Giro ambiental: Mercado de carbono no Brasil; Cúpula das três bacias; e novo Financiamento ONU-BNDES no Semiárido

16 de novembro de 2023

 

Por Giovana Plácido, Larissa Lima, Laura Pugliesi Rivaben, Lucca Franco e Vinícius Santos (Imagem: Ricardo Stuckert/PR)

 

Destacamos três pontos cruciais para a sustentabilidade ambiental no Brasil: o mercado de carbono, a parceria ONU-BNDES para projetos no Semiárido e a participação brasileira na II Cúpula das Três Bacias. Abordando desafios e oportunidades, destaca-se a complexidade da regulamentação do mercado de carbono, a potencial influência positiva da parceria no Semiárido e questionamentos sobre a eficácia da cúpula global devido à ausência de alguns líderes.

 

Mercado de carbono no Brasil

 

A ideia de um “mercado de carbono” surgiu diante da intensa proliferação de gases poluentes na atmosfera e da urgência de elaboração de projetos para mitigá-la. Trata-se de uma mecanismo de compensações que comercializa créditos de carbono, um ativo financeiro internacional em que um crédito vale uma tonelada de gás carbônico, sendo desenvolvido para incentivar economicamente as nações a colaborarem na diminuição de emissões globais e, consequentemente, na limitação do aquecimento do planeta em 1,5º até 2100 em relação aos níveis pré-industriais, objetivo  determinado no Acordo de Paris, em 2015.

 

O mercado é uma consequência da assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997, no qual foram estabelecidas metas obrigatórias de redução dos GEEs (gases do efeito estufa) aos países desenvolvidos, assim estabelecendo um limite de poluição que pode-se emitir. Enquanto existem países que não conseguem atingir suas metas, há outros que se empenham e conseguem baixar seu nível de poluição, adquirindo os chamados “créditos de carbono” que são comprados pelo primeiro grupo como uma forma de compensação. Os mecanismos para alcançar tais créditos são variados, como a transição para uma matriz energética mais renovável e a expansão das plantações de árvores. 

 

A venda dos créditos de carbono pode ocorrer por meio de dois mercados: o regulado ou o voluntário. O primeiro, caracterizador das metas do Protocolo de Kyoto, é obrigatório, baseado em programas de cap-and-trade (compensação) e está restrito a atores específicos preocupados em concluir a finalidade imposta. Já o segundo surgiu de forma paralela e consiste na compra ou geração de créditos por empresas, organizações ou até indivíduos com intenção de auxiliar na diminuição de emissões, porém não sendo válidos para as metas de redução de países atrelados aos mercados regulados. Desse modo, o mercado voluntário tende a valorizar mais os benefícios socioambientais e conta com projetos voltados para a inclusão social, enquanto o mercado regulado focaliza em projetos de grande escala.

 

No Brasil, o mercado em vigor é o voluntário e ocupa a sétima posição de comercialização de créditos de carbono no mundo. De acordo com a Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), as receitas dessa comercialização podem chegar até US$100 bilhões até 2030 e, até a próxima década, o Brasil poderá suprir 37,5% da demanda do mercado voluntário global. Os dados mostram o enorme potencial que o Brasil possui neste âmbito, resultando em anseios pela implementação do mercado regulado em solo brasileiro. 

 

No início de outubro, a Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou, por unanimidade, um Projeto de Lei (PL) que regulamenta o mercado de carbono em nosso país. A aprovação do PL seria o primeiro passo para a implementação de uma regulamentação deste mercado no Brasil que, como citado anteriormente, reserva um grande potencial na arena internacional deste assunto. O projeto cria o chamado Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões (SBCE) e regula as emissões de empresas e pessoas físicas que emitem acima de 10 mil toneladas por ano. Além disso, cria mecanismos de compensação, como a compra de créditos gerados por projetos de redução de emissões.

 

Entretanto, cabe ressaltar que o referido PL somente foi aprovado após a retirada das atividades agrícolas da regulamentação proposta, advinda justamente de um acordo com setores do agronegócio no Congresso. Tendo em vista que este setor é a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa no país, quando propõe-se a retirá-los de um Projeto de Lei que busca regulamentar este assunto, há um imenso contrassenso na real efetividade desta possível futura legislação, já que estaria-se ignorando um dos maiores agentes desta grave problemática que afeta o meio ambiente do mundo. 

 

Nesse sentido, o Brasil é o quinto maior responsável no mundo na emissão de gases do efeito estufa, ficando atrás apenas de países como a China, EUA, Índia e Rússia. Porém, estes países têm a queima do combustível fóssil como a principal causa para a sua posição no ranking de maiores emissores, diferentemente de nosso país, que possui seu recorde ocasionado pelas práticas agropecuárias e de desmatamento, este advindo sobretudo da conversão de áreas verdes em locais voltados à agropecuária.

 

Por um lado, destaca-se que o Projeto de Lei é fruto de um imenso esforço do Governo Federal para a diminuição das emissões de gases do efeito estufa e, claro, parte de toda uma estratégia de trazer ao debate a sustentabilidade e as preocupações acerca das mudanças climáticas. Dada a aplicabilidade na busca pela sustentabilidade e o fator rentável que pode ser desbloqueado através de seu uso, o mercado de créditos de carbono se tornou uma meta para o novo governo Lula. Segundo especialistas, a regulação do mercado de carbono é um dos caminhos da sustentabilidade com inclusão e deve ser levado em conta quando se busca avançar no desenvolvimento sustentável. Assim, seria uma oportunidade única para o país se alinhar em uma importante política climática mundial, regulando de forma mais barata a emissão desses gases e, principalmente, promovendo uma transformação na indústria.

 

Porém, por outro, a vitória da Frente Parlamentar da Agropecuária pode significar um grande retrocesso ao não incluir-se uma das atividades que mais emite gases do efeito estufa no país justamente em um momento de possibilidade de avanços na regulamentação deste grande mercado internacional. Aliás, esta problemática é apenas uma das diversas contradições da aplicação do mercado de crédito de carbono no mercado brasileiro. Assim, na mesma medida em que os créditos de carbono se mostram eficazes para a diminuição do CO2, a criação de um mercado verde pode ser complexa, e cheia de controvérsias, principalmente no âmbito regulatório, na governança, e na aplicabilidade do sistema.

 

No primeiro caso, a regulamentação de um mercado livre de carbono é complexa devido a sua característica que envolve fatores técnicos e políticos, principalmente na área jurídica. Se é necessário criar uma jurisdição que permita combinar a aplicabilidade do mercado de carbono sem favorecer determinados setores poluidores, além de que, se deve evitar que, o mecanismo de compensação acabe criando condições para que os maiores poluidores, como as indústrias petroquímica e de energia termoelétrica, continuem poluindo usando espaços na lei para se beneficiar.

 

Ao mesmo tempo, é necessário uma governança presente, com participação dos setores público e privado. Se é necessário criar “compensações” para as indústrias que adentrarem o mercado de carbono dentro do sistema o Cap and Trade, onde o governo estabelece um limite (cap) de emissões de carbono para o país e distribui licenças (trade) entre as empresas de forma gratuita ou por meio de leilões. Outro papel da governança seria o controle da emissão de gases das empresas, segundo a CNI, é necessário a criação de um sistema que permita a mensuração, relato e verificação das emissões e remoções de gases do efeito estufa da atmosfera, ou seja, investimento técnico e científico na área, que agrade tanto as diretrizes governamentais, quanto as empresas.

 

No âmbito da aplicabilidade do sistema é algo de suma importância. É necessário que as empresas a indústrias brasileiras se adequem ao padrão de emissão de gases poluentes previstos e supervisionados pelo governo, em outras palavras, o país pode ter grande adequação aos limites estabelecidos dentro do mercado de carbono, mas é necessário que as indústrias sigam o patamar esperado, e aceitem a regulamentação governamental.

 

Com isto em mente, o governo brasileiro deve pensar em como investir no mercado de carbono, e como isso será benéfico dentro dos caminhos para a sustentabilidade e o desenvolvimento econômico. Deve-se ter em mente que o mercado de carbono é apenas um passo para um caminho muito maior que é a preservação total da natureza. Somente assim, se terá ganhos em um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e inclusivo.

 

Acordo ONU-BNDES visa 1 milhão de pessoas no Nordeste

 

No dia 24 de outubro de 2023, o Palácio do Planalto celebrou um acordo de recebimento de recursos para projetos que tenham como objetivo promover a resiliência climática, em regiões semiáridas dentre os nove estados do Nordeste brasileiro.  

 

Estavam presentes na cerimônia o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira. Também estiveram presentes os nove governadores integrantes do Consórcio Nordeste, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o diretor do FIDA no Brasil, Claus Reiner, e a diretora Socioambiental do Banco, Tereza Campello. Trata-se do maior projeto apoiado pela agência da ONU na América Latina e Caribe e também o primeiro do FIDA com um Banco Nacional de Desenvolvimento.

 

Os recursos, que somam R$1,8 bilhões, provêm do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) – órgão das Nações Unidas (ONU)  que atua no Brasil desde 1980, apoiando pequenos produtores agrícolas e agricultura familiar através da facilitação de empréstimos e grupos de desenvolvimento e cooperação  – e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), são destinados ao edital Sertão Vivo, cujo objetivo é apoiar projetos que promovam o aumento da resiliência climática da população do Semiárido do Nordeste brasileiro.Os fundos serão canalizados para quatro estados no Nordeste por meio do BNDES e terá apoio dos governos dos estados para sua implementação que varia de acordo com cada projeto aprovado.

 

Além de conservar a biodiversidade, o edital visa fortalecer práticas agrícolas sustentáveis e o acesso a recursos hídricos que garantam produção de comida em quantidade e qualidade adequadas para famílias residentes em territórios com incidência de pobreza rural, vulnerabilidade climática e exposição histórica à seca e insegurança alimentar e nutricional. Segundo o presidente do BNDES, Mercadante, a iniciativa pode contribuir para a construção de soluções contra o aquecimento global em outras regiões do planeta. O acordo parece muito promissor, um grande investimento para uma grande causa. A promessa é que, ao todo, sejam beneficiadas 439 mil famílias, quase 1 milhão de pessoas, segundo o BNDES. 

 

Dessa forma, a iniciativa consegue unir apoio à agricultura familiar, responsável pela maior produção de alimentos consumidos pelos brasileiros; combate à insegurança alimentar, que hoje atinge 63% da população rural no Brasil; promoção de sistemas agroflorestais, que permitem uma maior saúde ecossistêmica nas produções; gestão sustentável; e financiamento verde numa área de grande vulnerabilidade ambiental frente à emergência climática, o semiárido brasileiro.

 

Brasil participa da II Cúpula das Três Bacias, na Rep. do Congo

 

O Brasil participou na última semana da II Cúpula das Três Bacias, Ecossistemas de Biodiversidade e Florestas Tropicais (S3B EBFT), entre os dias 26 e 28 de outubro de 2023 na República do Congo, como um marco da aliança entre os Estados com as três maiores bacias hidrográficas do mundo que representam 80% das florestas tropicais do mundo e dois terços da biodiversidade da terra, assim, ocorrendo a cúpula Amazônia–Congo–Bornéu–Mekong–Sudeste Asiático. Dessa forma, a cúpula envolveu diversos países, organizações internacionais e ONGs que tenham vínculos com o tema. Sendo que, em especial, houveram 37 Estados representantes das Bacias: dezessete referentes à Bacia do Congo, nove da Bacia da Amazônia e onze da Bacia de Bornéu-Mekong, no sudeste asiático. 

 

A primeira cúpula da articulação entre esses Estados ocorreu em maio de 2011, entre os países das três bacias e as principais organizações representantes destes (OTCA, ASEAN, COMIFAC). Dessa cúpula foi publicada a Declaração da 1ª Cimeira das Três Bacias Florestais Tropicais, que possuía 13 pontos de coordenação política, econômica e científica. Apesar de certos avanços, não houve efetivamente nenhum resultado enfático de coordenação global entre os Estados após a primeira cúpula. Contudo, em 2022, ocorreram dois reconhecimentos que introduziram novamente a relevância dessa cooperação, a primeira ocorreu na COP 27, no Egito, quando houve o reconhecimento histórico do papel de reguladores globais do balanço de carbono do planeta dos países com florestais e  tropicais. Já a segunda, em dezembro, na COP 15 para biodiversidade, no Canadá quando houve o reconhecimento, por sua vez, que as três principais ecossistemas florestais são última linha de defesa para a preservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas, sendo prometido um fundo fiduciário para a preservação da biodiversidade de ao menos 20 milhões de dólares para 2025.

 

Nesse sentido, na COP 27,  através da articulação do presidente Lula, em especial, com os países responsáveis pela maior parte das florestas tropicais (Brasil, República do Congo e Indonésia), no qual foi assinado um acordo para cooperação e conservação dos ecossistemas críticos e para a coordenação de financiamentos que garantiriam a saúde das pessoas e das florestas. Dessa forma, iniciou-se a aproximação dos Estados, visando a primeira coligação global para restaurar 350 milhões de hectares de ecossistemas terrestres e aquáticos. Diante disso, a 2ª cúpula, teve por objetivos, em especial, a questão da articulação de uma governança global das bacias das florestas tropicais e no financiamento do financiamento do papel de regulador global do balanço de carbono das três bacias através de créditos soberanos de carbono e da instalação de um mercado de carbono estruturado. Para tal, proclamou-se buscar gradualmente uma governança estritamente Sul-Sul, visando a atuar como uma força de influência nos organismos multilaterais de clima e biodiversidade. Apesar disso, houve críticas, em especial advindo da mídia africana pela ausência de todos os chefes de governo de países da Amazônia e da Ásia, suscitando dúvidas quanto ao comprometimento da cúpula e a possibilidade que acabe por não ser efetivada como ocorreu na primeira cúpula.

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