Expansão do BRICS: complexidade e pontos de divergências

08 de agosto de 2023


Por Ester Gonzalez de Souza, Pedro Gabriel Ferreira dos Santos, Vitor Gabriel da Silva e Filipe Porto (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)



A próxima cúpula do BRICS é aguardada com otimismo em meio a um contexto global complexo. Disputas territoriais China-Índia e a invasão russa na Ucrânia impactam o grupo e seu banco de desenvolvimento (NBD). A China busca expandir sua influência através do “BRICS Plus”, enquanto Brasil e Índia demonstram cautela em relação à expansão, temendo perda de poder. A cúpula discutirá critérios para a inclusão de novos membros e questões como reformas globais e desdolarização. A expectativa é por progressos na busca de uma nova ordem mundial mais inclusiva e cooperativa.


A 15ª cúpula do BRICS (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) acontecerá em Joanesburgo, no fim de agosto (dias 22 a 24), e pode ser vista como uma das reuniões mais importantes do grupo até o momento, além de um sinal de esperança em meio a um cenário internacional complexo e agitado. Ainda assim, não se pode descartar o fato de que as atuais turbulências na política internacional têm consequências diretas para todos os países do bloco, expressas das mais variadas formas de competição intra e extra-BRICS.


Contexto Internacional 


Além da crescente rivalidade entre China e Índia sobre questões de delimitação fronteiriça na chamada Linha de Controle Real e das preocupações da Índia com a projeção da China em seu entorno imediato, o BRICS e seu braço econômico, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), também estão lidando com as consequências e repercussões econômicas da invasão russa na Ucrânia. Desde março de 2022, a Rússia teve todas as negociações dentro do NBD congeladas, o que representa uma exposição total de US$ 1,8 bilhão a entidades domiciliadas na Rússia. Mais que isso, o presidente russo não poderá comparecer à cúpula do grupo pela primeira vez, devido à possibilidade de ser preso, conforme a condenação do Tribunal Penal Internacional.


Como o NBD depende de financiamento externo (por meio de mecanismos como a emissão de títulos de dívida nos mercados globais de capital) e recursos financeiros dos membros do banco, o conflito em curso combinado com a pressão externa do Ocidente e as sanções à Rússia têm dificultado a busca do NBD por recursos externos, somando-se aos elementos que afastam o grupo da coesão em torno de objetivos comuns. 


Também é importante notar as oportunidades em meio a um cenário internacional complexo. Exportadores de petróleo para a China, conhecidos como clube petro-rmb ou petro-yuan – ou seja, Rússia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Angola – estão usando cada vez mais RMB em transações comerciais. Índia e Indonésia também anunciaram iniciativas semelhantes. Não obstante, o Brasil também emitiu sinais de interesse em ampliar o uso de uma moeda comum no Mercosul. Para a próxima cúpula do BRICS, é esperado o lançamento de um sistema de pagamentos em moedas em comum.


A expansão do BRICS e sua complexidade


As principais razões para a expansão do BRICS podem ser atribuídas à intensificação de uma reestruturação de ordem mundial advinda de países do Sul-Global, enquanto a China busca se afirmar como um pilar dessa nova ordem, ao aprofundamento da cooperação “BRICS Plus” e às demandas de países nodais.


No contexto do conflito em curso entre a Rússia e a Ucrânia e da intensificação da competição sino-estadunidense, o confronto Leste-Oeste tornou-se cada vez mais proeminente, no qual os dois lados buscam ampliar suas redes de parcerias. Como países em desenvolvimento, e em certa medida potências regionais em suas localizações geográficas, os países do BRICS são impulsionados, em teoria, por forte motivação para absorver outros países nodais de localizações estratégicas importantes para se juntarem ao seu campo, como é o caso da Argentina em relação ao Brasil.


Enfrentando críticas ao BRICS como um clube exclusivo e indo além do alcance com as respectivas sub-regiões, o BRICS Plus foi introduzido pela China enquanto presidia o bloco, durante a 9ª cúpula, em 2017, a fim de fortalecer o diálogo e a cooperação entre os países do BRICS e outros países em desenvolvimento e promover o estabelecimento de parcerias mais amplas. 


Embora o BRICS Plus apresente uma plataforma para os países em desenvolvimento, possibilitando que estes consigam aumentar sua representatividade na governança global, esse processo de expansão faz parte dos interesses econômicos e geopolíticos mais amplos da China, principalmente.


Ao retomar-se a história desse bloco, mais especificamente em 2011, ano de ingresso da África do Sul, muito sobre a expansão foi discutido, em função de que havia outras potências emergentes com economias maiores ou que possuíam taxas de crescimento maiores em comparação ao país sul-africano, a exemplo de Coréia do Sul e Turquia. Porém, o até então BRICs, priorizou a entrada da África do Sul, por muitos fatores, dentre eles, seus posicionamentos em fóruns e conselhos internacionais apresentarem certa harmonia com as ideias do restante do grupo, o que caracterizava baixo risco para o bloco e sua coesão.


Dito isso, a complexidade do BRICS vai além de questões econômicas e abrange a coesão de seus países-membros para uma eventual adição. Ao passo que a China, como em 2017, apoia a entrada de novos membros, nos últimos dois anos, mais de 30 países, formalmente ou informalmente vêm manifestando interesse em participar do grupo, como Arábia Saudita, Argentina, Argélia, Bahrein, Egito, Etiópia, Indonésia, Irã, Nigéria, Tailândia; o que aumenta ainda mais a pressão pela adesão de novos participantes.


Desta maneira, o atual cenário em que se discute a expansão do BRICS é de ampla divergência, o que torna o tema um ponto controverso, pois nem todas as cinco nações têm posicionamentos semelhantes em relação à expansão do grupo.


A posição de China e Rússia


O atual Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, vem declarando que o país asiático propõe procedimentos para uma futura e gradual expansão do BRICS para além do setor econômico, uma vez que o NBD abrange países não-membros oficiais, como Emirados Árabes Unidos, Egito e Bangladesh, e buscará o consenso dos demais países-membros. 


É possível verificar a importância da China no BRICS, sua capacidade de barganha nas decisões e o que o grupo significa para o país, que busca se assegurar como principal potência em meio à possível admissão de uma reorientação da ordem mundial em curso. O objetivo de Pequim ao defender a expansão do BRICS é o aumento de aliados que reforcem a posição do país asiático como potência mundial e sua influência econômica.


Inicialmente, as ambições de expansão chinesa não contavam com o apoio da Rússia, que já rejeitou um dos principais pleitos brasileiros: a expansão do Conselho de Segurança da ONU. Porém, em um contexto de ampliação do isolamento dos países ocidentais, que vem pressionando Moscou com sanções devido à guerra no leste europeu, a dependência russa à China vem se fortalecendo e, juntas, estão configurando um bloco anti ocidental. 


Ademais, em um contexto de tensão entre Estados Unidos e Rússia e de uma batalha comercial entre EUA e China, a expansão seria um elemento geopolítico estratégico, principalmente em relação à tentativa de angariar aliados detentores de recursos estratégicos ou posições geográficas estratégicas, bem como de alavancar o projeto rumo à desdolarização da economia global.


A posição de Brasil e Índia


Entretanto, Brasil e Índia são relutantes quanto à expansão e possuem um desejo de manutenção do grupo com seus cinco membros. Isso porque, com a entrada de novos membros, ambos os países podem ter suas influências no bloco diminuídas e o BRICS deixaria de ser um grupo exclusivo.


Outro argumento a ser levado em conta acerca da expansão do BRICS é relacionado ao tamanho do grupo, que pode reduzir as convergências políticas e dificultar a congruência de ideias. Caso o número de membros fosse um fator crucial, tem-se como exemplo a coalizão de países em desenvolvimento na ONU, o G77, que tem um elevado número de países em desenvolvimento, mas um grau reduzido de poder.


E a África do Sul?


A África do Sul, até o momento, não expôs abertamente seu posicionamento quanto à expansão do BRICS. Trata-se de um país economicamente dependente da China e que não tem uma influência intrabloco tão expressiva quanto aos demais países-membros. Contudo, a expansão do bloco pode ressaltar esses fatores, de forma semelhante à exclusividade do bloco para Brasil e Índia.


O futuro do BRICS e o que esperar da próxima cúpula


A China, que, desde 2017, propõe a ideia de expansão do bloco, levantará mais uma vez esse tópico em meio à 15ª cúpula e deverá trazer para o debate os possíveis critérios para tal, em razão da clara resistência por parte de Brasil e Índia ante a essa ideia, que caracteriza a ausência de um consenso e a complexidade da adição de novos membros. Não obstante, esta será uma pauta trabalhada pelo grupo ao longo do tempo e não deve ser definida em uma única cúpula. 


Há outros temas em questão que devem ser abordados nesta reunião, como os projetos de desdolarização e as reformas das organizações internacionais, bem como o esforço contínuo do bloco em propor mais lugares de decisões às potências emergentes, sobretudo aos países do BRICS, em um cenário internacional cada vez mais marcado por uma reestruturação de ordem. Mais importante, espera-se que na próxima cúpula já seja anunciado um sistema de pagamentos em moedas comuns no âmbito do NBD.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *