Após incertezas, Brasil e China reafirmam compromissos de parceria

28 de junho de 2022

Por Daniel Rocha, Fabíola Lara de Oliveira, Filipe Porto, Flávia Mitake Neiva e Lais Pina (Foto: Adnilton Farias/Vice-Presidência da República) 


O Vice-Presidente do Brasil, Hamilton Mourão, e seu homólogo chinês, Wang Qishan, co-presidiram em maio a VI reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN). Realizada virtualmente, a reunião trouxe entre seus resultados a divulgação de planos para o novo período, contudo mostrou também limitações para provocar transformações nas relações bilaterais.


Concebida em 2004, durante o governo Lula, a COSBAN é o mecanismo de diálogo e cooperação de mais alto nível entre os governos da China e do Brasil. É na comissão que se definem as diretrizes e metas para as relações bilaterais a longo prazo. A reunião da comissão, que estava prevista para ocorrer ano passado, foi adiada por causa do cenário de crescentes tensões internacionais e de atraso na organização, o que fez expirar, em dezembro de 2021, os prazos do Plano Decenal de Cooperação Brasil-China e o Plano de Ação Conjunta. 


A VI reunião abordou temas de tradicional importância nas relações bilaterais como investimentos, tecnologia, infraestrutura, inovação e economia digital. Pautas ligadas ao meio ambiente, ainda que tenham crescente relevância, não tiveram seção definida nos planos bilaterais entre Brasil-China e foram tratadas de maneira transversal nas discussões da comissão. 


“A COSBAN não avançou na criação de um grupo de trabalho sobre sustentabilidade, mas manteve o diálogo estratégico bilateral aberto. E isso não é desprezível quando olhamos as relações entre os dois países nos últimos quatro anos”, avalia Karin Costa Vazquez, Non Resident Senior Fellow do Center for China and Globalization e pesquisadora da Fudan University.


O ponto alto da reunião foi a aprovação do Plano Estratégico 2022-2031 e do Plano Executivo 2022-2026. O primeiro é responsável por direcionar as relações bilaterais, enquanto o segundo apresenta as ações e objetivos concretos para a implementação da agenda. Ambos renovaram os compromissos de longo prazo da parceria estratégica global entre Brasil e China. Colocou-se ainda, sob fase de consultas, o Plano de Cooperação Espacial China-Brasil 2023-2032, que pode ser uma oportunidade devido à recém-lançada estação espacial chinesa, Tiangong, que pode ser utilizada para a cooperação internacional, da mesma forma que a soviética Mir, além do fato de que a Estação Espacial Internacional sairá de órbita em janeiro de 2031.


A última reunião da COSBAN havia sido realizada em 2019, em um cenário onde nem as previsões mais pessimistas poderiam prever o surgimento de uma pandemia e de uma guerra entre Ucrânia e Rússia. Em clima otimista e de expectativa de aprofundar a cooperação sino-brasileira, os líderes consideraram positivo o desenvolvimento do Plano de Ação Conjunta Brasil-China (2015-2021) e do Plano Decenal de Cooperação (2012-2021).


Limites


Na reunião foram abordadas ainda questões relacionadas ao aprofundamento da cooperação e facilitação do comércio, com destaque para o agronegócio. Foram anunciados acordos para a exportação de milho e amendoim para a China, aumento das exportações de farelo de soja, proteína concentrada de soja,  polpa cítrica e soro fetal bovino. Em paralelo, o Vice-Presidente Hamilton Mourão sinalizou um esforço para retomar a presença de produtos da Embraer na China.


A finalidade de tais ações é contribuir para a diversificação e/ou aumento de valor agregado das exportações brasileiras para o país, já que nas últimas décadas o Brasil tem se tornado cada vez mais dependente comercialmente da China ao permanecer exportando commodities, sem avançar em diversificação. Contudo, os acordos fechados têm um papel limitado para gerar grandes transformações no comércio bilateral.


Karin acredita que a principal dificuldade em aumentar as exportações brasileiras de produtos com maior valor agregado, seja para a China ou outros países, é estrutural e está relacionada à baixa competitividade e complexidade da economia brasileira. “No Brasil, o investimento público em desenvolvimento científico, tecnológico e de engenharia tem se mantido nos menores patamares da história do país. A despesa bruta em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB é de 1,14%, muito abaixo da média dos países da OCDE (2,6%) e de outros países de rendimento médio (1,59%) como a China (2,11%). A taxa de investimento – que mede tudo o que se investe em máquinas e equipamentos, bens duráveis, aumento da capacidade produtiva, construção civil, infraestrutura, além de pesquisa e desenvolvimento – prevista para o Brasil este ano é de 18,4%, menor do que a taxa de investimento médio no mundo (27,3%) e de outros 139 países como a China (42,5%), a Índia (32,11%), e os EUA (22,1%)”, aponta a especialista.


A professora Ana Tereza L. Marra de Sousa, coordenadora do OPEB, aponta que as políticas domésticas distintas que Brasil e China foram adotando ao longo das últimas décadas desenhou para esses países perfis distintos de inserção internacional e especializações produtivas, tornando muito difícil mudar o padrão comercial das relações por meio de mecanismos bilaterais, como é a COSBAN: “Embora negociações bilaterais com a China possam eventualmente impulsionar um ou outro produto de maior valor agregado para o Brasil, dada a estrutura que condiciona as relações de troca, não é por meio desse mecanismo que será possível alcançar transformações de impacto no padrão entre os países, e, sim, por meio da alteração de políticas domésticas a partir das quais se poderá construir uma nova inserção na EPI [economia política internacional]”, avalia Sousa.


A realização da reunião, apesar do atraso, diante de um cenário internacional marcado pela guerra na Ucrânia e o acirramento das tensões entre China e Estados Unidos, reforça a importância da manutenção da saudável e pacífica relação entre Brasil e China e do pragmatismo. Contudo, há limites para aquilo que se pode fazer por esse mecanismo.

Na prática, a VI reunião reforça a expectativa brasileira para a ampliação do setor agro, com o possível aumento da variedade das exportações (com maior inclusão de produtos como o milho, por exemplo). Para mudar isso, o Brasil precisa de um projeto de desenvolvimento nacional claro que oriente as relações exteriores do País. Isso permitiria atacar problemas estruturais e promover as transformações necessárias, seja nas interações com a China, seja com outros parceiros. Oportunidades que podem advir das relações bilaterais – como investimentos em infraestrutura e tecnologia, por exemplo – precisam de direção para concretizarem-se em oportunidade de desenvolvimento.

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