Militares e Política Doméstica

14 de junho de 2021

Por Flávio Rocha de Oliveira, Julia Protes Lamberti, Tarcizio Rodrigo de S. Melo, Lucas Ayarroio de Souza, Renan de Oliveira Ferreira e Thiago D’Carlo S. Ramalho

Membros das Forças Armadas seguem apoiando o governo, mas há tensões nessa relação, em especial após a quebra de hierarquia e a não punição do general Pazuello.

Ernesto Araújo na CPI da Covid: acusação de abandono dos militares “à alma e ao ideal”

A CPI da Covid foi instalada em abril de 2021 com o objetivo de discutir as ações do governo Federal no enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, especialmente em virtude do alto número de vítimas no país e após a crise sanitárias que se abate sobre Manaus no início do ano. Vários membros do governo Bolsonaro foram ouvidos. Merecem destaques as inquirições em torno das negociações internacionais para a aquisição de vacinas, a atuação do  presidente da República e de um círculo mais próximo em favor de medicamentos desacreditados pela OMS, como a cloroquina, e a postura do Ministério da Saúde, chefiado pelo General Pazuello, da ativa, e contando com militares em postos-chave, como o Coronel Élcio Alvares, que estimularam o chamado “tratamento precoce”. 

Quando ex-membros do governo Bolsonaro prestaram depoimentos e foram inquiridos sobre atrasos, ineficiências ou atuações político-ideológicas contra a compra das vacinas e da sua principal fornecedora mundial, a China, terminavam dando respostas evasivas e contraditórias. Porém, praticamente todos eles terminavam responsabilizando o Ministério da Saúde na gestão de Pazuello pelo atraso na aquisição das vacinas.

Por exemplo, Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, foi um dos primeiros convocados da ala ideológica e base conservadora do Governo Bolsonaro para depor na CPI. O ex-chanceler não solicitou o habeas corpus ao  Supremo Tribunal Federal, como seria feito posteriormente por Pazuello. Agindo de maneira diversa do ex-Ministro da Saúde, preparou sua defesa em reuniões com um advogado particular, Rafael Teixeira Martins, e não utilizou a representação da Advocacia-Geral da União.

O ex-chanceler foi demitido em março e acusou o núcleo duro do Palácio do Planalto, formado por militares e congressistas, de ter perdido “a alma e o ideal”. Araújo poupou o Bolsonaro e recebeu grande apoio do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente com quem articulava suas ideias na política externa brasileira.

Ernesto Araújo saiu do governo sob muitas críticas, como as do próprio ex-Ministro Eduardo Pazuello. Foi acusado de atrapalhar o relacionamento com países-chave, como China e Estados Unidos, pelas suas posições ideológicas ao lidar com temas sensíveis aos governos desses dois Estados. Em sua defesa, o ex-ministro das relações exteriores declarou que as vacinas, disponíveis no Brasil hoje, foram negociadas quando ele esteve à frente da Política Externa.

Pazuello na CPI da Covid

O Ex-ministro da saúde, o General Eduardo Pazuello, foi convocado no dia 19 de maio para depor na CPI da Covid.  Em seu depoimento, Pazuello afirmou não saber da crise de saúde em Manaus até 10 de janeiro, que não recebeu ordens do presidente para desfazer decisões do Ministério da Saúde, nem que Bolsonaro tenha ordenado desfazer as negociações referentes à vacina Coronavac com o Butantã. O ex-ministro também afirmou não ter promovido o uso da cloroquina, ter seguido orientações da Organização Mundial da Saúde, e que o aplicativo TrateCov, criado para orientar médicos sobre tratamento precoce, não chegou a entrar em operação.

Todavia, segundo a agência de checagem de fatos AosFatos.org, o General Pazuello mentiu em todas as afirmações pontuadas acima, continuando uma trajetória do governo federal e seus aliados de propagação de Fake News. Registros mostram que o Presidente Bolsonaro publicamente ordenou que Pazuello voltasse atrás nos acordos referentes à Coronavac. Além disso, registros apontam que o Ex-Ministro foi alertado da crise em Manaus dia 06 de janeiro, e não dia 10 como declarado. O aplicativo TrateCov, que alegadamente não entrou em operação, teve lançamento oficial dia 11 de janeiro.

Pazuello nomeado para a Secretaria de Assuntos Estratégicos e as sua repercussão entre  civis e militares

Foi divulgado através do Diário Oficial da União, do dia 1º de Junho de 2021,  a nomeação de Eduardo Pazuello como secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. A nomeação vem no mesmo momento em que a participação do General em uma manifestação de apoio a Bolsonaro, repercutiu negativamente por diversos setores dentro do Exército e do Ministério da Defesa. Detalhe importante: Eduardo Pazuello é um General três estrelas da ativa do Exército brasileiro.

Na semana anterior à nomeação à Secretaria de Assuntos Estratégico, o Exército decidiu abrir procedimento disciplinar após a participação de Pazuello na manifestação ao lado do presidente Bolsonaro, que ocorreu no Rio de Janeiro. Esse tipo de manifestação é proibida pelo Regulamento Disciplinar do Exército e pelo Estatuto das Forças Armadas, que são os fundamentos das funções militares constitucionais. No entanto, ficou decidido no dia 3 de Junho que o Exército não daria continuidade ao processo administrativo que poderia punir a conduta de Pazuello ao violar essas normas militares, com decisão de arquivamento do processo pelo General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante da força terrestre. 

O processo referente a este evento agora está sob sigilo de 100 anos, imposto pelo Exército Brasileiro, e o Presidente Bolsonaro concedeu honrarias ao General Paulo Sérgio de Oliveira após esse livrar Pazuello de punição.

Comandantes no Exército temem que a decisão de absolver Pazuello tenha efeitos na conduta do organização militar, começando a orientar subordinados a não comparecer em manifestações públicas de apoio a Bolsonaro. A decisão do Exército em não dar continuidade ao processo administrativo do atual secretário de Assuntos Estratégicos, também repercutiu de maneira negativa entre civis e chegou a alcançar 66% de menções negativas nas redes sociais contra 27% de menções em apoio a Pazuello e a decisão de Bolsonaro. 

A posição do Exército pode estar relacionada a de apaziguamento interno após as recentes conturbações causadas por Pazuello e Bolsonaro, no entanto a situação pode trazer um novo desgaste para a imagem do Exército, podendo abrir espaço para novos posturas e manifestações em desacordo com as regras de disciplina e conduta dos militares

Por trás dessa decisão do Exército há um novo risco institucional. A impunidade de Pazuello renovou um alerta de risco à democracia. E cada vez mais, há problemas vindos de uma área da segurança pública que também é guiada por códigos de hierarquia e disciplina. As polícias militares estaduais passam a dar sinais de estarem adquirindo um papel de força política de apoio do presidente Jair Bolsonaro, com atuação contrária e de repressão a manifestações contra o governo Federal. No dia 29 de Maio de 2021, ocorreram grandes manifestações e protestos nas principais cidades brasileiras, e a imprensa transmitiu várias imagens e relatos de repressão. O principal deles foi o da brutalidade da polícia militar de Pernambuco contra  manifestantes, acarretando na agressão de um homem – que não participava do ato – que ficou permanentemente cego após levar um tiro com bala de borracha, e a agressão de uma vereadora do Partido dos Trabalhadores. 

Algumas reflexões sobre o episódio Pazuello são necessárias. Nos dias posteriores ao evento, foi possível acompanhar o que parecia ser uma queda de braço entre o presidente e o alto comando do exército. A imprensa e vários analistas políticos e especialistas nas forças armadas e nas relações civis-militares apontaram, corretamente, que a participação do General na manifestação ao lado de Bolsonaro configuravam uma quebra dos regulamentos e que deveria ser punida, sob o risco de estimular futuros atos de quebra da hierarquia e disciplina com a consequente politização não só do exército, mas de todas as Forças Armadas. Várias declarações em off de oficiais generais foram vazadas para a imprensa, dando conta de que pelo menos quatro dos dezesseis integrantes do alto comando defendiam que o ex-ministro ficasse em detenção por alguns dias para servir de exemplo.

E o que aconteceu, algumas semanas depois, foi Bolsonaro dizendo publicamente que Pazuello não deveria ser punido, o General apresentando uma justificativa pífia dizendo que tinha sido convidado para um passeio de moto e que foi “surpreendido” para subir num carro de som ao lado do presidente! Na sequência, Eduardo Pazuello é nomeado Secretário de Assuntos Estratégicos (onde ficará sob supervisão de outro militar, o Almirante Flávio Rocha). No dia 07 de junho de 2021, Bolsonaro condecora o comandante do Exército com o grau mais alto da Ordem do Mérito da defesa. A conclusão igualmente rápida foi que o presidente submeteu o exército.

O que se observou foi que a maior parte da imprensa repercutiu posições de descontentamento do exército com o presidente que foram, provavelmente, vazadas pelo próprio exército. Ao que parecia, um choque entre a instituição e o presidente era iminente, e não foi isso que terminou acontecendo.

Um dos maiores estudiosos brasileiros da área, o historiador Manoel Domingos,  depois de décadas de estudos, pesquisa e convivência pessoal com os militares brasileiros, costuma dizer que as Forças Armadas são uma caixa preta. É preciso um certo cuidado e um preparo para rever certas considerações depois de certo tempo. E que qualquer conclusão apressada muito provavelmente vai deixar de prestar atenção no essencial: os militares estão ocupando espaço ou perdendo espaço na estrutura de poder atual? No momento em que essa newsletter está sendo escrita, não se observa nenhuma perda de orçamento (muito pelo contrário), cargos (dos ministeriais aos de nível médio, os números continuam inflados de militares da ativa e da reserva) ou salários, especialmente de oficiais superiores, e eles seguem em seus contatos internacionais, especialmente nos Estados Unidos.

Considerando-se que realmente temos uma caixa preta institucional que se resguarda na instituição do segredo e em rejeitar toda e qualquer supervisão e controle por parte do poder civil, pode-se criar algumas hipóteses observando-se como o estamento militar está instalado no atual governo e qual foi o resultado do affaire Pazuello. As Forças Armadas são parte integrante do governo Bolsonaro. Pode-se dizer que são, sem exagero, um elemento fundamental para que este governo chegue até o seu término em 2022, ou prossiga funcional caso consiga ser reeleito (supondo, claro, que ocorram eleições normais, o que no Brasil contemporâneo tornou-se motivo de dúvida).

Como todo sistema político, há forças constituídas e choques entre grupos que defendem seus interesses. Muito provavelmente estão ocorrendo avaliações e disputas nesse momento, intra e entre as Forças Armadas, e dessas com algumas alas do governo. Por exemplo, foi público o embate ocorrido entre o setor militar e as alas de extrema-direita simbolicamente ligadas a Olavo de Carvalho, mas como o arsenal do pretenso filósofo se resume a palavrões e seus seguidores não são muito bons na articulação, ao final os generais politicamente mais espertos vão negociando com políticos mais conservadores do centrão ligados ao agro-negócio ao mercado financeiro para manter as coisas minimamente funcionais. Algum tipo de disputa deve continuar ocorrendo entre os grupos mais ligados ao presidente Bolsonaro, o próprio presidente e as Forças Armadas enquanto bloco, mas dificilmente veremos um desembarque dessas últimas do governo.

E por que elas não desembarcarão? Porque seus interesses políticos, orçamentários, pecuniários e institucionais estão sendo atendidos em detrimento de outras áreas do governo e da sociedade. E continuarão assim. Certamente, estão analisando o cenário político atual marcado pela estagnação econômica, pela agudização da pobreza e pela crise sanitária do coronavírus, mas como toda a burocracia , irão adotar a sua ótica estamental e ideológica como filtro para compreender todo o resto – ou seja, a defesa do patriotismo e da soberania nacional por parte de generais, almirantes e brigadeiros tem que ser observada por esse prisma.

Certamente que a situação é muito dinâmica e imprevisível e as forças armadas podem mudar de algum modo, mesmo porque o atual presidente também não hesita em tensionar ainda mais as estruturas se considerar que pode obter algum ganho nisso. 

Mas, por hora, só se pode ter uma certeza: vai ser muito difícil a qualquer governo futuro, de esquerda ou conservador, impor o controle civil sobre esse pessoal. Muito difícil mesmo. 

Guarani na Argentina

O Exército Brasileiro fez a entrega, na terça-feira (25), de um Guarani, viatura blindada de transporte pessoal – média sobre rodas, para o Exército Argentino (EA). O veículo foi cedido por empréstimo de 30 dias para ser avaliado para o programa “Vehículo de Combate Blindado a Rueda” (VCBR), cujo objetivo é adquirir uma quantidade satisfatória de veículos blindados sobre rodas para cumprir com os compromissos firmados na Força de Paz Binacional Cruz del Sur, entre Argentina e Chile. Candidato à operação, o Guarani foi apresentado ao Estado-Maior do EA, no último sábado (29), dia do aniversário de 211 anos da criação da Força Terrestre portenha.  

Corte no Orçamento da FAB 

A Força Aérea Brasileira (FAB) soltou uma nota oficial, na última quarta-feira (26) do mês de maio, anunciando a redução na entrega das aeronaves KC-390. Segundo a nota, o corte no programa é reflexo da falta de orçamento provocada pela crise sanitária, que “causam limitações diretas nos projetos das Forças Armadas”. É dito que o contrato firmado com a Embraer previa 28 aeronaves – número considerado fora da realidade orçamentária da Força, em termos de produção e manutenção desses veículos. Assim, o número atual passa a ser de 2 novas aeronaves por ano – bem abaixo do acordado originalmente. O comunicado termina com a FAB ressaltando a importância da Embraer como parceira estratégica “na implementação de soluções e desenvolvimento de produtos tecnológicos”. Vale lembrar que os KC-390 estão sendo utilizados na Operação COVID-19, transportando tanto vacinas, quanto insumos, como usinas de oxigênio.

Carlos de Almeida Baptista Junior, Comandante da Aeronáutica Tenente-Brigadeiro do Ar, em entrevista ao Valor Econômico, comentou sobre a falta de recursos e seus impactos na FAB. Segundo o Comandante, a Força tem apenas 50% da verba para arcar com o financiamento dos KC-390 e dos caças Gripen. Batista Jr salientou a necessidade de se comprar um segundo lote destes caças, afirmando que o país precisa de mais que as 36 unidades advindas do primeiro lote – com os primeiros 4 chegando em torno do fim de 2021 e início de 2022 – com expectativa de obter entre 60 e 70 Gripen, ao somar com uma possível segunda remessa.

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