesta-segunda-sua-embaixada-em-jerusalem.ghtml 

HADAR, Leon. Israel And Donald Trump 2.0: Rerunning Trump 1.0? The National Interest. Disponível em: https://nationalinterest.org/feature/israel-and-donald-trump-20-rerunning-trump-10-214094  Acesso em 21 abr. 2025.

HUBERMAN, Bruno; NASSER, Reginaldo. Continuidades entre as políticas externas de Biden e Trump para Palestina/Israel. Conjuntura Internacional. Belo Horizonte, v.19 n.2, p.16 – 24, jul. 2022

HUBERMAN, Bruno; NASSER, Reginaldo Mattar; dos Santos, AGOSTINELLI, Isabela. Guerra Global ao Terror: o “urbicídio” no centro da aliança EUA-Israel. Tensões Mundiais, Fortaleza, v.20, N.42, p.263-285, 2024.

LEON, Lucas. Entenda como acordos de Israel podem ter influenciado ataque do Hamas. Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-10/entenda-como-acordos-de-israel-podem-ter-influenciado-ataque-do-hamas 

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PODER 360. Com US$ 228 bi, Israel é o país que mais recebeu ajuda militar dos EUA. 07 de fevereiro de 2025. Disponível em:  https://www.poder360.com.br/poder-internacional/israel-e-pais-que-mais-recebeu-ajuda-militar-dos-eua/ 2025.

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TORRES, José Ignácio Castro. La propuesta de Trump para Palestina: condiciones leoninas para un acuerdo imposible. Instituto Español de Estudios Estratégicos, n. 17, p.19-28, fevereiro de 2020. Disponível em: https://publicaciones.defensa.gob.es/media/downloadable/files/links/b/o/boletin_ieee_17.pdf Acesso em: 14 de abril de 2025.

 

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