Biocombustíveis – Brasil como parte da solução, mas com cuidado

Ano VI, nº 102, 29 de maio de 2025  

Por Jéssica Carolyne de Almeida Souza, Levi Manoel dos Santos, Luísa Braga Bianchet, Rafael Alexandre Silva de Moraes, Rafael Alves Fernandes

(Imagem: Unsplash)


Um tipo de fonte de energia conhecida pelo Brasil por mais de um século pode ser a resposta mais promissora para a atual e urgente transição energética. Os chamados biocombustíveis podem ser até 73% menos poluentes que os combustíveis fósseis e são classificados como energias renováveis, por serem produzidas a partir da queima de biomassa e de seus derivados – ou seja, podem ser cultivados em um período relativamente curto – como a cana-de-açúcar, soja, milho, dendê, mamona etc. No país, a produção e o uso desses combustíveis se consolidou notavelmente nos últimos anos, dando ao Brasil uma expertise única no setor, o que permitiu sua utilização como instrumento estratégico de sua política externa e sua inserção em acordos internacionais sobre energias mais limpas.


O histórico dos biocombustíveis no mundo remonta ao início do século XIX, com períodos de alta produção marcados por uma demanda instável que oscilava conforme os preços da gasolina. No Brasil, as primeiras experiências com biocombustíveis podem ser traçadas na década de 1920, impulsionadas pelo legado do resistente regime de produção açucareiro colonial, concentrado no Nordeste. No governo Vargas, na década de 1930, o etanol passou a ser incorporado a um projeto desenvolvimentista nacional, com a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o fortalecimento da atuação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). Essas instituições promoveram a expansão da produção para outras regiões, como o Centro-Sul, hoje predominante no setor. O etanol foi visto como uma solução para dois problemas centrais: a crise de superprodução de açúcar e a elevada dependência da importação de combustíveis. Já em 1931 que o presidente Vargas publicou um decreto obrigando a adição de 5% de álcool anidro à gasolina, décadas antes de se relacionar essa medida à descarbonização.

 

No período pós-Segunda Guerra Mundial, com a possibilidade de importações de petróleo, o interesse pelo álcool como alternativa diminuiu. O cenário mudou com o primeiro choque de Petróleo, em 1973, com a disparada dos preços da commodity. Em resposta, em 1975 a ditadura militar brasileira, sob o comando de Ernesto Geisel (1974-1979), lançou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). As medidas adotadas incluíram subsídios, incentivos à fabricação de veículos movidos a álcool e a obrigatoriedade da adição de 15% de álcool à gasolina, com o objetivo de triplicar a produção até 1985 e reduzir o impacto das importações de petróleo na balança comercial.  O programa perdeu sua eficácia com a queda dos preços do petróleo na década de 1980, embora descontinuado apenas durante o governo de Fernando Collor (1990-1992), com o fim generalizado dos subsídios no país, o que afetou negativamente tanto a produção de veículos a álcool quanto a oferta do combustível e levou o país a um cenário de desabastecimento. A partir de 1999, com a nova alta dos preços do petróleo e a desvalorização do real, o custo dos combustíveis voltou novamente a incentivar o uso do álcool como alternativa.


A efetiva retomada do setor ocorreu com o lançamento dos carros com motor flex durante o primeiro governo Lula, em 2003, e foi fruto da adaptação, por parte das montadoras, de uma prática popular já comum entre moradores das periferias de São Paulo de adaptar o motor para funcionar com gasolina e álcool. Essa introdução foi fundamental para restaurar a confiança no setor automotivo e impulsionar a demanda por etanol, fazendo com que as medidas de incentivo adotadas contribuíssem para o crescimento da produção de veículos e do combustível no início do século XXI.


Hoje, o Brasil é praticamente o único país onde o etanol hidratado é amplamente disponível em postos de combustível de norte a sul. Ao mesmo tempo, o país estabeleceu um mandato (exigência legal) muito elevado de mistura de etanol anidro, hoje de 27,5%. Ou seja, quem abastece 1 litro de gasolina, na verdade recebe 27,5% em etanol.


Esse cenário é fruto de uma herança histórica e de anos de políticas públicas que, embora muitas vezes descontinuadas, foram fundamentais para a consolidação do setor. Por essa razão, a combinação desses fatores históricos, econômicos e políticos coloca o Brasil em uma posição privilegiada no mercado de biocombustíveis. O atual governo aposta nessa experiência única no cenário internacional para promover uma “diplomacia dos biocombustíveis” para contribuir com a descarbonização do transporte, ainda que muitas vezes isso oculte contradições associadas ao uso do etanol.


Brasil no governo Lula III 


Se nos anos 2000 o Brasil adotava a chamada “diplomacia do etanol”, no atual contexto o Brasil avança para uma abordagem mais ampla que pode ser caracterizada como uma “diplomacia dos biocombustíveis”, alinhada com as crescentes demandas globais por soluções de transição energética.


A diplomacia do etanol, consolidada durante os primeiros governos Lula (2003-2010), representou o uso pioneiro dos biocombustíveis como instrumento de política externa, priorizando relações bilaterais, especialmente com países da América Latina e África. Ao mesmo tempo o governo pautava o uso de etanol em fóruns internacionais e regionais. Como visto, essa estratégia foi viabilizada por três fatores determinantes: o aumento constante do preço do petróleo, o desenvolvimento de conhecimento técnico após décadas de pesquisa no setor, e a introdução do motor flex pela Volkswagen em 2003. No terceiro governo Lula, entretanto, observa-se uma abordagem mais abrangente. Em vez de focar apenas na transferência de tecnologia e conhecimento, o Brasil agora se posiciona estrategicamente como produtor e fornecedor global de uma gama diversificada de biocombustíveis. Essa mudança de perspectiva reflete o amadurecimento do setor e a consolidação da expertise brasileira, permitindo ao país atuar com maior protagonismo nos espaços multilaterais.


A criação da Aliança Global para Biocombustíveis, em setembro de 2023, durante a Cúpula do G20 em Nova Delhi, exemplifica essa nova fase, no contexto do avanço das discussões sobre a descarbonização para controlar as mudanças e crises climáticas. A iniciativa, liderada por Brasil, Índia e Estados Unidos, reúne 19 países e 12 organizações internacionais, demonstrando o reconhecimento global da importância dos biocombustíveis na transição energética. O Brasil compartilhou sua experiência histórica no setor, colaborando com a Índia no desenvolvimento do seu programa nacional, que inclui a adoção de 20% de mistura de etanol na gasolina e fabricação de veículos com tecnologia flex.


Os biocombustíveis ocupam posição central na política industrial do atual governo, especialmente através do novo plano governamental de implantação da política industrial chamado de Nova Indústria Brasil (NIB), lançado em janeiro de 2024. A NIB apresenta metas ambiciosas até 2033, com ênfase na sustentabilidade e inovação. A Missão 5 do programa – Bioeconomia, descarbonização, transição e seguranças energéticas, destina R$ 468,4 bilhões em recursos públicos e privados para investimentos nesse setor (MME, 2024). Entre as metas estabelecidas destaca-se a ampliação da participação dos biocombustíveis e veículos elétricos na matriz energética de transporte em 27% até 2026, chegando a 50% até 2033. O programa estabelece seis cadeias prioritárias para desenvolvimento industrial, incluindo diesel verde, combustível sustentável de aviação (SAF), hidrogênio de baixa emissão de carbono e biometano (MDIC, 2024).


Um exemplo concreto desse investimento é a inauguração da Planta de Etanol de 2ª Geração do Bioparque Bonfim em Guariba (SP) em maio de 2024, com capacidade prevista de 82 milhões de litros de etanol. O ministro Alexandre Silveira destacou que este etanol de segunda geração pode alcançar uma pegada de carbono 80% menor que a gasolina comum brasileira e 30% menor que o etanol convencional, fortalecendo a chamada “economia verde” (MME, 2024).


A Lei do Combustível do Futuro, sancionada pelo presidente Lula em outubro de 2024, também representa outro marco para a política de biocombustíveis no Brasil. A legislação estabelece programas nacionais de diesel verde, combustível sustentável para aviação (SAF) e biometano, além de aumentar a mistura de etanol e biodiesel na gasolina e no diesel, respectivamente (Brasil, 2024). As novas diretrizes ampliam a proporção de mistura de etanol à gasolina, que passa de 22% a 27%, com possibilidade de alcançar a 35% (embora atualmente limitada a 27,5%). Quanto ao biodiesel, a partir de 2025 será acrescentado um ponto percentual de mistura anualmente até atingir 20% em março de 2030 (Brasil, 2024). Embora a lei não imponha obrigações específicas para as montadoras, o aumento do percentual de biocombustíveis naturalmente incentiva o desenvolvimento de veículos mais adaptados a essas misturas. Essa política estimula o aumento da produção de biocombustíveis, gerando empregos e promovendo desenvolvimento econômico alinhado aos objetivos de descarbonização.


O Brasil também tem se posicionado para liderar o mercado de Combustível Sustentável de Aviação (SAF). A partir de 2027, com a Lei do Combustível do Futuro, os operadores aéreos serão obrigados a reduzir gradualmente as emissões de gases de efeito estufa nos voos domésticos, começando com 1% e atingindo 10% em 2037, criando um mercado cativo para o SAF. Um estudo do Ministério da Fazenda indica que o SAF produzido a partir de etanol de cana-de-açúcar, por meio da rota Alcohol-to-Jet (ATJ), tem potencial teórico para gerar até 6,5 bilhões de litros por ano na próxima década, representando 23% do potencial total de produção estimado para o Brasil (Machado, 2025). O etanol de milho também apresenta capacidade projetada significativa, podendo contribuir com 5,5 bilhões de litros (20% do total). Este potencial atrai investimentos internacionais, como demonstra o investimento de US$1 bilhão anunciado durante a visita do Presidente Lula à China, em maio de 2024, pela Envision Group. A empresa chinesa pretende produzir hidrogênio, amônia verde e SAF a partir de cana-de-açúcar no primeiro Parque Industrial Net-Zero da América Latina. Também em maio passado, um Memorando de Entendimento foi assinado entre a empresa brasileira Raízen Energia S.A. e a companhia SAFPAC Ltd., de Hong Kong, estabelecendo as bases para uma futura parceria na produção do SA.F. A Petrobras também anunciou uma parceria estratégica com a Vale, que busca promover o combustível renovável para navios (biobunker), conhecido como Very Low Sulfur (VSL), que utiliza 24% de biodiesel em sua composição. Isso faz parte da estratégia de desenvolvimento da estatal, que visa se inserir no fornecimento de novos produtos no mercado de baixo carbono.


O Brasil também tem utilizado sua presidência em foros internacionais como G20, BRICS e a futura COP30 para promover a agenda dos biocombustíveis. No G20, sob liderança brasileira em 2024, o Grupo de Trabalho de Transições Energéticas (ETWG) publicou uma declaração conjunta que incluía os biocombustíveis como componente essencial para a descarbonização do transporte, com destaque para a padronização na contabilidade das emissões. Além disso, foi possível observar um movimento das lideranças nacionais para expandir a agenda e abrir novos mercados globais ao setor brasileiro. No BRICS, o Brasil também encontra alinhamento com sua visão sobre transição energética. O comunicado da 10ª Reunião de Ministros do grupo defende que os países devem escolher de forma independente a velocidade e os caminhos de suas transições energéticas, reconhecendo os biocombustíveis como alternativas importantes para combater formas de pobreza energética (BRICS, 2025).


Por fim, a COP30 que ocorre em Belém do Pará no final de 2025, representa outra oportunidade estratégica para o Brasil demonstrar liderança no uso de biocombustíveis para transição energética, especialmente nos setores de aviação e navegação. Em encontro promovido pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), o governo novamente os biocombustíveis como um instrumento fundamental na transição energética brasileira e eixo estruturante para descarbonização dos transportes. O país busca evidenciar que não há competição entre a produção de alimentos e biocombustíveis, promovendo maior previsibilidade para investimentos no setor. Essa articulação diplomática reforça uma vontade de atuação internacional do Brasil, que para além de reafirmar sua matriz energética limpa, também está instrumentalizando essa vantagem como um ativo geopolítico para negociações e retomada de protagonismo internacional pelas vias da diplomacia climática e energética. 

 

Perspectiva internacional 


Essa relevância do debate sobre os biocombustíveis vêm se expandindo para diversos países e é cada vez mais uma peça chave no mercado energético global. Olhando para um panorama internacional, o Brasil detém uma participação fundamental ao lado dos Estados Unidos, União Europeia, Indonésia e China. Em relação ao Etanol, segundo a World BioEnergy Association, Brasil e Estados Unidos juntos respondem por 80% da produção mundial. Além de seu impacto como fonte alternativa de energia, em 2023 o setor de bioenergia empregou aproximadamente 3,9 milhões de pessoas no mundo todo, sendo o Brasil o país que liderou o número de pessoas atuantes no setor de biocombustíveis líquidos, com um total de 994.350 trabalhadores envolvidos. 


A liderança dos Estados Unidos e do Brasil no setor de biocombustíveis está ancorada em uma combinação de vantagens naturais, uma elevada capacidade da estrutura produtiva de commodities em larga escala, e um arcabouço regulatório competitivo para o segmento. Ambos os países possuem uma vasta disponibilidade de matérias primas: o milho nos Estados Unidos e a cana de açúcar no Brasil – e ambas altamente eficientes em termos energéticos, possuindo menor intensidade de carbono quando comparadas ao petróleo. 


Entretanto, existem também políticas públicas que favorecem o mercado. Nos Estados Unidos, a Renewable Fuel Standard (RFS) determina  as metas anuais de produção de biocombustíveis, e uma das políticas do governo americano foi isentar os produtores do pagamento de impostos federais até, pelo menos, 2025. No Brasil, a principal iniciativa é a RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, instituída pela Lei nº 13.576/2017, que promove a expansão dos biocombustíveis na matriz energética nacional. Além disso, outras iniciativas como a concessão de créditos de PIS/Cofins para os produtores contribuem para tornar a produção e a comercialização nacional mais competitiva.


Embora a agenda climática do governo de Donald Trump tenha sido marcada por tensões e retrocessos em relação às fontes renováveis, como a solar e a eólica, no caso dos biocombustíveis é possível observar uma sinalização de continuidade no apoio político e institucional ao etanol de milho devido à sua importância econômica direta para o agronegócio. É possível também observar como os produtores de biocombustíveis exercem forte influência sobre a política norte-americana. Em janeiro de 2025, a secretária de Agricultura, Brooke Rollins, afirmou que o setor de biocombustíveis continuará sendo fundamental para a política energética do país. Sua fala reafirma o interesse dos Estados Unidos em manter os biocombustíveis como um setor estratégico dentro da matriz energética. Desta forma, os biocombustíveis estão na agenda do governo muito mais como uma política de desenvolvimento econômico e segurança energética do que diretamente como uma preocupação com uma crise climática mundial. 


Outros países também estão buscando replicar esses modelos para aumentar a participação de biocombustíveis em suas matrizes energéticas. É o caso da Índia, que tem como meta atingir 20% de mistura de etanol na gasolina até 2025, sendo que em 2023 o país já tinha alcançado 11,5% de mistura. Além da pauta climática, o crescimento da produção de biocombustível é uma questão de segurança energética para o país, que visa uma redução na utilização do petróleo que é majoritariamente importado. 


Na União Europeia o percentual de mistura varia de acordo com as legislações individuais de cada país, mas todos eles estão sujeitos a normativa do RED II (Renewable Energy Directive), que tem entre suas principais exigências a meta de no mínimo 14% de energia renovável nos transportes até 2030. Além disso, o bloco teme que o impacto dos biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas agrícolas seja maior do que o previsto inicialmente. Por esse motivo, a UE tem incentivado o desenvolvimento de alternativas aos biocombustíveis convencionais, com uma meta de que a participação de fontes renováveis no setor de transportes alcance 29% até 2030.


Críticas


Neste contexto, é possível observar como o desenvolvimento do etanol no Brasil apresentou contradições no passado e que estão em curso atualmente. O debate em torno da competição entre alimentos e combustíveis (food x fuel), das relações de trabalho ao longo da cadeia produtiva e as tentativas para internacionalizar os biocombustíveis evidenciam a posição contraditória do país como uma das lideranças globais na transição energética e na produção de biocombustíveis.


O principal argumento contrário aos biocombustíveis que prevaleceu nos últimos anos defende que a plantação de biomassa voltada para sua fabricação comprometeria a produção de alimentos, impactando a segurança alimentar de uma parcela da população, além de ocasionar o aumento dos preços dos alimentos usados para a produção. No entanto, um estudo produzido pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) demonstrou que o impacto dos biocombustíveis sobre a segurança alimentar, no caso do Brasil, varia de acordo com uma gama de fatores, e que não há diferenças significativas quando se compara a origem (comestível ou não comestível) da matéria-prima utilizada para produzi-los. Uma importante variável que influencia os efeitos sobre a alimentação é o índice sociodemográfico. Em países com um baixo índice, como o Brasil, a produção dos biocombustíveis mostrou-se benéfica para a segurança alimentar, devido ao ganho de produtividade resultante de novas técnicas de plantio e colheita, além da melhoria das condições de vida das populações rurais. 


Outro debate aborda os impactos sociais e ambientais ao longo da cadeia produtiva da produção dos biocombustíveis. Sua fabricação traz um grande benefício socioeconômico para as áreas rurais, sendo o setor das energias renováveis que mais emprega atualmente, com mais de 900 mil empregos gerados em 2023. Entretanto, a permanência do abuso de trabalho análogo à escravidão foi um fato polêmico envolvendo a produção de cana-de-açúcar no Brasil. Segundo o boletim divulgado pela Repórter Brasil, estima-se que, entre 2007 e 2009, cerca de 5.292 pessoas foram resgatadas de fazendas sucroalcooleiras em função das condições de trabalho, além da ocorrência de casos mais graves, em que os trabalhadores morreram devido à exaustão associada à colheita manual da cana. Ao longo dos anos, essa situação tem diminuído por dois motivos. Primeiro, graças às mobilizações nacionais e internacionais sobre o tema. O próprio setor entendeu a importância de limpar sua imagem, inclusive para garantir acesso aos mercados internacionais. Segundo, devido à implementação da mecanização nas plantações, que reduziu a necessidade de trabalho manual.


No entanto, em 2022 e 2023 novos casos associados a grandes empresas do setor, como a BP Bunge Bioenergia, a Usina Coruripe e a Raízen, foram identificados. Assim, mesmo com os avanços alcançados nos últimos anos, ainda é necessário reforçar a fiscalização sobre as relações sociais de trabalho ao longo de toda a cadeia produtiva, especialmente para atividades terceirizadas.  É fato também que o desmatamento decorrente da expansão da agropecuária é um problema presente no país. Nesse sentido, a produção de biocombustíveis apresenta vantagens no que tange ao uso e a conservação do solo. Estima-se que a capacidade produtiva de biocombustíveis pode aumentar em até 4 vezes nos próximos anos, sem aumentar a ocupação da terra existente. Isso decorre da utilização de técnicas como o plantio duplo, que aumentam a fertilidade do solo de forma natural e contribuem para a recuperação de terras degradadas pelo pasto.

 

Apesar do apresentado, o setor de biocombustíveis ainda enfrenta alguns desafios relacionados ao contexto político interno e a resistências quanto à entrada do país em mercados internacionais, como o da União Europeia.


No contexto interno, a RenovaBio foi questionada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no Supremo Tribunal Federal por supostamente violar cláusulas constitucionais, como a do meio ambiente ecologicamente equilibrado, da função social da propriedade e da livre iniciativa. O PDT também denunciou as relações de trabalho e o desmatamento. Outra ação levada ao STF foi a do Partido Renovação Democrática, que infere que a lei estaria discriminando as empresas de combustíveis fósseis, obrigando-as a pagar por créditos de descarbonização (CBIOs). Esses questionamentos demonstram que ainda há discordâncias políticas internas quanto ao potencial estratégico que o setor dos biocombustíveis representa para o país.


Não apenas isso, mas o Brasil continua também encontrando dificuldades no cenário internacional, principalmente para introduzir os biocombustíveis no mercado europeu, devido às barreiras impostas pela União Europeia. As justificativas dos países europeus giram em torno de preocupações com o desmatamento e com o comprometimento do Brasil com soberania alimentar, pontos que já foram discutidos anteriormente. Apesar disso, em abril deste ano, cientistas brasileiros e representantes da indústria foram a Londres apresentar uma série de estudos internacionais refutando tais críticas e defendendo o potencial dos biocombustíveis para a descarbonização dos transportes. (Machado, 2025)


Conclusão


Os biocombustíveis não são apenas importantes aliados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas funcionam também como instrumento internacional de política diplomática. Como descrito, o Brasil ocupa hoje essa posição de destaque no cenário internacional da transição energética graças à sua longa trajetória de desenvolvimento e uso dos biocombustíveis, dadas a partir de políticas como o Proálcool e, mais recentemente, a Lei do Combustível do Futuro e a Nova Indústria Brasil. Essa consolidação robusta de uma base técnica, produtiva e institucional, que permite manobras diplomáticas de liderança em agendas internacionais quando o tema é energias renováveis.  


Entretanto, essa liderança não está isenta de críticas e contradições. Questões como a disputa “food vs fuel”, os impactos ambientais e sociais da cadeia produtiva, e o risco de dependência de monoculturas impõem limites e desafios que precisam ser enfrentados com transparência e regulação eficiente se o Brasil quiser se firmar como um líder modelo no desenvolvimento de alternativas sustentáveis aos combustíveis fósseis – tratando sua implementação e desenvolvimento como parte de um projeto não apenas de soberania energética, mas também de coerência ambiental e social.


Com agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte

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