Argentina: eleições gerais e tensão política-social

08 de agosto de 2023

 

Por Acauã Alexandre José dos Santos; Bárbara Fasolin Koboyama; Gabriel N. Silva; Luiza Rodrigues; Mônica Almeida Peña e Tatiane Anju Watanabe (Imagem: Unsplash)

 

A corrida para as eleições presidenciais argentinas começa para valer em 13 de agosto, com as definições dos nomes que concorrerão ao primeiro turno em 22 de outubro. O país vive meses de tensão política-social e incertezas quanto ao futuro político, em quadro econômico agravado pelas crises da dívida pública, da inflação alta e da desvalorização da sua moeda. 

 

No dia 13 de agosto, ocorrerão as eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias – PASO – na Argentina. Essas primárias definem os candidatos a presidente, deputados e senadores que disputarão o processo eleitoral geral realizado dois meses e meio depois, no dia 22 de outubro.  As PASO servem para definir pelo voto popular quem será o candidato quando uma mesma frente ou mesmo partido tem mais de um postulante.

 

Para deputados e/ou senadores, em geral, é utilizado o sistema de representação proporcional, em que serão renovadas 130 cadeiras da Câmara dos Deputados e 24 do Senado. 

 

A eleição do Senado em 2021 foi a primeira vez que o peronismo não teve um quórum próprio na Câmara Alta, de acordo com o Página 12. Isso significa que antes o lado peronista conseguia por si contemplar o número mínimo de membros presentes no Senado para que sejam tomadas decisões e acordos, assim a disputa tem se intensificado no lado governista.


Além das presidenciais e parlamentares, o país passará também neste ano pelas eleições de governadores de 21 das 23 províncias e da Ciudad Autónoma de Buenos Aires O mapa eleitoral demonstra até agora vitória peronista nas províncias de Formosa, Tucuman, La Rioja, La Pampa e Tierra del Fuego, enquanto perde nas províncias de San Juan, San Luis e Jujuy. Apesar disso, os dados não são suficientes para analisar uma previsão de vitória visto que quase 40% da população argentina vive na província de Buenos Aires e que o cenário do resultado das eleições se encontra nessa concentração populacional do país.

 

Para a presidência, os candidatos se organizam em coalizões (alianças de partidos políticos). Foram formalizadas 15 coalizões com 22 pré-candidatos/as distribuídos/as entre elas. 

 

As principais coalizões políticas – com maior chance de recebimento de votos – são a Unión por la Patria, peronista e que apresentaram dois pré-candidatos: Sergio Massa, atual ministro da economia, e Juan Grabois, dirigente social do movimento de trabalhadores informais. A coalizão Juntos por el Cambio, oposição de centro-direita, que também apresentou dois pré-candidatos: Horacio Rodríguez Larreta, prefeito de Buenos Aires e já teceu críticas ao governo Macri (apesar de estar na mesma coalizão), e Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança do governo Macri e filha da elite agrária argentina. Há também uma aliança de extrema-direita com chances eleitorais, a Libertad Avanza, com somente um pré-candidato, Javier Milei, economista liberal que se diz “antissistema”. 

 

A pesquisa realizada pelo Instituto Atlas Intel, divulgada em 24 de julho, indica o governista, Sergio Massa aparecendo como provável vencedor das PASO com 26% das intenções de voto. Em segundo, nas intenções de voto, aparece a oposicionista Patricia Bullrich, com 22,2%. E em terceiro Javier Milei com 21,3%. A pesquisa mostra, também, empate entre a soma dos candidatos das coalizões Unión por la Patria e Juntos por el Cambio, ambas com 33,8% das intenções de votos cada (Sergio Massa – 26% e Juan Grabois 7,8%; Patricia Bullrich – 22,2% e Horacio Rodríguez Larreta – 11,6%).

Esse cenário se desenrolou com as desistências do presidente Alberto Fernandez, de sua vice, Christina Kirchner e do ex-presidente Mauricio Macri da corrida presidencial.

 

Instabilidade econômica

 

A Argentina se encontra em um cenário de instabilidades econômicas e políticas. A chegada das eleições demonstra um forte discurso sobre a situação econômica que já perdura no país há anos.

 

A relação entre a Argentina e o FMI surge em 1957, após o golpe militar de 1955 contra o segundo mandato de Juan Domingo Perón. Segundo o Voces en el Fénix, o objetivo do acordo era “voltar à maior liberdade econômica”. Foi o primeiro pedido de financiamento, que alcança a ditadura militar (1976-1983), e se estende até o último, firmado pelo governo de Maurício Macri, em 2018, somando um empréstimo de US$ 57 bilhões. A moratória de parte da dívida externa argentina, decretada no governo de Néstor Kirchner, em 2005, aliviou as finanças nacionais à época, mas bloqueou o acesso do país às agências internacionais de crédito. Com a maior parte de sua dívida nominada em dólares, a Argentina necessita sempre de um fluxo de moeda forte para fazer frente a compromissos externos. O vultoso acordo com o FMI deu fôlego à economia às custas de impor pesadas contrapartidas que limitam o crescimento e o orçamento público.

 

Além desse, há outros dois principais momentos do agravamento da dívida do país: a fatídica semana de 2001, em que 5 presidentes chegam a assumir o cargo em 11 dias, e a situação do país após o acordo com o FMI no governo Macri. O primeiro momento, conhecido também como default, ocorre como consequência das políticas neoliberais do governo Menem (1989-1999) enquanto o outro também é resultado do viés neoliberal do governo Macri em fechar um acordo com o FMI em 2018. Ambas as situações são detalhadas no artigo Argentina e FMI, publicado no OPEB.

 

A situação atual do país é de uma inflação de 115,6% ao ano, uma variação de 6% ao mês e uma variação acumulada de 50,7%, segundos os dados do INDEC (Instituto Nacional de Estadística y Censo) de junho de 2023 sobre o índice de preços ao consumidor. A constante desvalorização da moeda leva a mecanismos contraditórios na tentativa de ter respostas imediatas à crise econômica.

 

A dolarização informal se vê como uma realidade no país devido à instabilidade e surgem políticos neoliberais com propostas de formalizar esse mecanismo sob o pretexto de conter a inflação. No entanto, isso resulta na perda de autonomia sobre a moeda nacional visto que, na prática, acaba sendo responsável por desvalorizar a moeda nacional em função da moeda estrangeira e dificulta que o governo implemente políticas para estabilizar a questão econômica.

 

Entrada da China como emprestador de última instância

 

Os frequentes problemas com a dolarização informal da economia, inflação, dívida alta com o FMI e instabilidades daí recorrentes fazem com que o Estado tenha dificuldades para quitar suas dívidas e reequilibrar contas públicas. A dolarização traz consequências negativas fazendo com que o país se torne incapaz de contornar ou resolver problemas financeiros.

Na atual crise econômica argentina, podemos observar um novo capítulo: o Ministro da Economia, Sérgio Massa, possível candidato peronista à presidência, anunciou um novo acordo para o pagamento da dívida com o Fundo . Com a medida, a Argentina poderá acessar mais US$ 7,5 bilhões da instituição. Contudo, esse valor só estará disponível na terceira semana de agosto e, assim, não será possível utilizá-lo para quitar débitos com o próprio FMI.

 

A decisão tomada por Massa foi recorrer a um empréstimo transitório emergencial com organizações multilaterais como a Cooperação Andina de Fomento (CAF) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe. Outra fonte de empréstimo, confirmada com o Ministério da Economia, foi um swap de moedas com a China, a partir de créditos comerciais já concedidos. A Argentina renovou um acordo de swap com a China de 130 bilhões de yuans (cerca de US$1,8 bilhão) com prazo estabelecido de três anos. Assim, nesse período o Estado terá uma livre disponibilidade para usar esse recurso até o equivalente a 10 bilhões de dólares.

 

Os valores estipulados na renovação do acordo serão usados para pagamento de importações procedentes da China. Nesse momento, essas reservas também poderão ser utilizadas para pagar a dívida com o FMI. Tecnicamente, as autoridades argentinas definiram o acordo como swap (troca) de moedas devido à possibilidade dos chineses também terem acesso ao peso argentino. Porém, alguns analistas discordam dizendo que não se trata de um swap e sim de um crédito e, na prática, esses créditos permitirão que o banco central da Argentina preserve suas reservas em dólares. Assim, o preço da moeda americana teria estabilidade no país, garantindo o pagamento das importações da China. 

 

Argentina e o quadro internacional

 

O governo argentino tem se deparado com diversos obstáculos no cenário internacional, que vão desde dificuldades em manter o nível de suas reservas cambiais em divisas estrangeiras até a confiança que inspira para os investidores de maneira geral, em um período relativamente recente. 

 

As oscilações cambiais somadas ao ambiente de volatilidade das cotações, seguidos pelo prolongamento deste quadro não têm sido favoráveis para a atração de novos fluxos de capitais. O quadro geral de dificuldades econômicas foi agravado pelos efeitos da pandemia.

 

O caso argentino não foge a esta regra, mas a desvalorização vertiginosa de sua moeda resultou em uma fuga intensa de dólares de suas reservas que, consequentemente, impuseram uma barreira para o país se recuperar em um cenário global de hegemonia do dólar. Em paralelo a  tal cenário, temos a rápida ascensão da China como emprestador de última instância. Um exemplo mais tangível dos cenários até aqui apontados pode ser apontado pela “nova rota da seda”, ou iniciativa “cinturão e rota”, que têm atraído cada vez mais nações latinas para dentro de uma área de influência chinesa ao mesmo tempo em que oferece um mercado capaz de englobar seus produtos. O Brasil tem se mantido como um parceiro comercial ativo para Argentina assim como China da AL; porém se apresentar como um sócio confiável e hábil à comprir com seus acordos de longo prazo é uma característica importante para se firmar uma parceria.

 

Revoltas na província de Jujuy

 

Além do atual cenário de tensão e incerteza que ronda a política e a sociedade argentina, também se percebe uma escalada de tensões na Província de Jujuy, ao norte do país, na segunda quinzena de junho. 

 

Situada numa região muito rica em lítio – um dos principais minerais para a fabricação de baterias elétricas – Jujuy enfrenta uma onda de greves e manifestações que ganharam visibilidade no contexto eleitoral. Seu ponto de fervura foi a aprovação da reforma da sua Constituição provincial no dia 15 de junho, pelo governador Geraldo Morales, aliado de Maurício Macri, que alterou 66 dos 212 artigos da norma legal. O ponto que gerou maior revolta foi a modificação do artigo 36, sobre a propriedade privada. Este desconsidera a tradição do uso coletivo da terra dos povos indígenas, em que a maioria não têm nem ao menos título de propriedade, deixando-os em risco de expulsão e de punições contra uma ocupação por vezes secular. Segundo a jornalista Elaine Tavares, do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA), tudo isso se dá “para garantir propriedade aos exploradores do lítio”. É uma batalha contra gigantes, afirma ela. 

 

Ademais, segundo organizações que se mobilizam contra Morales, a mudança no texto constitucional também restringe o direito à manifestação, criminalizando protestos e acentuando a repressão, que contava no final de junho com cerca de 40 pessoas feridas.

 

Tal medida não passa despercebida e desassociada de um cálculo político: a nomeação de Geraldo Morales como candidato a vice-presidente na chapa de Horácio Larreta, da oposição de centro-direita. Morales já chegou a acusar o presidente Alberto Fernández de fomentar os protestos na província. Este rebateu dizendo que o governador é unicamente responsável “pela província de Jujuy adotar uma Constituição que contraria a Carta Magna nacional”.

 

Revoltas desse tipo, por mais que sejam compostas por condicionantes locais, apresentam repercussões nacionais e servem também como um movimento de contestação ao atual governo, num momento de elevada fragilidade política e econômica. 

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