16 de maio de 2023
Por Rafael Abrão, Emanuela Almeida, Fabíola Oliveira e Ana Tereza Marra (Imagem: Pixabay)
O Brasil é um líder global no uso e implementação de políticas de incentivo aos biocombustíveis. Já para o processo de eletrificação da frota brasileira, a China pode se tornar uma aliada fundamental para atender à necessidade de descarbonização do setor de transportes brasileiro, uma vez que os chineses estão na vanguarda dos veículos elétricos.
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Brasil ocupou, em 2018, a 6º posição no ranking de emissões de gases de efeito estufa. O setor de transportes foi responsável por grande parte dessas emissões, chegando a 60% do total nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Diante de tal cenário, a substituição gradual de veículos movidos a combustíveis fósseis para modelos híbridos ou elétricos aparece como uma possibilidade no horizonte.
Há iniciativas na esfera federal para limitação das emissões, como projetos de lei que propõem a isenção de IPI e PIS/Cofins para veículos elétricos. Além disso, há entes da federação, como o Rio de Janeiro, que isentam esses veículos do pagamento de IPVA. No âmbito municipal, a cidade de São Paulo liberou carros eletrificados do rodízio e determinou que novos edifícios comerciais e residenciais devem ter instalação de carregadores.
Essas iniciativas vêm gerando resultados: no primeiro quadrimestre de 2023 houve um crescimento de 51% no número de veículos eletrificados vendidos em relação ao primeiro quadrimestre de 2022. Além disso, as vendas de veículos leves alcançaram 3,2% do mercado de automóveis em abril de 2023.
Para o processo de eletrificação da frota brasileira, a China pode se tornar um aliado fundamental para atender à necessidade de descarbonização do setor de transportes brasileiro, uma vez que os chineses estão na vanguarda dos veículos elétricos. Apesar de a China ter como fonte principal de energia elétrica combustíveis fósseis como o carvão, ela está em segundo lugar no quesito de geração de energia a partir de fontes renováveis, com 27,4% de geração mundial, atrás apenas da Europa.
Seus esforços para transformar sua matriz energética resultaram em um contexto em que as empresas chinesas de veículos elétricos lideram as tendências da indústria automobilística global. Tal fato é consolidado pelo expressivo aumento de 66,9 % nas exportações de veículos elétricos, baterias de íons de lítio e células solares no primeiro trimestre de 2023. A exportação de veículos elétricos representa 43,9% das exportações totais de automóveis da China e movimenta 64,75 bilhões de iuanes.
A forte influência chinesa na eletrificação pode ser vista na América Latina, onde dos 4.133 ônibus elétricos na região, 3.270 foram fabricados por empresas chinesas. No Brasil, como já analisado pelo OPEB, a empresa BYD está presente desde 2014 com uma fábrica na região de Campinas, a qual produz ônibus totalmente elétricos. A empresa possui uma parceria com a UNICAMP, voltada a estudos sobre energia fotovoltaica.
Outra marca chinesa de veículos elétricos que vem crescendo no Brasil é a Great Wall Motors (GWM). A GWM em 2021 adquiriu um complexo automotivo em Iracemápolis (SP), com investimento de R$ 10 bilhões, com capacidade de produzir 100 mil veículos e empregar 2 mil funcionários. A previsão do início das montagens na nova fábrica está prevista para maio de 2024 e sua produção será voltada para picapes médias e SUVs híbridos/flex. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, firmou um acordo com a fabricante para o desenvolvimento de uma frota de veículos movidos a hidrogênio.
Solução brasileira
No entanto, cabe destacar que o Brasil é um líder global no uso e implementação de políticas de incentivo aos biocombustíveis. O país possui um longo histórico de uso de etanol, que teve início na década de 1970 com o programa Proálcool. O uso de biocombustíveis continuou no Brasil e, em 2003, o país lançou a Política Nacional de Biocombustíveis (PNPB). A política de incentivo ao etanol e ao biodiesel foi então retomada.
Em 2009, o governo estabeleceu o programa RenovaBio, que determinou metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes e incentivou a produção e o consumo de biocombustíveis, incluindo etanol e biodiesel. Foi estabelecida a exigência legal de adição de entre 20% a 27% de etanol anidro à gasolina. O uso de veículos flex-fuel, capazes de funcionar tanto com gasolina quanto com etanol, tornou-se disseminado.
Investir no desenvolvimento e uso de biocombustíveis – em comparação a disseminação de veículos elétricos no Brasil, cuja produção o país não domina – pode ser uma solução de mais curto prazo que contribui com a questão ambiental, de um lado, e com o desenvolvimento de cadeias produtivas locais, de outro.
A China não tem investido em biocombustíveis porque a segurança alimentar é uma questão sensível para a política chinesa. O uso de parte da produção de alimentos como combustível não seria uma política prudente para os chineses. O medo da escassez de alimentos é uma constante na China, que, apesar de possuir vastas áreas adequadas para o cultivo, possui uma área agrícola per capita menor do que a maioria dos outros países devido à sua grande população.
Tem sido observada uma ampla entrada de empresas chinesas em outros setores de energia renovável, principalmente energia eólica e solar. O Brasil foi o país que recebeu o maior investimento energético da China no mundo, mas o setor de biocombustíveis tem sido ignorado.
Como a China pode contribuir
A adoção de carros elétricos chineses no Brasil é uma questão que pode impactar tanto na continuidade de competitividade para o setor dos biocombustíveis, tanto na forma como efetivamente o Brasil vai se inserir nas cadeias globais do setor. A adoção generalizada de carros elétricos, se desacompanhada de medidas de desenvolvimento local, acentuaria a dependência tecnológica do Brasil em relação à China, e poderia desincentivar tecnologias desenvolvidas e difundidas no Brasil em torno dos biocombustíveis. Poderia resultar em uma redução na produção e consumo de biocombustíveis brasileiros, prejudicando por exemplo os lucros das empresas brasileiras que se organizaram em torno dessa cadeia produtiva de etanol.
Ao mesmo tempo, a difusão dos carros elétricos chineses no mercado brasileiro pode ser uma oportunidade para ambos os países. O Brasil tem um imenso desafio. A reorganização produtiva global das indústrias automobilísticas, acompanhada por inovações relacionadas a indústria 4.0 e a eletrificação do setor têm tornado obsoletos aparatos de várias fábricas no país, bem como prejudicado a competitividade de toda uma cadeia local de fornecedores que se desenvolveu – em regiões como o ABC Paulista – para alimentar essa produção.
Investimentos chineses que gerem empregos no Brasil iriam contribuir para novas instalações produtivas que insiram o país nas novas dinâmicas da indústria 4.0, gerem tecnologia e alimentem uma nova cadeia local de suprimentos, para o qual é necessário haver investimento para desenvolvimento de fornecedores locais, beneficiando o Brasil.
Igualmente, o Brasil pode beneficiar a China. Considerando a expertise do país na questão dos biocombustíveis, uma alternativa para que interesses brasileiros – relacionados ao uso do biocombustível – e chineses possam ser compatíveis, seria o aprimoramento dos carros híbridos. Recentemente, a montadora chinesa Great Wall anunciou sua intenção de começar a produzir seu primeiro veículo híbrido no mercado brasileiro a partir de maio de 2024. Os carros híbridos podem ser alimentados tanto por eletricidade quanto por etanol, preservando os interesses da cadeia de produção brasileira em torno dos biocombustíveis. Essa tem sido a aposta das montadoras ocidentais que atuam no Brasil desde a década de 1950 e têm sido fundamentais na industrialização do país desde então. Em um momento em que o governo brasileiro fala de neoindustrialização, ou seja, a reindustrialização do país em novas bases, o futuro do setor de transportes é um ponto fundamental a ser debatido.