Relator especial da ONU pede investigação sobre violações de direitos humanos e queimadas na Amazônia

Por Isabela Montilha, Mirella Sabião e Gilberto M. A. Rodrigues

O governo brasileiro vem sistematicamente negando fatos científicos irrefutáveis, apresentando justificativas vagas e incertas, e colocando em dúvida a legitimidade do processo como forma de se defender de posições retrógradas.

No início de setembro, o Relator Especial das Nações Unidas Sobre os Impactos das Substâncias e Resíduos Tóxicos para os Direitos Humanos, Baskut Tuncak, deu início a um processo formal para a abertura de uma investigação sobre o Brasil pelo Conselho de Direitos Humanos (CDH/ONU). O pedido é resultado de visitas realizadas em 2019 ao país por enviados da ONU, nas quais foram constatadas diversas violações em direitos humanos relacionadas a obrigações ambientais. 

O processo também recomenda que a ONU abra uma sessão especial sobre a proteção da floresta Amazônica e direitos humanos para uma análise mais minuciosa, indicando que o Brasil poderá estar contribuindo para uma catástrofe global. Tais sessões são somente convocadas diante de crises graves, como a da Venezuela. Pela primeira vez desde o período da ditadura militar, o governo brasileiro é alvo de uma solicitação dessa magnitude.

Queixas anteriores sobre o governo do presidente Bolsonaro, relacionadas à crise da Covid-19, foram encaminhadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI) no decorrer da pandemia e arquivadas temporariamente (aguardando a juntada de mais provas), dias antes do expediente da relatoria de Baskut Tuncak. Em contraste, esse novo inquérito da ONU avalia situações mais abrangentes, como o desastre com a barragem em Mariana, Minas Gerais, em 2015 e o uso de pesticidas em situações extremas, servindo como arma química contra indígenas, os quais foram também acusados de serem responsáveis pelas queimadas no Pantanal. O inquérito igualmente aponta o alto índice de mortes de defensores de direitos humanos, alcançando uma situação crítica acerca deste tema. Caso o pedido do Relator Tuncak seja aceito, o país será inserido de forma permanente na agenda do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 

Incapacidade governamental

O pedido da Relatoria de Substâncias Tóxicas encaminhada à CDH aponta a incapacidade da gestão do governo em proteger sua população, inclusive por meios legais. Destaca-se, também, o possível impacto nocivo em escala internacional, por conta da destruição desenfreada da maior floresta tropical do planeta. Entretanto, apesar da contundência do texto, especialistas em política internacional são céticos quanto à aprovação dessa investigação, já que para tal o Conselho necessitaria de um projeto de resolução e da aprovação da proposta de Tuncak pela maioria dos Estados-membros. De qualquer maneira, a mera elaboração de tal recomendação por parte do Relator Especial demonstra não só um mal-estar entre o governo brasileiro e os enviados das Nações Unidas, como também a rápida e profunda deterioração da reputação do Brasil dentro do sistema multilateral da ONU. 

O Itamaraty, que não havia se pronunciado sobre o assunto até então, manifestou seu desgosto por meio de um duro discurso da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, representante permanente do Brasil junto à ONU em Genebra, em 21 de setembro. O repúdio a averiguações internacionais e a defesa da soberania brasileira foram pontos insistentemente ressaltados por Azevedo, que afirmou: “o Brasil não vai se submeter à tutela politizada, disfarçada de um mandato técnico”. Disse ainda a embaixadora, que este tipo de investigação não condiz com a tradicional colaboração brasileira com o Conselho e com a Organização em geral, rogando a necessidade de haver “críticas construtivas”. Entretanto, o Relator Especial deixou explícito que se tratava e recomendações e não de ataques, enfatizando que a lógica do Brasil é puramente econômica. 

O governo brasileiro vem sistematicamente negando fatos científicos irrefutáveis, apresentando justificativas vagas e incertas, e se apegando fortemente na legitimidade do processo como forma de se defender de suas posições retrógradas sobre diversos temas de direitos humanos.

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