Por que a língua e cultura chinesa ainda despertam pouco interesse no Brasil, apesar da crescente influência econômica da China?

03 de novembro de 2021

Por José Luis de Freitas, Rafael Almeida Ferreira Abrão e Vitor Gabriel da Silva
(Foto: Instituto Confúcio)

Enquanto no Brasil o interesse por aprender mais sobre a língua e cultura chinesas ainda é limitado, o Instituto Confúcio, instituição de promoção educacional da China, está sendo contestado nos EUA e vários países da Europa

Nas últimas décadas, houve grande fortalecimento das relações econômicas entre Brasil e China, o que não foi acompanhado na mesma medida pelo avanço do intercâmbio cultural e de conhecimento entre os países. Tal desequilíbrio dificulta o aprofundamento das relações, uma vez que aumentar o número de brasileiros com conhecimento da língua e cultura chinesa é importante para o desenvolvimento da cooperação e o aprofundamento das interações econômicas. Por isso, é necessário abrir oportunidades para que jovens brasileiros estudem o idioma, conheçam a cultura e façam intercâmbios na China.

No Brasil, dado o cenário de desmonte dos investimentos na educação superior, é muito difícil que tais oportunidades sejam oferecidas. Esse papel é exercido pelo Instituto Confúcio (IC), cuja presença vem sendo contestada em vários países da Europa e EUA devido a sua ligação com o governo chinês. O fortalecimento da narrativa de que o Instituto é utilizado como forma de propaganda de Pequim e ferem a autonomia universitária das instituições receptoras motivou o fechamento de diversos ICs ao redor do mundo, o que se tornou uma tendência principalmente na América do Norte e Europa, a pedido das autoridades e de parte da comunidade acadêmica, temerosos frente à expansão da influência chinesa.

A retórica anti-China tem sido promovida pelos Estados Unidos (EUA) e seus aliados para limitar as atividades do Instituto Confúcio nesses países. O IC foi classificado por Mike Pompeo, ex-Secretário de Estado durante o governo de Donald Trump, como “[…] parte do aparelho da propaganda e influência global do Partido Comunista Chinês”. Pompeo afirmou que o IC é uma ameaça à liberdade acadêmica e que as universidades dos EUA e do mundo devem revisar o currículo dos ICs para garantir o acesso dos estudantes ao mandarim e a cultura chinesa de uma maneira “livre de manipulação do Partido Comunista Chinês”.

Nos EUA, o fechamento de institutos segue de maneira acelerada, em fevereiro de 2017 totalizavam 103 ICs em universidades e escolas. Em fevereiro de 2021, contabilizava-se apenas 55 institutos, dos quais 3 estão programados para encerrar suas atividades ainda este ano. Na Tufts University, por exemplo, concluiu-se em 2019 que “não há evidência de influência indevida, supressão da liberdade acadêmica ou de censura” no IC, para posteriormente, decidir por não renovar seu contrato com o IC que sediava. Esse processo de fechamento foi resultado de uma lei federal norte-americana que proíbe as universidades que hospedam o programa de receber financiamento do Pentágono, o Departamento de Defesa dos EUA.

Na Europa, a Stockholm University, universidade sueca e a primeira a sediar o Instituto Confúcio no continente, interrompeu a cooperação em 2015. Em 2020, a Suécia fechou a sua última sala de aula do programa, sendo a primeira nação europeia a romper todos os acordos com o IC. Além disso, o programa já chegou a ser acusado de ser um abrigo de espiões, como no caso da Bélgica, em que o visto de Song Xinning, uma das dirigentes do IC de Bruxelas,  foi cancelado sob justificativa de “ameaça à segurança nacional”, com acusação de espionagem para os serviços secretos chineses. Por fim, esta decisão foi anulada pela Justiça.

A Leiden University, a mais antiga instituição universitária dos Países Baixos, possui historicamente uma grande proximidade e diversos mecanismos de cooperação com a Ásia, sendo inclusive sede do International Institute for Asian Studies. Em 2019, decidiu-se por encerrar o contrato com o IC existente desde 2007, em um comunicado que reconhecia a importância e o excelente trabalho desenvolvido nos anos de parceria. Porém, avaliou-se que a direção tomada pelas atividades do IC não se alinhava mais com a estratégia da Universidade para a China.

Em suma, o discurso promovido nos EUA e em países europeus, classifica as atividades do IC como um mecanismo de propaganda chinesa, com riscos à liberdade acadêmica e à espionagem, o que tem resultado no fechamento de diversos institutos nas potências centrais.

O Instituto Confúcio no Brasil

Com o propósito de promover a cultura e a língua chinesa, o IC mantém uma rede internacional com mais de 500 filiais atuantes em 146 países. No Brasil, o IC existe desde 2008, por meio de um convênio mantido pela Fundação de Educação Internacional Chinesa com a Universidade de Hubei e a Unesp. Além da sede da capital, o IC atende outras 12 unidades em municípios paulistas e conta ainda, por exemplo, com a presença nas Universidades Federais do Amazonas (UFAM), do Maranhão (UFMA) e do IC de Medicina Chinesa da Universidade Federal de Goiás (UFG).

O programa de internacionalização do IC começou em 2004 e é supervisionado pela Hanban (Departamento do Conselho Internacional de Língua Chinesa). Frequentemente comparado com outras organizações de promoção linguística e cultural, como o Instituto Camões, o British Council, a Alliance Française, a Società Dante Alighieri, o Instituto Cervantes e o Goethe-Institut, o IC mantém nas parcerias com as universidades chinesas e do país anfitrião um elemento inovador em comparação aos seus pares. Os ICs treinam professores, realizam a aplicação do teste de proficiência HSK e difundem informações atualizadas sobre a China contemporânea para seus discentes.

Segundo Ana Qiao, diretora do Confucius Classroom na UFF, ex-Diretora do IC na PUC-Rio e atualmente Diretora do Departamento de Português da Universidade Normal de Hebei, a demanda por aprender o mandarim é crescente e a criação do IC visa promover o mandarim de uma forma inovadora, uma vez que a cooperação ocorre em parceria com universidades brasileiras. Na sua visão, a relevância dos Institutos Confúcio no Brasil é incontestável: “É uma plataforma de necessidade e complementaridade, reconhecida pelas universidades e que independente de outras questões que vão além do intercâmbio educacional e cultural, permanece válida e incontestável a sua relevância e contribuição ao longo da sua história no Brasil”.

Em 2008, foi aberto o primeiro Instituto Confúcio no Brasil, em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segundo Luís Antonio Paulino, diretor geral do Instituto Confúcio na Unesp, apesar dos atuais ruídos nas relações com a China, a atuação do Instituto no Brasil não é contestada como em outros países, uma vez que “esses atritos são pontuais e secundários. De maneira geral, a relação de complementaridade é que predomina na relação bilateral. O Brasil não vê a China como ameaça como os Estados Unidos ou mesmo a União Europeia. Muito pelo contrário”.

Para Marcos Cordeiro Pires, professor da Unesp e um dos membros do conselho do IC, as dificuldades nas relações entre China e Brasil não se estenderam ao IC: “Os atritos entre o Brasil e a China são localizados na ala ideológica. Há uma relação fluída inclusive em ministérios como a Agricultura e a Economia. Os Institutos Confúcios no Brasil não entraram no radar do Gabinete do Ódio tal como ocorreu com a extrema-direita nos Estados Unidos”

Mesmo em meio ao contexto de adoção de um discurso crítico à China pelo Governo Federal, esse mesmo processo não é observado no Brasil. Não há registro que o funcionamento de um IC em uma universidade brasileira tenha mudado a agenda de pesquisa ou diminuído a autonomia universitária de alguma instituição.

            Dessa forma, observa-se que a crítica da presença de Institutos Confúcio em universidades não tem se difundido no Brasil da mesma forma que ocorreu em outros países. As relações educacionais e culturais entre o Brasil e a China têm demonstrado solidez diante das dificuldades criadas pelo Governo Federal nas relações entre os dois países. Em suma, as razões para isso são: i) a extrema-direita no Brasil tem concentrado esforços em outros pontos de atrito com a China; ii) as ideias anti-China defendidas por membros do governo Bolsonaro não possuem aderência relevante na academia; e por fim, iii) a visão de longo prazo tem se sobressaído, com as instituições universitárias considerando que a cooperação no âmbito dos Institutos Confúcio ultrapassa a orientação ideológica atual do governo brasileiro.

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