A reorientação russa e a liderança chinesa

18 de abril de 2023


Por Dante Apolinario, Luciana Henrique, Mariana Barboza Cerino, Maria Clara Reis Cordeiro Pires e Natália Nascimento (Imagem: Pixabay)¹


Devido às sanções ocidentais, a Rússia vem se reorganizando economicamente, acirrando relações comerciais com a China e se aproximando de mercados alternativos. Embora não seja o único, o mercado chinês é o mais importante e promissor.


Introdução 

Como consequência da Guerra da Ucrânia, a Rússia vem sofrendo diversas sanções econômicas por parte de países do G7 e da União Europeia, prejudicando, assim, a sua participação no comércio internacional, que se faz, em grande parte, por meio da exportação de petróleo e gás natural. Contudo, a despeito das sanções econômicas do Ocidente, a economia russa não ficou paralisada. Isso ocorreu, em parte, devido ao comércio com a China, que, embora tomando as devidas cautelas, não se amedrontou diante da possibilidade de também ser sancionada. Assim, em 2022, o comércio aumentou 29,3% em relação ao ano anterior, alcançando US$190,27 bilhões. Há até mesmo projeções que indicam que em 2023 o volume alcançará US$200 bilhões

A Rússia vem se aproximando cada vez mais de mercados alternativos que não aderiram às sanções. O mercado chinês, embora não o único, é o mais importante e promissor. O petróleo e o gás natural se tornaram instrumentos chaves para a concretização dessa aproximação. Com incentivos econômicos e descontos no preço do petróleo, a Rússia se tornou a maior fornecedora de petróleo para a China. Empresas estatais chinesas como Sinopec e Zhenhua Oil aumentaram as compras de petróleo russo, atraídas por pesados descontos após a imposição de sanções. 

O relacionamento entre China e Rússia, historicamente, é conflituoso, inclusive durante a existência da União Soviética, que vivia, da mesma forma que a China, em um regime socialista. Contudo, no século XXI, isso está mudando de forma não prevista pela grande maioria dos analistas de relações internacionais. Esse processo deu um salto em 2014, após a anexação da Crimeia.  Naquele ano, o presidente Vladimir Putin e o presidente Xi Jinping assinaram vários acordos de aliança energética e econômica em paralelo ao Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico (Apec). A estatal russa Gazprom assinou na ocasião um acordo para fornecimento de gás com a chinesa CNPC. A construção do gasoduto, batizado de Força Sibéria,  foi estimada em US$ 400 bilhões, e a meta russa era exportar 38 bilhões de m2 em 2024. A importação chinesa começou de fato em dezembro de 2019, com um volume de 10 bilhões de m2 (equivalente a 5% do total de gás importado pela União Europeia).

Ainda é importante frisar que as relações Rússia-China são, acima de tudo, estratégicas. Circunstâncias além do controle de ambos os países obrigaram a Rússia a  integrar-se cada vez mais com o gigante chinês. A rivalidade com o ocidente superou os atritos e desconfianças históricas, e as sanções estimulam um avanço na integração econômica. Cabe notar, porém, a enorme assimetria: O PIB Chinês é hoje dez vezes o PIB russo. A China rivaliza com os EUA não só no campo geopolítico, mas sobretudo no campo econômico e tecnológico. O aumento da dependência do mercado chinês por parte da Rússia, não significa, portanto, uma dependência chinesa da Rússia.

Comércio internacional Chinês e proporção russa

Em dados mais atualizados (08.03.23), disponibilizados pela Administração Geral de Alfândegas da China, entre janeiro e fevereiro deste ano, as trocas comerciais entre China e Rússia cresceram 25,9% (US $33,685 bilhões) em relação ao mesmo período do ano anterior. No que se refere às exportações chinesas à Rússia, foram ampliadas em aproximadamente 19,8% (US $15,036 bilhões). Já o crescimento das importações russas à China, foram apontadas em cerca de 31,3% (US$18,648 bilhões) só neste primeiro bimestre. À vista de dados crescentes como esses, é patente a continuidade dos esforços de ambos governos em aumentar o comércio bilateral

Ainda que o aumento represente valor significativo de modo geral, com capacidade de fazer constatar as mudanças no cenário geopolítico-comercial internacional, faz-se necessário ressalvas quanto à magnitude dessa ampliação. Isso dado que, apesar do crescimento significativo especialmente desde o último ano, as transações com a Rússia compreendem – até os dados mais recentes deste ano – apenas por volta de 3,7% do total do comércio internacional chinês.

No caso da China, os EUA, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e a União Europeia (UE) permanecem como seus principais parceiros de trocas comerciais. Nesse ínterim, na totalidade do ano anterior, o comércio com a Rússia teve um aumento expressivo de 29,3% (US $190,271 bilhões) em relação a 2021.  Nesse aspecto comparativo, embora a Rússia ainda não ocupe proporções superiores no comércio chinês, a China, em contraste, tem sido o principal destino anual de produtos russos desde 2016, e o principal país de origem das importações russas desde 2013.

Há de se lembrar que a China é a segunda maior economia global e principal parceira econômica de mais de 120 países, um verdadeiro global player. Portanto, ainda que encontre na parceria  com a Rússia a possibilidade de ampliação de seu mercado não-Ocidental, isso não configura nenhuma mudança drástica no comércio internacional do país asiático. Na seção seguinte vamos analisar o setor de Petróleo e Gás (P&G),

Petróleo e Gás

As sanções à Rússia iniciadas em 2014 pela anexação da Crimeia se agravaram com a guerra da Ucrânia. Mais importante, desta vez, porém, é  a procura por parte dos países europeus de diminuir definitivamente e drasticamente a dependência da importação de petróleo, gás e carvão russo. Isso acaba gerando uma potencial vulnerabilidade econômica para a Rússia, visto a sua dependência à exportação de P&G para a UE, que representa nada menos que metade da receita do país. Entre 2021 e 2022 houve uma queda da participação russa nas importações europeias de gás de 40% a 15% e petróleo de 26% a 14%.

O cenário faz do comércio energético com a China uma potente válvula de escape, uma vez que o país optou pela continuidade das atividades do gasoduto Força Sibéria, com aumento de 50% na compra do gás natural russo, e pela negociação do petróleo com desconto.

Frente a tal situação e à negociação do segundo gasoduto “Força Sibéria 2”, a dependência da Rússia do mercado chinês como alternativa à europeia, se torna cada vez mais evidente. A exportação de P&G permite estabilizar as receitas do país. Ao mesmo tempo, o comércio garante a importação de insumos necessários para as operações da indústria russa, incluindo a militar. Entretanto, essa relação não implicaria a dependência da China do gás russo: há um leque de acordos de importação com países asiáticos além da Rússia, com destaque ao Turcomenistão que de 2009  à 2022 exportou cerca de 25 bilhões de metros cúbicos por ano. O Brasil acaba por ser afetado indiretamente por essa reconfiguração das importações chinesas, visto que o país é seu principal parceiro comercial nas exportações de petróleo e acabou por ter seu comércio com a China nesse item reduzido pelas relações sino-russas em aproximadamente 58% em 2022. Isso, porém, não é um problema para a exportação de petróleo brasileiro, porque encontra facilmente demanda em outras partes do mundo.

Conclusão

Na década de 1990, após o fim da União Soviética, a Rússia parecia estar condenada a um papel marginal no sistema internacional. De outro lado, a China parecia ter conectado suas aspirações para o desenvolvimento em parceria com os EUA. Dessa forma, uma aproximação entre Beijing e Moscou era considerada pouco provável. Isso mudou drasticamente a partir da primeira década de 2000 e, na segunda década, se consolidou uma nova realidade na Eurásia. A Rússia se restabeleceu e a China tinha se tornado uma potência global. Ambos apostando em uma diminuição da hegemonia estadunidense. No campo econômico há, porém, uma forte assimetria com um aumento da dependência russa do mercado e da tecnologia chinesa.

A relação contém um caráter estratégico importante que se baseia principalmente na rivalidade com os  Estados Unidos, oposição a sua hegemonia e sobretudo a tentativa estadunidense de  ditarem a política na região, a Eurásia. Ela se dá de diversas formas: seja por meio de acordos bilaterais, seja por meio de organizações internacionais, que reúnem, também, outros países da região e fora da região (como o Brasil). Assim, podemos citar a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), o BRICS e a União Econômica Eurasiática.

Contudo, devemos ter em mente que, por mais que ambos os países sejam os principais protagonistas de diversas tramas internacionais, ambos não possuem o mesmo peso. A intervenção russa na Ucrânia, ao contrário de 2014, tende a provocar um congelamento das relações entre a Rússia e a Europa. Desse modo, a intensificação da relação econômica e comercial com a China aumenta a dependência russa e coloca o país asiático cada vez mais como liderança no continente euroasiático.

¹ Agradecimentos ao professor Giorgio Romano Schutte.


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