A Guerra na Ucrânia – Ofensivas, contra-ofensivas, mercenários e um levante na Rússia

28 de junho de 2023

Por Flávio Rocha, Alexandre Becker,  Anna Bezerra, Aycha Sleiman, Diego Jatobá, Erika Silva, Felipe Lelli, Flávia Souza, Heloísa Domingues, Julia Lamberti, Lais Surcin,  Lucas Ayarroio, Lucas Mota, Roberto Silva, Tarcízio Melo e Vinícius Bueno (Imagem: Unsplash)

 

A guerra na Ucrânia é o maior conflito militar atualmente, com a Rússia fortalecendo suas defesas e a Ucrânia recebendo apoio da OTAN. As ofensivas russas têm enfrentado dificuldades, e a Ucrânia também realiza contra-ofensivas. A guerra tem gerado perdas significativas de ambos os lados. Além disso, há uma guerra velada de espionagem entre os envolvidos, com acusações de infiltrações e sabotagens. Grupos mercenários, como o Grupo Wagner, desempenham um papel importante na ofensiva russa. Houve um levante do Grupo Wagner contra o governo russo, mas acabou sendo encerrado em pouco tempo. Essa rebelião expôs divergências dentro do governo russo em relação à condução da guerra. A proposta de envolvimento do Brasil na resolução do conflito demonstra seu valor diplomático. A tensão na Europa deve persistir por um longo período.

 

Com uma duração de quase um ano e meio, a Guerra da Ucrânia é o maior conflito militar da atualidade.  Diferentemente do conflito rápido e eficaz esperado pela Rússia, a guerra se arrasta sem perspectivas de término. Desde dezembro de 2022, a Rússia tem fortalecido as defesas das áreas já ocupadas, adotando uma postura defensiva contra as contra-ofensivas operada pelas forças ucranianas. Em fevereiro de 2023, a Rússia enfrentou dificuldades de avanço e manutenção das áreas conquistadas. O país colocou em marcha a maior ofensiva da guerra até então, com o objetivo de conquistar regiões estratégicas em volta do Donbass. Todavia, a ofensiva russa não obteve resultados muito amplos, uma vez que ela já era esperada por Kiev. Deve-se levar em consideração que a OTAN tem apoiado militarmente a Ucrânia com o objetivo de infligir o maior desgaste geopolítico possível a Moscou.

 

Durante os combates travados no último mês, ganhou destaque nas últimas semanas um ataque contra uma barragem ucraniana na região de Kherson. Segundo o governo ucrâniano, uma parede da barragem teria sido rompida por ataques russos. A ação colocaria a vida de inúmeros moradores de Kherson em perigo, além de ser, em grande escala, um perigo ambiental, visto que a água do reservatório é utilizada também para resfriar reatores da usina nuclear de Zaporizhzhya. Esse não foi um ataque de natureza única: em setembro, outubro e dezembro de 2022, incidentes desse gênero foram presenciados, em uma tentativa de “destruir a capacidade energética da Ucrânia” , afirma Marina Maron

 

Os russos, por seu turno, afirmam que não realizaram o ataque e culparam a própria Ucrânia pela destruição da barragem. Na intensa propaganda de guerra que a Rússia e a Ucrânia (esta última com o apoio de toda a OTAN) tem feito, sobram análises que indicam que qualquer um dos lados se beneficiaria com essa operação. Provavelmente, será necessário o fim da guerra e a constituição de uma investigação independente para apontar o lado responsável pela ação.

 

Uma questão essencial sobre as ofensivas russas está no âmbito dos soldados que lutam na guerra. Os soldados russos são, em sua maioria, sub treinados, segundo informações da BBC. Alguns são ex-prisioneiros motivados pela promessa de anistia. Em termos de “moral da tropa”, essa é uma situação bem diferente da dos soldados ucranianos, que têm como motivação a defesa de sua terra natal. 

 

A já muito antecipada contra-ofensiva ucraniana começou neste mês de Junho. Devido a relativa estagnação na linha de frente e o recebimento de armas dos aliados da OTAN, se acreditou que seria o momento de pressionar os russos, cuja postura no campo de batalha parece indicar que eles não conseguem realizar gigantescas operações como do inicio da guerra. 

 

Uma série de reportagens têm sido transmitidas por veículos ocidentais com imagens in loco do fronte, BBC, The Sun, The Telegraph entre outros disponibilizaram materiais em vídeo. Fatalmente, o atrito (que tem sido a tônica desse conflito) tem gerado pesadas baixas de ambos os lados e qualquer ganho por parte dos ucranianos tem sido lento e não implicando em recuos substanciais das forças Russas. Não levou muito tempo para imagens dos propalados equipamentos doados pelo ocidente (como os blindados Leopard 2 e M2 Bradley), destruídos ou abandonados, circularem nas redes.  Uma força ofensiva tende a sofrer pesadas baixas, uma vez que quebrar linhas defesa é algo que demanda muitos recursos (os próprios russos experimentaram esse problema ao longo da guerra). Justamente por conta da dramatização das perdas russas feita pela imprensa ocidental, que busca, ao mesmo tempo,  contemporizar as perdas da Ucrânia, é necessário filtrar as informações e entender que as baixas nesse conflito advém de múltiplas razões, como incompetência, influência de fatores climáticos, diferença nas táticas empregadas e outros fatores, como a atuação política dos países da OTAN em apoio a Kiev. Um meio importante para acompanhar  os eventos da guerra – especialmente do lado ucraniano – é o veículo espanhol Revista Ejércitos que diariamente publica um ‘fio’ em seu site e twitter sobre o confronto.

 

A guerra velada 

 

Além da guerra na Ucrânia, as acusações de espionagem entre os atores envolvidos no conflito demonstram que os bastidores da política internacional são  quase tão complexos e agressivos quanto aquilo que se reporta do campo de batalha. Nesses bastidores, até mesmo o Brasil foi envolvido, mesmo que na prática se mantenha afastado do conflito e busque mediar negociações de paz. Desde o caso do espião russo infiltrado como brasileiro na Corte de Haia, outros agentes foram descobertos usando o passaporte brasileiro em atividades de inteligência. Setores do governo suspeitaram de tentativas dos EUA de induzir desconfiança nas relações entre Brasil e Rússia, mas a notícia dessas atividades motivou autoridades brasileiras a buscarem suspeitos de espionagem dentro do nosso país.

 

Ações semelhantes têm sido identificadas pela mídia internacional em outros países, como indicam os documentos secretos do Pentágono divulgados recentemente nas redes sociais. Segundo os vazamentos, espiões foram infiltrados em órgãos de guerra do governo russo, a serviço dos EUA e do Ocidente. A Ucrânia também está engajada nessa guerra de bastidores contra a Rússia e declarações de espiões russos em território ucraniano estão geraram tensões no governo Zelensky.

 

Por outro lado, a Rússia denuncia a presença ativa de outros países nos conflitos. Recentemente, Moscou acusou o governo dos EUA de hackear aparelhos celulares, especificamente Iphones da Apple, de diplomatas russos, enquanto países europeus noticiam tentativas de Moscou de infiltração e sabotagens regulares, como o caso recente de diplomatas russos expulsos da Finlândia. A relação entre Alemanha e Rússia foi mais abalada ainda por casos de espionagem e o governo alemão tem sido pressionado a ser mais contundente contra o governo de Putin.

 

As regulares informações vazadas indicam que a atividade de espionagem nos bastidores acontecia muito antes do início dos conflitos na Ucrânia e demonstram que, tanto a Rússia como o Ocidente estão sistematicamente envolvidos em sabotagens, infiltrações, monitoramentos, assassinatos, roubo de informações vitais e atividade de propaganda política desde antes das mobilizações militares. Em relação ao Brasil, há pouca informação oficial sobre o tipo de ação empreendido tanto pelo governo Bolsonaro como pelo governo Lula no sentido de controlar as ações de órgãos de inteligência russos ou ocidentais em território nacional.

 

Grupo Wagner

 

Após a declaração de vitória no conflito em Bakhmut por parte russos no final de maio, o Grupo Wagner, comandado por Yevgeny Prigozhin, confirmou seu protagonismo no campo da batalha, recebendo créditos parciais por parte do próprio Ministério da Defesa.

 

O concedimento dos créditos já foi per se uma ação disruptiva, Prigozhin criticou duramente a atuação do Exército Russo em Bakhmut, especialmente a logística de fornecimento de suprimentos e munições, chegando a  ameaçar retirar suas tropas caso não houvesse uma melhora.

 

Os grupos mercenários mostram-se cada vez mais importantes para a ofensiva russa na Ucrânia, especialmente na região do Donbass, sendo o Grupo Wagner a organização mais ativa. Segundo informações veiculadas pela imprensa, essa companhia militar privada recruta seus efetivos majoritariamente dentro das prisões russas,  os quais são treinados por ex-membros das Forças Especiais Russas. Nesse conflito, o Grupo Wagner divide o protagonismo com o grupo Patriot, PMC ligada ao próprio Ministro da Defesa Sergei Shoigu, que é por sua vez composto em sua maioria por ex-soldados do Exército Russo. Também, pode-se citar a atuação do Grupo Akhmat das Forças Especiais Chechenas, aliadas de Putin desde a vitória na Segunda Guerra na Chechênia em meados de 2009.1

 

O cabo de guerra pelos louros no conflito da Ucrânia se intensificaram após a vitória em Bakhmut, com o fim da ofensiva iniciou-se uma transferência de responsabilidades, onde o Grupo Wagner sai e o Exercito Russo assume suas posições, Devido às críticas ao comando russo por parte de Prigozhin, o presidente russo demandou que todos os grupos mercenários assinassem um contrato com o Ministério da Defesa, o qual passavam o total controle sobre as tropas para o governo russo.. Prigozhin recusou, e em rara discordância com Putin indagou que “nenhum dos combatentes do Wagner está pronto para seguir o caminho da vergonha novamente. É por isso que não assinaremos os contratos”. O grupo Akhmat não perdeu a oportunidade e assinou de pronto o contrato recusado, e deve assumir as posições deixadas pelo Wagner em breve.

 

Sempre importante lembrar que as críticas de Prighozin ao exército russo não eram diretamente uma crítica a Vladimir Putin, o qual é um aliado antigo, mas sim a Shoigu, que considera inapto de comandar corretamente as tropas em guerra devido a sua falta de experiência militar, já que Shoigu não foi membro do exército russo e sim das Forças de Resgate, onde sua atuação como Ministro de Situações de Emergência o alçou à posição de Ministro da Defesa.

 

As controvérsias e problemáticas que envolvem o conflito – seja conhecido ou encoberto – servem para reforçar que a tensão na Europa deve se prosseguir por mais alguns longos anos, seja na arena da segurança internacional, geopolítica ou diplomática.

 

Tendo isso em vista, podemos concluir que a iniciativa de Andriy Yermak (chefe de gabinete do presidente ucraniano) de demonstrar o interesse no envolvimento brasileiro na formação da cúpula da paz para o desfecho do conflito, diz menos sobre alternativas de resolução e, sim, mais sobre o valor diplomático do posicionamento do Brasil frente a guerra.

 

No momento em que essa newsletter está sendo concluída, chegam notícias de um levante do Grupo Wagner contra o governo Russo. Prigozhin, o chefe desta companhia militar privada, estava em rota de colisão contra o Ministro da Defesa Shoigu e declarou, abertamente, que estava em campanha contra a cúpula do exército russo. Os rebeldes tomaram o controle das instalações militares de Voroneh, a 600 quilômetros de Moscou e, segundo informações da imprensa ocidental, detiveram a sua marcha até a capital.


Algumas considerações preliminares sobre esse levante: a imprensa e os governos ocidentais acompanharam com atenção esse levante, com alguns jornalistas mais apressados chegando a afirmar que a Rússia estava à beira de uma guerra civil que refletiria um descontentamento mais amplo contra a condução das operações militares na Ucrânia. Ocorre que o Grupo Wagner, mesmo tendo sido empoderado pelo governo russo, jamais possuiu efetivos e armamentos suficientes para enfrentar e derrotar as forças de segurança russas num combate direto. Sem a adesão de forças políticas e securitárias, Prighozin jamais teria a oportunidade de depor o governo russo (e o próprio Prighozin tratou de dizer que não estava contra Putin, mas contra a cúpula do exército). 

 

Em menos de 48 horas depois da deflagração da rebelião, a rebelião foi encerrada e os rebeldes se retiraram de Voroneh. Houve uma negociação intermediada pelo presidente bielorusso, Lukashenko, e Prigozhin pôde sair da Rússia para a Bielorússia. Até agora não há informações mais concretas de todo esse processo. O que parece ficar evidente, porém, é o fato de que a  ação do Grupo Wagner lançou dúvidas sobre o poder do Presidente Putin e tornou público que há divergências dentro do governo russo quanto à condução da guerra. Indiretamente, isso contribui para a propaganda de guerra ucraniana, que acusa Moscou de estar perdendo o controle sobre suas próprias forças em razão da resistência de Kiev. É necessário acompanharmos as ações do governo russo nos próximos dias para uma melhor avaliação do impacto da ação do Grupo Wagner na política russa.

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