A Cimeira dos BRICS 2023: a procura de uma Nova Ordem Mundial

08 de agosto de 2023


Por Mohammed Nadir, Wilson Gregório da Silva, Gabriela Dias da Silva, Gabriel Soares, Flavio Thales (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)


A Cúpula dos BRICS 2023, envolvendo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, destaca-se como um esforço para estabelecer uma nova ordem global. Com origens em 2001, o grupo procura cooperação econômica, política e desenvolvimento sustentável. Enquanto China e Índia avançam como centros de inovação, outros membros enfrentam desafios econômicos e tensões geopolíticas. A busca por independência do Ocidente gera complexidades internas e externas. A Cúpula visa discutir problemas internos, incluindo reformas da ONU e rivalidades territoriais. A proposta de uma nova moeda apoiada em ouro reflete o desejo de diversificar longe do dólar. A Cúpula BRICS 2023 representa uma oportunidade para moldar a ordem global, apesar dos desafios.


Os BRICS: Gênese de um Bloco Sul


Os BRICS, é um acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, é uma associação internacional que representa alguns dos principais países emergentes do mundo. Rumores de tensão política sobre a presença do presidente russo Vladimir Putin na cúpula do BRICS na África do Sul em agosto de 2023, podem gerar implicações significativas nas relações internacionais e na dinâmica dentro do grupo. Para compreendermos todo esse cenário, devemos explorar a origem e os objetivos do grupo BRICS, examinar a relação entre a Rússia e a África do Sul dentro dessa parceria.


Os BRICS tiveram sua origem informal em 2001, quando o economista Jim O’Neill, do banco Goldman Sachs, cunhou o termo “BRIC” para se referir aos quatro países de rápido crescimento: Brasil, Rússia, Índia e China. O objetivo era destacar o potencial econômico dessas nações e sua possível influência no sistema financeiro global. Mais tarde, em 2011, por ocasião da III Cúpula, a África do Sul foi convidada a se juntar ao grupo e passou a fazer parte do grupo, e assim nasceram os BRICS.


Os principais objetivos do BRICS são: cooperação econômica, que busca promover o comércio e o investimento entre os países-membros, fortalecendo suas economias e aumentando a participação no comércio internacional, cooperação política; procurando  coordenar posições em questões globais, como segurança, meio ambiente, direitos humanos, e reforma das instituições financeiras internacionais, e o desenvolvimento sustentável; onde os membros do BRICS estão comprometidos em abordar desafios relacionados à sustentabilidade e ao desenvolvimento social em suas respectivas regiões.


A África do Sul, sendo o mais recente membro do BRICS, trouxe uma perspectiva aftécnica. Desde então, a cooperação entre a Rússia e a África do Sul tem se fortalecido em várias áreas, como comércio, investimento e cooperação técnica. Ambos os países compartilham interesses comuns em questões como a reforma do Conselho de Segurança da ONU e a promoção do multilateralismo. 


O peso econômico dos BRICS 


O otimismo que perpassou a sigla BRICS, pautado em previsões de um desempenho excepcional dessas economias emergentes, ainda não se concretizou, ao menos em sua plenitude. O estágio atual do desenvolvimento econômico de seus países membros tem um ritmo e dinâmica muito diferentes das expectativas e mitos sobre os quais o grupo foi criado. Segundo o Banco Mundial, os atuais membros do bloco representam metade da população mundial e contribuíram, em 2022, com 31,5% do  PIB global, calculado em termos de Paridade Poder de Compra (PPC), superando os países membros do G7, com 30,7%. 


Gráfico 1 – Participação dos países BRICS no PIB mundial (%) 

Fonte: The Print, – PIB com base na Paridade Poder de Compra em US$


Na última década, o desempenho e dinâmica econômica dos BRICS tornou-se ainda mais díspar, pode-se afirmar que existem duas realidades no grupo: 

A de China e Índia, que vem se despontando como centros tecnológicos e de inovação, a primeira com crescente aumento de sua competitividade e domínio da indústria global – em 2022 seu setor industrial gerou 33,2% de seu PIB total, o PIB chinês tornou-se o dobro dos outros quatro membros do BRICS – , a segunda, prestes a consolidar-se como a segunda maior economia do mundo -pelas projeções de crescimento do PIB Real feitas pelo banco americano Goldman Sachs.


Gráfico 2. Projeções de crescimento do PIB real (em trilhões de US$) 


Fonte: Goldman Sachs 


A dos membros restantes, dependentes de condições macroeconômicas globais que favoreçam valores de importação de seus bens primários e recursos energéticos: Rússia tornou-se uma potência energética, um dos maiores exportadores de petróleo e gás, no entanto, abalada pela guerra. Brasil e África do Sul mentaram suas economias estagnadas ao longo da última década, devido à instabilidade política e desajustes fiscais. 


Gráfico 3 – Comparação da participação sobre o PIB-Mundial entre dois núcleos dinâmicos do bloco de 1992 a 2021 (em %)

Fonte: Plataforma Statista, com base no relatório “World Economic Outlook abril de 2023” publicado pelo FMI;


O bloco vem empreendendo amplos esforços para se estabelecer como alternativa ao mainstream ocidental, angariando os papeis de fórum diplomático e financeiro internacional. Com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) em 2014 – com capital inicial de US$50 bi – os BRICS também puderam estabelecer-se como alternativa ao Banco Mundial e FMI, na posição de credor para financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento. 


Em suas diretrizes de planejamento, o banco concentra exclusivamente suas atividades em países emergentes, na intenção de distinguir-se dos grandes bancos multilaterais, e tornar-se a primeira linha para economias com tais características. Desde sua fundação, já foram aprovados 96 projetos, em todos os países membros, que totalizam US$ 32,8 bi, agregado a um plano de expansão de mais US$ 30 bi entre 2022-2026, que comporta 40% deste orçamento em projetos destinados à mitigação e adaptação para mudanças climáticas. 


Os BRICS: Aliado ou Adversário


A aliança formada pelo BRICS, conta com membros que historicamente são tanto aliados quanto adversários do Ocidente. Essa dicotomia cria uma situação complexa dentro do grupo, onde países como Brasil, Índia e África do Sul se alinham ao discurso crítico ao Ocidente, enquanto cooperam com Rússia e China para desafiar a hegemonia ocidental.


Esses países têm buscado maior independência geopolítica e econômica em relação ao Ocidente, promovendo políticas de proteção da soberania e não interferência em assuntos internos. A relação entre Rússia e África do Sul no BRICS exemplifica essa colaboração, ambos compartilhando a visão de não aceitação de violação de soberania por parte dos países ocidentais. No entanto, existem divergências dentro do grupo, como a posição da Rússia em relação a armas nucleares, o que contrasta com a postura de Brasil e África do Sul. Além disso, as tensões externas, como a crise na Ucrânia, afetam o BRICS, com Rússia e China enfrentando críticas e sanções do Ocidente.


Além das divergências internas, o BRICS também enfrenta desafios externos. A Rússia e a China têm sido alvo de críticas e sanções por parte do Ocidente, especialmente em momentos de tensões geopolíticas, como a crise na Ucrânia. Enquanto Brasil, Índia e África do Sul tentam manter uma postura equilibrada em relação a essas questões, é inevitável que essas tensões externas tenham um impacto no grupo.


A Índia, por sua vez, desempenha um papel intrigante dentro do BRICS. Sendo uma potência atômica, nunca assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o que a coloca em uma posição única em relação ao resto dos membros do BRICS. Essa postura, aliada à sua busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, demonstra a busca da Índia por maior influência global. 


No entanto, a Índia também enfrenta suas próprias contradições ao se envolver com o Ocidente e com Rússia e China, por um lado, busca fortalecer suas parcerias com países ocidentais, mas, ao mesmo tempo, busca uma maior cooperação com Rússia e China em fóruns como o BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO). Essa abordagem tem sido chamada de “multipolarity”  ou “multi-alinhamento” que visa maximizar o poder de barganha da Índia no cenário global


As tensões entre Índia e China, especialmente na região do Himalaia, também têm impacto sobre a dinâmica do BRICS. A China é vista como uma ameaça à segurança nacional da Índia, e essa percepção tem impulsionado a Índia a buscar uma maior cooperação com outros países do BRICS e com o Ocidente para equilibrar o poder chinês.


Em resumo, o BRICS é uma aliança paradoxal, com membros que são aliados e adversários do Ocidente. Isso cria desafios internos e externos, mas também oferece oportunidades para que os países busquem maior independência geopolítica e econômica em relação ao Ocidente. O equilíbrio entre essas tendências será um desafio contínuo para o BRICS, mas também pode fortalecer o grupo em sua posição de rival e crítico da hegemonia ocidental.


A cúpula dos BRICS 2023 na África do Sul:  A procura de uma Nova Ordem Mundial


Os BRICS emergiram como uma poderosa aliança de economias de mercado emergentes ao longo do século XXI. O grupo tem vindo a tornar-se cada vez mais a base de sustentação da economia global.


Só este ano, os BRICS ultrapassaram a contribuição do G7 em termos do PIB global, sendo o grupo responsável por quase um terço da atividade econômica mundial. Perante a crescente estagnação económica no Ocidente, os BRICS chegaram mesmo a lançar a ideia da sua própria moeda de reserva global, procurando quebrar o domínio que o dólar americano tem tido desde o colapso de Bretton Woods em 1971.


No entanto, a diversidade dos sistemas econômicos e políticos dos BRICS, bem como as crescentes tensões geopolíticas com a Rússia e a China, têm ameaçado o progresso do grupo. Desse modo constata-se que à medida que cresce o debate sobre se Putin irá sequer participar na próxima conferência na África do Sul, muitos se perguntam se o projeto está a ficar sem força ou se está apenas a começar. Eis a questão hoje em relação ao BRICS, que está no obstante atraindo outros países do Sul e dessa forma está se tornando a plataforma dos oprimidos e dos sem voz. 


De fato, há que admitir que os BRICS têm colocado metas audaciosas nos últimos anos, uma dessas metas é utilizar a cooperação para remodelar a arquitetura política e econômica mundial em seu benefício. Assim, tanto o Fórum Parlamentar do BRICS e o Diálogo de Divulgação servem como vias de consulta e envolvimento com os vizinhos regionais e outros países interessados. Por exemplo, a África do Sul utiliza a plataforma BRICS para prosseguir as suas prioridades de política externa, como a Agenda Africana e a Cooperação Sul-Sul.


Em termos econômicos, evidencia-se que tanto a iniciativa de criar o Conselho Empresarial do BRICS, tanto o Acordo que cria o Arranjo Contingente de Reservas e do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) com sede em Xangai, tem desempenhado um papel fulcral na mobilização de recursos para projetos de infra-estruturas e de desenvolvimento sustentável nos países dos BRICS. O CRA (Contingent Reserve Agreement) fornece apoio de liquidez a curto prazo aos países membros, reforçando a estabilidade financeira e atenuando as crises da balança de pagamentos.


Todavia e na véspera da cimeira de Joanesburgo que ocorrerá dos dias 22 a 24 de agosto, é legítimo perguntar-se quais os desafios que os BRICS enfrentam?


Há que reconhecer que a instabilidade política e econômica interna, o desacordo sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as disputas territoriais entre a Índia e a China constituem verdadeiros obstáculos à cooperação e ao crescimento contínuo dos BRICS. Além disso, fatores exógenos, como o declínio do investimento estrangeiro e o abrandamento econômico na China, atrasaram o seu desenvolvimento. 


Há muitos que consideram que alguns destes desafios representam um diagnóstico terminal para a prosperidade do grupo. Os membros esperam que a reunião deste ano prove que os cépticos estão errados.

Prevê-se que a agenda da Cimeira dos BRICS de 2023 abranja a facilitação do comércio e do investimento, o desenvolvimento sustentável, a inovação e a reforma da governação mundial. No entanto, um dos pontos-chave desta 15ª Cimeira dos BRICS será a discussão da controversa proposta dos BRICS de uma nova moeda apoiada em ouro.


Na prática, esta política reflete o desejo dos BRICS de reduzir a dependência do dólar americano, ainda que muitos questionem as motivações que lhe estão subjacentes. Alguns sugerem que a medida foi concebida para cimentar o lugar dos BRICS no topo da economia global, enquanto outros pensam que foi concebida como uma medida reativa aos problemas econômicos do grupo. Seja como for, é mais que evidente que a percepção da fraqueza e declínio dos EUA, tanto econômica como diplomática, por parte dos membros dos BRICS tenha contribuído para o momento do anúncio.


Dessa forma, evidencia-se que a desdolarização tem vindo a ganhar força, com a Rússia, a China e o Brasil a utilizarem cada vez mais moedas que não é o dólar nas transações transfronteiriças. A invasão russa da Ucrânia e as subsequentes sanções ocidentais motivaram ainda mais estes esforços. Mais, os países BRICS têm vindo a explorarem a possibilidade de uma moeda criptográfica BRICS e o alinhamento estratégico das moedas digitais dos bancos centrais para a interoperabilidade monetária e a integração econômica.


É evidente que uma nova moeda dos BRICS exigiria negociações extensas e o estabelecimento de mecanismos para taxas de câmbio, sistemas de pagamento e regulação do mercado financeiro. No entanto, o grupo pode concentrar-se inicialmente no desenvolvimento de um sistema de pagamento integrado eficiente para transações transfronteiriças antes de introduzir uma nova moeda.


Em jeito de conclusão, há que afirmar que os resultados da cimeira da África do Sul serão acompanhados de perto, uma vez que irão moldar a trajetória futura das alianças à escala global e o seu papel na resposta aos desafios geopolíticos. Resta saber como é que os países BRICS irão enfrentar as complexidades da guerra na Ucrânia e manter a unidade no seio do grupo.

Embora existam desafios, a próxima cimeira na África do Sul constitui uma plataforma importante para abordar estas questões, reforçar a cooperação e definir a futura direção do grupo. 


As discussões dos países dos BRICS sobre uma moeda comum refletem as suas aspirações de diversificação em relação ao domínio do dólar americano, mesmo que as motivações por trás disso não sejam claras. Embora uma nova moeda enfrente obstáculos, simboliza o empenhamento do grupo em ser o futuro da economia mundial. A aliança BRICS tem o potencial de desempenhar um papel fundamental na formação de uma nova ordem econômica e política global através dos seus esforços de colaboração e visão partilhada. O tempo dirá se esta visão se traduzirá ou não em realidade.

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