Ano VI, nº 100, 30 de abril de 2025
Por Ana Beatriz Santos, Gustavo Botão, Letícia Lelis, Rafaela Galhumi e Tuany Nascimento
(Imagem: RS/ Fotos Públicas)
Brasil reforça a sua aposta no multilateralismo, enquanto setores do agronegócio veem oportunidade de ampliar exportações e a indústria nacional teme uma enxurrada de produtos chineses.
A disputa comercial no primeiro governo Trump
O primeiro governo Trump (2017-2021) já havia implementado uma política protecionista, com a inclusão de “metais relacionados à segurança nacional” em uma lista de produtos (Seção 232 da legislação comercial dos Estados Unidos) que foram tarifados ainda em 2018, afetando as exportações brasileiras de aço e alumínio para o país. Duas semanas depois, Trump isentou Brasil, Argentina, Austrália, União Europeia e Coreia do Sul dessa tarifa, com as alíquotas voltando para 0,9% para o aço e 2,0% para o alumínio.
Em 2019, Trump anunciou tarifas sobre o aço (25%) e o alumínio (10%) brasileiros. O Brasil é o segundo maior exportador de aço semiacabado e o 14º maior exportador de alumínio para os Estados Unidos. O presidente dos Estados Unidos usou como justificativa para a sobretarifa uma suposta desvalorização artificial do real frente ao dólar para aumentar as exportações brasileiras, criando um mal-estar com seu aliado, Jair Bolsonaro (2019-2022). O então presidente brasileiro afirmou que conversaria com Trump e que descartava qualquer retaliação. Após um alívio nas tensões comerciais com a China, Trump suspendeu a tarifação de 2019 sobre o Brasil, mantendo contudo a tarifação sobre o aço e o alumínio por serem metais prioritários de acordo com a Seção 232. Em dezembro de 2022, durante o governo de Joe Biden (2021-2025), a Organização Mundial do Comércio (OMC) entendeu que tal aplicação de tarifas de acordo com a Seção 232 violava as normas internacionais de comércio.
Aço e Alumínio
Em março de 2025, em seu segundo mandato, o presidente Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio. A Casa Branca justificou a medida como uma política para ‘proteger as indústrias críticas de aço e alumínio dos Estados Unidos, prejudicadas por práticas comerciais desleais estrangeiras e excesso de capacidade global’. Além disso, o governo alegou que a medida era necessária para reativar a capacidade ociosa da indústria siderúrgica nacional, que estaria operando abaixo de 80%.
Segundo o governo americano, a efetividade das tarifas de aço e alumínio foi comprometida pela isenção para países como Brasil, Coreia do Sul, Canadá, México, Reino Unido etc. A Casa Branca alega que as isenções permitiam que um volume significativo de importações continuasse entrando nos Estados Unidos sem taxas, diminuindo a pressão sobre os principais produtores estrangeiros (especialmente a China) e o estímulo à produção doméstica.
Para o Brasil, segundo maior exportador de aço, a medida representa um desafio econômico significativo para o setor. Estima-se que o país pode enfrentar uma redução de 36,2% nas exportações e mais de 10% nas vendas totais para os Estados Unidos, que representaria uma perda de até US$ 1,5 bilhão ou 1,6 milhão de toneladas em vendas considerando que o Brasil exportou US$ 12,9 bilhões em produtos de ferro e aço básicos, ou 13,9 milhões de toneladas. A retração no PIB seria de até 0,03%, tendo um impacto não tão significativo em termos macroeconômicos.
Os efeitos já estão sendo sentidos. Ainda que março de 2025 tenha sido o melhor mês para as exportações brasileiras (671,4 milhões de quilos, US$ 495 milhões), a comparação com fevereiro (630 milhões de quilos, US$ 540 milhões) revela um aumento no volume, mas uma retração de cerca de 8,5% na receita.
O mercado brasileiro de aço também sente os impactos da desaceleração econômica chinesa, particularmente em commodities, que faz com que o aço bruto da China, antes consumido internamente, seja agora despejado no mercado global. O aço chinês exerce ainda maior pressão sobre o setor brasileiro devido a seus preços competitivos, resultado de baixos custos operacionais, tecnologia avançada e subsídios governamentais. A indústria siderúrgica brasileira cobra revisão das cotas tarifárias e a utilização de mecanismo de defesa comercial.
Em nota, o Instituto Aço Brasil, assim como em 2018, aposta na via diplomática e no diálogo com os Estados Unidos para tentar reverter a tarifação por meio da negociação de cotas, buscando preservar o acesso ao mercado americano, e também, reforçando o fortalecimento da relação entre os países, antes de qualquer medida retaliatória.
As tarifas de 2 abril e seus impactos econômicos no Brasil
O Brasil foi incluído no rol de países sujeitos pelos EUA à tarifas “recíprocas” suas sobre importações, sob o pretexto de corrigir déficits comerciais de US$ 1,2 trilhão. Mesmo com um superávit de US$ 410 bilhões no comércio com o país nos últimos 15 anos, os EUA impuseram uma tarifa mínima de 10% sobre as exportações brasileiras. As tarifas mínimas de 10% entraram em vigor em 5 de abril, afetando 126 países. Grandes economias, como a China, sofreram tarifas ainda maiores após o anúncio, chegando a 225%.
Longe da reciprocidade, o cálculo tarifário consistiu em dividir o déficit comercial em bens pelas importações totais americanas e, em seguida, pela metade. A simplificação do cálculo tarifário de Trump falha ao não considerar a complexidade dos déficits americanos, que decorrem de fatores como alto consumo interno, taxas de juros, excesso de fluxos de investimentos e sobrevalorização cambial. Steve Miran, conselheiro econômico de Trump, atribui os déficits comerciais dos EUA ao papel central do dólar no sistema monetário global, um fenômeno conhecido como o Dilema de Triffin (1960). Ele argumenta que essa posição privilegiada leva a distorções cambiais e prejudica a competitividade industrial americana. Miran defende que as tarifas funcionam como um mecanismo para distribuir os custos desse sistema entre outras nações. Além disso, acredita que as tarifas trariam benefícios a longo prazo, permitindo que as economias afetadas recuperem seus preços competitivos por meio da desvalorização cambial.
O impacto econômico imediato das tarifas de 10% no Brasil é incerto e divide opiniões: alguns veem o país como vencedor, outros, um futuro complexo para o comércio internacional. Os mais otimistas veem ganhos a longo prazo, com superávits na balança comercial. Tal efeito seria resultado do rearranjo dos fluxos de investimentos e comércio dos Estados Unidos para o mercado brasileiro. Ademais, a atratividade dos preços e a capacidade de produção do Brasil criariam a oportunidade para o país se firmar como um fornecedor relevante nos Estados Unidos, com potencial para substituir cerca de 1026 produtos antes importados do Canadá, da China e do México. A menor penalização tarifária ofereceria ao Brasil uma vantagem competitiva de preços para explorar novos mercados, onde há a possibilidade de suprir a demanda chinesa por soja, milho e carnes em geral. Adicionalmente, essa situação pode impulsionar a concretização do Acordo Mercosul-UE, fortalecendo as exportações para a Europa.
No entanto, esse otimismo requer cautela, pois a alta dependência e concorrência direta com os EUA podem neutralizar essa vantagem em certos produtos, como o suco de laranja, a carne bovina processada, o açúcar e o etanol. Outro ponto de atenção é a queda nas exportações de manufaturados, onde os EUA é um comprador chave. Esse reordenamento dos fluxos de comércio de commodities agrícolas terão impactos significativos, em que um aumento de 10% nas alíquotas médias resultará em uma queda de mais de 70% do volume exportado. O cenário acende alerta para o efeito em cascata do tarifaço sobre os preços da cadeia produtiva brasileira, pressionando a inflação. Também se projeta um surto de importações de produtos asiáticos impactando o mercado nacional, resultado do desvio de comércio – um fenômeno onde as barreiras comerciais direcionam o fluxo de bens de um país para outro, tornando o Brasil um mercado alternativo. Além disso, é esperado o aumento recorde de petições de medidas de defesa comercial, como dumping e subsídios. Ciente, o governo brasileiro monitora o cenário, buscando alternativas para manter a economia aberta às exportações.
A busca brasileira por uma solução diplomática e dialogada
Diante das promessas de imposição de tarifas adicionais por parte dos EUA, o governo adotou uma postura cautelosa, optando por aguardar um anúncio oficial antes de definir os próximos passos, sempre enfatizando que buscaria primordialmente o caminho do diálogo. À frente das tentativas de negociação com o governo estadunidense, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) buscaram garantir menores taxas no prometido “tarifaço”. Como referido, a argumentação adotada pelo Brasil teve como embasamento os sucessivos superávits dos EUA em relação ao comércio com o Brasil, fato que não refletiria de maneira alguma a necessidade de “restabelecer” uma “reciprocidade comercial”, como alegada por Trump.
No início de março, em nível ministerial, o Brasil se comprometeu a buscar uma solução diplomática. O Vice-Presidente e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, conversou com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnik, destacando de forma positiva o histórico das relações comerciais bilaterais. No dia seguinte, o Ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, entrou em contato com Jamieson Greer, Representante de Comércio dos EUA, para discutir o anúncio de que as tarifas seriam de 25%. Ambos os ministros trabalharam para estabelecer um consenso com a administração norte-americana.
Ao final de março, uma comitiva coordenada por Mauricio Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), viajou até os EUA para tentar negociar a posição do Brasil no “tarifaço”. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que “causaria até certa estranheza se o Brasil sofresse algum tipo de retaliação injustificada, uma vez que nós estamos na mesa de negociação desde sempre com aquele país justamente para que a nossa cooperação seja cada vez mais forte”.
Em nota conjunta publicada no dia 02 de abril, logo após o anúncio da imposição de tarifas adicionais no valor de 10% a todas as exportações brasileiras, o MDIC e o MRE lamentaram a decisão tomada pelo governo norte-americano. Reafirmaram que “o governo brasileiro avalia todas as possibilidades de ação para assegurar a reciprocidade no comércio bilateral, inclusive recurso à Organização Mundial do Comércio, em defesa dos legítimos interesses nacionais”.
Desafios e tensões no comércio multilateral
A busca por uma solução dialogada não significa que o Brasil estivesse despreparado para um cenário mais negativo. Durante a viagem que fez ao Japão, em 27 de março, o presidente Lula sinalizou que, se esgotado o caminho do diálogo, o Brasil consideraria abrir uma disputa na Organização Mundial do Comércio (OMC). Cabe lembrar que o Órgão de Apelação da OMC está paralisado desde 2019, quando Donald Trump bloqueou a nomeação de juízes — o que comprometeu o pleno funcionamento do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. Por mais que o órgão esteja inoperante, as regras da OMC permanecem em vigor e devem ser respeitadas — como destacou Celso Amorim, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais. O Brasil, inclusive, já utilizou o sistema multilateral para questionar práticas comerciais dos Estados Unidos no passado. Um caso emblemático é o do contencioso do algodão, em que o Brasil questionou os subsídios concedidos pelo governo estadunidense aos seus exportadores de algodão. Na ocasião, o Brasil saiu vitorioso na disputa e, embora tivesse autorização para retaliar os EUA em cerca de US$ 829 milhões, optou por não aplicar as sanções.
Diante da atual paralisação do Órgão de Apelação, a alternativa multilateral que ganha força é a da coordenação com outros países igualmente prejudicados pelo tarifaço imposto pelos EUA. Um exemplo claro dessa articulação surgiu já na semana seguinte ao anúncio das tarifas, durante a 9ª Cúpula da CELAC, que reúne os 33 Estados da América Latina e do Caribe. A Declaração de Líderes adotada no encontro reforçou o compromisso regional com o multilateralismo e condenou expressamente a “imposição de medidas coercitivas unilaterais que restringem o comércio internacional”.
Diante desse cenário, fica evidente que o protecionismo exacerbado promovido por Trump pode, paradoxalmente, abrir uma janela de oportunidade para o fortalecimento do multilateralismo — tanto no plano regional quanto global.