Militares e política doméstica

Por Flávio Rocha de Oliveira e Tarcízio Rodrigo de Santana Melho

A entrada em massa de militares nos governos pós-golpe de 2016 -em especial na gestão Bolsonaro – altera prioridades que vão de favorecimentos orçamentários e salariais até a definições de política externa, gerando tensões e movimentações pouco vistas desde o fim da ditadura

Quando se observam as matérias escritas na imprensa brasileira sobre o governo Bolsonaro, percebe-se que houve um aumento nítido na cobertura do estamento militar. Melhor dizendo: da cobertura crítica, com um escrutínio maior sobre as ações das Forças Armadas enquanto parte da coalizão governante.

Considerando-se as relações do governo Bolsonaro com os órgãos de imprensa brasileiros, que não estão alinhados a todas as pautas do governo – e isso vale tanto para a imprensa alternativa ou de esquerda, como Carta Capital, The Intercept ou TV247, como para os órgãos mainstream, como Organizações Globo, Folha de S. Paulo ou revista Veja –  também pode-se observar um aumento da cobertura negativa no atual ciclo de notícias de jornais, revistas, TVs e sites.

Em 3 de agosto, o G1/Rede Amazonas traz uma matéria em que a família de um soldado do exército, encontrado morto num Batalhão da região, afirma que o militar foi vítima de tortura.

Ainda em 3 de Agosto, o jornal Extra publica reportagem sobre um esquema de desvio de armas dentro de unidades da Força Terrestre no Rio de Janeiro.

Na sua edição de número 167, de agosto, a revista Piauí apresenta uma matéria de Mônica Gugliano sobre o confronto entre o presidente Bolsonaro e o STF em que o presidente decidiu dar um golpe destituindo os ministros do Supremo. Segundo o texto, o mandatário tomou a decisão no dia 22 de maio, quando o ministro Celso de Mello, em um procedimento de rotina decorrente de uma notícia-crime apresentada por três partidos, consultou a Procuradoria Geral da República (PGR) para saber se deveria ordenar a apreensão dos celulares do presidente e de seu filho Carlos.

“Vou intervir”!

Bolsonaro, então, se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno e anunciou “Vou intervir!”, referindo-se ao Supremo. Seu plano era enviar tropas militares, destituir os ministros e indicar outros “até que aquilo esteja em ordem”, segundo as palavras do presidente.

A reunião emendou com outra em seguida, da qual participaram os ministros André Mendonça (Justiça) e Fernando Azevedo (Defesa), além de José Levi, titular da Advocacia-Geral da União. O assunto girou em torno de como intervir de maneira lícita – ou ao menos com essa aparência – principalmente com base no artigo 142 da Constituição. Segundo a jornalista, apenas Heleno desaconselhou o movimento, e acabou convencendo o presidente a publicar a nota pública redigida e assinada pelo general. Essa nota causou comoção por seu tom de ameaça ao Poder Judiciário.

Na mesma edição da Piauí, o general da reserva Francisco Mamede de Brito Filho escreve sobre “a síndrome salvacionista [das Forças Armadas], tão presente ao longo da história da instituição militar”, e que “parece estar apresentando sintomas de recidiva”. Ele critica a anuência do Ministério da Defesa, ao permitir que militares da ativa assumam cargos políticos sem migrar para a reserva, e defende que a mesma postura exigida do ex-juiz Sérgio Moro (que abriu mão da magistratura para assumir o Ministério da Justiça de Bolsonaro) deveria se aplicar aos militares como Pazuello (Saúde) e demais comandantes. O autor também argumenta que a atual geração de chefes militares da ativa, da qual ele mesmo também faz parte, não é favorável à distorção do papel das Forças Armadas. Ele pontua sobre a importância de se manter uma comunicação institucional clara, sem ruídos, e que militares da ativa no governo são o maior contra-exemplo possível.

Comparação com os EUA

Em sua coluna no portal UOL, Kennedy Alencar critica a ação dos militares no episódio, faz uma comparação com seus equivalentes norte-americanos no sentido de dizer que esses últimos se oporiam a ideia semelhante vinda de Trump e faz um alerta ao sistema político brasileiro sobre as lições a se tirar do episódio.

Como seria de esperar, parte da imprensa procurou explorar o assunto. Em 9 de agosto, a coluna Painel, da Folha de S. Paulo, aponta para as versões contraditórias dos ministros que participaram da reunião com o presidente. Todavia, a repercussão da reunião não foi tão grande quanto se esperava dada a gravidade da matéria da revista Piauí.

Em 11 de agosto, O Estado de S. Paulo publicou em formato podcast um debate sobre se é preciso impor limites às nomeações de militares da ativa no governo e se essa relação entre o poder Executivo e a Forças Armadas interfere na autonomia das instituições.

No programa, o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia diz ser importante separar Estado e governo, em referência a quantidade de militares, principalmente da ativa, no Executivo federal. Para ele, essa proximidade pode acabar misturando as responsabilidades e gerando problemas. Para solucionar a situação, propõe uma medida para evitar essas indicações. O deputado não é o primeiro a se preocupar com a “militarização” do governo. O Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União também já demonstraram receio com o movimento.

Julgamentos no STM

No âmbito da atenção mais negativa que notícias relacionadas às Forças Armadas estão recebendo na mídia brasileira, vale a pena ler a matéria do portal Conjur, especializado em assuntos jurídicos. Em sua publicação Anuário da Justiça, ele teve acesso aos temas mais julgados pelo Superior Tribunal Militar em 2019. Na publicação, que data de 8 de agosto deste ano, consta que o delito de posse ou consumo de drogas por militares foi o principal tema julgado em 2019, com 347 processos. Seguido pela deserção, com 188 casos, estelionato, com 147 processos, e furto, com outros 128.

A Justiça Militar condenou 19 militares da ativa a penas que chegam a 16 anos, segundo reportagem de Marcelo Rocha na Folha de S. Paulo de 21 de julho. Empresários envolvidos em fraude de licitações de compra de alimentos para as Forças Armadas bancaram uma festa em um motel com prostitutas em Manaus para dois capitães de atuação importante para o funcionamento do esquema. “Respondem à ação penal dois coronéis, um tenente-coronel, um tenente, um subtenente, um major e cinco capitães, além de oito militares de baixa patente e empresários”. Todos poderão recorrer em liberdade.

A China e o vice

Na interface entre política doméstica e política externa (ou, ainda, geopolítica), houve um episódio envolvendo o vice-presidente da República. Após ameaça do embaixador norte-americano ao Brasil caso o país permita a participação da Huawei no leilão do 5G, Hamilton Mourão entrou em cena afirmando não temer tais consequências e que a empresa chinesa já atua com grande participação na rede 4G.

A disputa geopolítca entre Estados Unidos e China pela proeminência na tecnologia 5G cresce a cada dia, e é generalizada a percepção de que a empresa chinesa Huawei tem amplas vantagens sobre suas concorrentes ocidentais. Também existe a percepção, defendida principalmente pelo governo estadunidense, de que está em jogo não apenas o aspecto do dinheiro, mas também o acesso a dados e informações que podem ser obtidos através de uma espionagem facilitada pelas ligações entre a gigante tecnológica e o Partido Comunista Chinês.

É importante frisar que vetar ou permitir algum país na concorrência terá impactos econômicos, diplomáticos e acima de tudo estratégicos, pois pode implicar um alinhamento com os EUA que seria extremamente custoso de ser revertido, e que teria consequências imediatas na pauta exportadora nacional, uma vez que a Beijing figura como o maior comprador dos principais produtos de exportação brasileiros. 

Menos verbas para Educação

Uma notícia que mostra a centralidade do dispositivo militar para a própria existência do governo Bolsonaro foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 17 de agosto. Assinada pelo jornalista Mateus Vargas, a matéria chama a atenção para o fato de que o Governo Bolsonaro apresentou uma proposta de orçamento que deixará o Ministério da Defesa com mais verbas do que o Ministério da Educação.

Pela proposta, a área de Defesa teria um acréscimo de 48,8% do orçamento em relação ao ano de 2019. Esse montante de dinheiro serve, em princípio, para custear salários, despesas e equipamentos. Considerando-se que o mesmo governo já avisou que irá diminuir o orçamento da Educação, fica claro que os militares estão usando de sua posição privilegiada em ocupar áreas estratégicas do Estado brasileiro visando conseguir acesso privilegiado aos escassos recursos públicos.

Uma vez que não existe nenhuma ameaça explícita à segurança nacional e territorial brasileira, o aumento do orçamento da defesa em conjunto com a redução dos recursos para o MEC pode terminar gerando um desgaste forte dos militares junto a parcelas da opinião pública. Nesse sentido, pode-se entender que as partes mais polêmicas contidas nos documentos da Política Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa e que apontavam para a possibilidade de conflitos na América do Sul, foram feitas para justificar a reivindicação de mais verbas por parte do Ministério da Defesa. Como esse ministério não é mais controlado por civis, a reivindicação é feita especificamente pelas Forças Armadas, com pouco ou nenhum controle ou supervisão hierárquica do poder civil.

Militares e política de defesa

Em matéria publicada em 5 de agosto de 2020, o jornal Valor Econômico traz a notícia de que a Embraer assumiu o controle acionário da empresa brasileira de cibersegurança Tempest. Tal aquisição estaria inserida na nova proposta da companhia de aviação em ser uma empresa de “tecnologia”, com atuação que não seja limitada ao setor aeronáutico. É fato que há um desconhecimento público de que parte substancial da importância crítica da Embraer para a defesa nacional não consiste nos aviões somente, mas também em seus hardwares e softwares empregados em diversas estruturas estratégicas do Brasil, como a Usina de Itaipu, nos programas nuclear e aeroespacial brasileiros e na extração de combustíveis fósseis pela Petrobrás.

Aprimorar as capacidades em segurança cibernética da empresa é crucial para a inserção da mesma no lucrativo mercado da cybersecurity, e, em princípio, está de acordo com todos os documentos que foram feitos nos últimos doze anos no âmbito da Estratégia Nacional de Defesa. Resumindo: a aquisição está de acordo com um propósito central dos documentos que é o domínio nacional das tecnologias cibernéticas com potencial de impacto no setor de segurança.

Beirute e política externa

A recente explosão no porto de Beirute, capital do Líbano, teve repercussões na política externa brasileira. O Brasil tem o comando da Força Marítima que opera sob bandeira da ONU, a UNIFIL, e que foi estabelecida com o fim da Guerra Civil Libanesa em 2006. Segundo o jornal O Globo, a fragata brasileira Independência, que costumava atracar no porto, estava em alto mar no momento da explosão. Bolsonaro determinou o envio de uma missão diplomática e de ajuda humanitária para a cidade, chefiada pelo ex-presidente Michel Temer, de ascendência libanesa. Duas aeronaves da FAB foram destacadas para a missão, entre elas o cargueiro KC-390 Millennium. O mais novo avião da Embraer realizará sua primeira missão internacional, no que já é visto como uma boa propaganda para o jato e com potencial de despertar interesses de aquisição em eventuais observadores.  

Em 13 de agosto, o U.S. Southern Command publicou, em seu site, a informação de que havia coordenado uma reunião entre a US Space Force e “seus equivalentes” brasileiros. Tal informação tem duas particularidades: primeiro, porque não há, até onde sabemos, um equivalente brasileiro da Space Force norte-americana, e essa informação não apareceu no portal da FAB ou do Ministério da Defesa. A informação ganhou pouco destaque na imprensa brasileira. Mesmo assim, na Folha de S. Paulo, na coluna Mensageiro Sideral,  Salvador Nogueira abriu o seu texto da seguinte maneira: ”(…)“Eu acho que algum deputado deveria começar a perguntar sobre isso”, disse um amigo muito bem informado sobre o setor espacial. Ele se referia a uma conversa cada vez mais expansiva entre militares americanos e brasileiros no ramo das atividades espaciais.”

O fato é que o setor espacial se tornou uma das arenas de competição geopolítica entre os EUA e a China, com participação constante da Rússia. Outros países, como Japão, Índia, Israel, Nigéria, Argentina, Nigéria, etc, estão desenvolvendo projetos no setor que vão em nítido contraste com a falta de investimentos brasileiros na área. Na atual conjuntura, começa a se cristalizar uma doutrina de uso do espaço por parte dos Estados Unidos, com uma progressiva militarização dessas atividades. É parte da doutrina da Space Force que Washington consiga ter acesso rápido a várias plataformas de lançamento ao redor do mundo, de modo a manter a vantagem em relação aos seus competidores.

Os militares da FAB realizam conversações com suas contrapartes dos EUA, e não há, até o momento, uma publicização do teor dessas conversas. Pior: o público brasileiro termina sabendo disso por informações postadas pelo próprio US South Command.

Criando tensões

Em agosto, o governo Bolsonaro apresentou as novas versões da Política Nacional de Defesa (PND) e da Estratégia Nacional de Defesa (END). Eles provocaram apreensão por conta de algumas de suas partesSegundo informou o jornal O Estado de S. Paulo, que teve acesso ao documento, a América do Sul não é mais considerada uma área livre de conflitos. Conforme a apuração da reportagem, para os militares que redigiram o documento, o principal foco de tensão é a Venezuela .

Para uma melhor compreensão do documento de 2020, é interessante compará-lo com suas versões anteriores, especialmente as de 2012 e 2016, levando-se em consideração os respectivos contextos da política doméstica e da política internacional.

Do ponto de vista doméstico, o primeiro documento foi feito em 2012, durante o primeiro governo Dilma. Em sua leitura, observa-se que o texto dá atenção forte a questões conceituais. Termos como segurança e defesa são bem explicados para, em seguida, serem aplicados no tratamento de prioridades do Estado brasileiro naquele momento, como a proteção das riquezas naturais, da biodiversidade e dos recursos energéticos do pré-Sal. Também chama a atenção o fato de que a PND desse ano insiste, fortemente, na questão da subordinação do poder militar ao poder civil.

Do ponto de vista da política internacional, a competição entre EUA e China já estava na agenda internacional, mas ainda era “manejável”, e as duas grandes potências não utilizavam de nenhuma retórica mais agressiva. Não obstante, os EUA já estavam reposicionando o seu dispositivo militar e sua atenção geopolítica para a região do Oceano Pacífico, e Beijing intensificava suas reivindicações no Mar do Sul da China.

O documento da Política Nacional de Defesa (PND) de 2012, ao analisar o ambiente internacional da época, começa reconhecendo que o contexto geopolítico havia se tornado mais complexo do que o da Guerra Fria, e chama a atenção para a possibilidade de intensificação, no século XXI, das disputas por recursos naturais escassos e pelo domínio de áreas marítimas, fontes de água doce e do setor aeroespacial. E também reconhece que as fronteiras continuariam a ser objeto de litígio entre os países (p.17). Vale a pena mencionar que o documento cita explicitamente as possibilidades de cooperação, na área de tecnologias voltadas para a defesa, com os países que membros do BRICS.

Poder civil perde espaço

Em 2016, o contexto doméstico sofre um choque com a deposição da presidenta Dilma Rousseff, num processo político e jurídico complexo e desgastante, liderado por setores conservadores e cujas repercussões são sentidas, negativamente, até o presente momento. O documento é apresentado pelo governo do então presidente Michel Temer para a apreciação do Congresso Nacional. A ênfase no predomínio do poder civil sobre o poder militar desaparece do novo texto, ainda que seja feita uma menção a crise e, apesar dela, um reconhecimento que houve uma melhora das condições sócio-econômicas do Brasil.

No âmbito da política internacional, a competição entre EUA e China aumenta perceptivelmente. Nesse mesmo ano, Donald Trump seria eleito presidente, o que marca o aumento de uma retórica de confrontação com Beijing. A deposição de Dilma Rousseff também implica num enfraquecimento dos BRICS, uma vez que a segunda economia do bloco, a brasileira, perde protagonismo internacional.

O documento menciona, em linhas gerais, os mesmos problemas do documento de 2012. Há uma preocupação com as assimetrias de poder existentes e com os impactos negativos da degradação ambiental sobre as populações e, por extensão, nas necessidades do país de proteger seus recursos naturais. Também há uma menção explícita a cenários de nacionalismos, fragmentação estatal e aumento de conflitos étnicos e religiosos e a possibilidade de ocorrência das chamadas “guerras híbridas”.

Militares no governo de extrema-direita

Em 2020, o cenário político doméstico é marcado por um governo de extrema-direita e que tem, como chefe de estado, Jair Bolsonaro. Como já foi amplamente discutido na academia brasileira – e também nas primeiras edições desta newsletter – os militares se articularam, a partir do último ano do governo Temer, de modo a apoiar a eleição do atual presidente. Ao longo dos dois últimos anos, eles trataram de ocupar a máquina estatal em postos-chave, começando pelo Ministério da Defesa.

Nesse sentido, o documento é um reflexo de um estamento que passa por um momento de forte insulamento burocrático, para usarmos as palavras da pesquisadora Adriana Marques durante um webinar promovido pela ABEDEF. A implicação é que eles  se articulam, corporativa e politicamente, para bloquear e escapar de qualquer possibilidade de supervisão de entidades civis do estado e da sociedade.

Geopoliticamente, a competição entre China e Estados Unidos aumenta a cada dia, agravada, agora, pelos efeitos da Pandemia do Coronavírus. A China intensifica seus projetos geoeconômicos na Ásia e na África (Belt and Road Initiative), mantém-se como uma grande investidora na América Latina e, em especial, no Brasil. A retórica norte-americana torna-se mais agressiva em relação ao gigante asiático, e as atenções se voltam para o Brasil de modo a barrar a influência de Beijing.

Um exemplo forte é a pressão diplomática envolvendo a adoção das tecnologias 5G, e a tentativa de Washington de impedir a Huawei de ter um papel central na construção da infraestrutura brasileira. Há simpatias, em várias áreas do governo brasileiro, pela proposição americana, mas há uma contradição básica, um nó material que não pode ser desatado sem grande prejuízo para um dos setores que apóia Jair Bolsonaro: a China é o maior cliente do agronegócio nacional.

Após a apresentação da PND e da END, vários especialistas brasileiros começaram a analisar os documentos, em textos e webinars promovidos por entidades como a Associação Brasileira de Estudos de Defesa, universidades e entidades da sociedade civil. Alguns pontos em comum emergem da análise de diferentes pesquisadores: a escrita desse documento foi realizada exclusivamente por militares, com pouca, ou praticamente nenhuma, participação de civis, seja da academia, seja do governo; a menção da participação de quadros civis é muito baixa em relação aos documentos anteriores; a autonomia dos militares na construção de políticas de defesa que são de seu interesse é patente, evitando a supervisão hierárquica do poder civil sobre suas atividades.

Corporativismo fardado

Quanto a esse último ponto, o que se percebe é uma consequência lógica do corporativismo do estamento militar. Até então, tal corporativismo foi percebido pelos observadores mais atentos na defesa de pautas salariais e pecuniárias, na ocupação de espaços públicos por militares da reserva, pela generosa regra de aposentadoria do setor, por leis que permitem a incorporação de parte dos ganhos de ministros e membros de empresas estatais, etc. O próximo passo, que é a defesa do orçamento e da formulação, de maneira autônoma, da política de defesa como um reflexo das necessidades e da visão de cada uma das três forças, parece que foi dado na construção desse documento.

Algumas análises questionam se o Congresso cumprirá seu papel constitucional e analisará o documento. Alcidez Vaz, da UnB, chama a atenção para o fato de que o documento de 2016 foi aprovado sem discussão e a devida avaliação pelo congresso no ano de 2018.

Observações no mesmo sentido foram feitas por  Adriana Marques e Juliano Cortinhas, sendo que este último fez uma comparação com outros países para entender a proporção entre civis e militares em diferentes ministérios da defesa Finalmente, Roberto Mangabeira Unger também chama a atenção para o fato de que o Congresso tem uma chance de intervir nesse documento, quebrando o espírito de seita apresentado pelo estamento ao excluir os civis de pensar a Política e a Estratégia Nacional de Defesa.

Nos próximos números da newsletter, a análise dos documentos continuará sendo feita. Na medida do possível, serão incorporados estudos de mais especialistas e, principalmente, como o Congresso Nacional e os diferentes partidos políticos (e em especial a oposição) receberam o documento.

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