Importância do BRICS para a América Latina

Ano V, nº 92, 27 de dezembro de 2024


Por Marcella Burgato, Marlon de Souza, Pedro Henrique Carmo (Imagem: Ricardo Stuckert/ Agência Brasil)

 

O próximo encontro do BRICS, que deverá ocorrer no Brasil, em 2025, é uma  oportunidade para discutir uma aproximação entre os países do grupo e os Estados latino-americanos visando fomentar o desenvolvimento comum.

 

O presente artigo busca discorrer sobre a importância do BRICS na América Latina (AL). Desse modo, será analisado inicialmente, a criação do grupo e apontamentos iniciais, de maneira a entender como foi sua formação e sua evolução, tanto politicamente quanto em quantidade de membros. Ademais, para analisar sua importância, foi necessário analisar seus principais projetos e as vantagens do grupo para a região.


Criação e funcionamento do BRICS


O surgimento da sigla BRICS data de 2001, no estudo intitulado Building Better Global Economics BRICs, com o objetivo de analisar o cenário econômico global emergente, sob autoria de Jim O’Neill. Em 2006, o conceito é novamente analisado na 61º Assembleia Geral das Nações Unidas, com a criação de mecanismos de cooperação entre os países do futuro grupo, os quais, posteriormente passaram a se reunir de modo recorrente às margens das Assembleias Gerais da ONU. Em 2009, ocorreu a primeira reunião presidencial dos países do BRIC – o ingresso da África do Sul como membro do grupo se realizaria 2 anos depois, na terceira cúpula dos BRIC realizada em 14 de abril de 2011, transformando-o em BRICS, o que fez com que este agrupamento passasse a ter um membro em cada continente


Dessa forma, o grupo contava com a Rússia, Brasil, África do Sul, Índia e China. O cenário internacional pós-Crise de 2008 mantinha uma posição favorável para os países emergentes que não foram profundamente afetados pela crise, como a China e o Brasil. Para os países dos então BRIC, a reunião pôde levantar temas importantes, como “uma ordem multipolar mais democrática e justa, à reforma das instituições financeiras – dando um maior espaço às economias emergentes e em desenvolvimento” (BORGES, 2022, p.32).


Cabe destacar que este grupo foi constituído com o objetivo de reforçar a multipolaridade e pressionar por reformas das instituições financeiras internacionais. No entanto, encontros em formato de cúpulas permitem que novos projetos sejam integrados ao grupo, criando novas articulações como a criação do New Development Bank (NDB) – Novo Banco de Desenvolvimento – Banco do BRICS em 2014, hoje presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e que será reconduzida a presidência do NDB em 2025  – apresentando também, projetos importantes de desenvolvimento sustentável e infraestrutura cedidos não só aos países membros, mas para outros países em desenvolvimento, a partir de 2023, com projetos no Egito e Bangladesh (GRIFFITH-JONES, 2014). Além disso, o grupo conta com projetos na área da saúde como a criação da Rede de Pesquisa em Tuberculose, na área empresarial, com Conselho Empresarial dos BRICS (CEBRICS) e o Fórum Empresarial do BRICS e diversos outros segmentos como segurança e pesquisa (BORGES, 2022). No espectro político, o grupo vem discutindo questões importantes, porém, ainda não existe um consenso unânime do BRICS sobre assuntos que cercam o sistema internacional.

 

Novos países no grupo do BRICS


Em janeiro de 2024 foi oficializada a adesão de quatro países ao BRICS, sendo eles Emirados Árabes Unidos, Irã, Etiópia e Egito. No final de outubro do mesmo ano, foram convidados novos 13 países para integrarem o BRICS como “países participantes”, sendo eles Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda. Isso permite a participação destes países nos fóruns de discussões multilaterais, sem direito de palavra final. Na AL, a Argentina recusou a adesão aos BRICS sob a administração do anarcocapitalista Javier Milei devido a seu posicionamento ideológico pré anunciado durante o processo eleitoral argentino, outrossim, um veto foi imposto pelo Brasil à entrada da Venezuela, oriundo das recentes discussões diplomáticas entre os dois países referentes ao processo eleitoral venezuelano. Na Ásia, a Arábia Saudita tardou em iniciar o seu processo de adesão pela sua relação com os Estados Unidos. A XVI Cúpula dos BRICS realizada em Kazan, na Rússia, em 2024, iniciou o debate sobre o estabelecimento de critérios para ingresso de países no BRICS, assim como foi exposto algumas convenções de funcionamento do BRICS, como, por exemplo, as decisões só podem ser deliberadas por consenso dos países membros.


Economia Política dos BRICS para a AL


O Brasil passará a presidir os BRICS em 2025. O presidente Lula tem a oportunidade histórica de promover concretamente a integração produtiva industrial, financeira e de infraestrutura (física, logística) entre a América Latina e os BRICS em uma articulação Sul-Sul para a superação do subdesenvolvimento sistêmico do Sul Global. Os BRICS pode se constituir como uma das mais importantes plataformas voltadas a promover o desenvolvimento do Sul Global, com um PIB que, em 2024, representa 31,5% o total global, superando os 30,8% do G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da União Europeia), alcançando uma tendência de crescimento dos países em desenvolvimento. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) até 2028, os países do BRICS vão representar de 35 a 40% do PIB global por paridade de poder de compra, enquanto a participação do G7 cairá para 27,8%.


A XVII Cúpula dos BRICS será realizada no Brasil ainda sem data marcada, mas com expectativas para ocorrer em julho de 2025.  O presidente Lula já convidou em caráter oficial o presidente da China Xi Jinping para vir ao Brasil para esta reunião. O BRICS apesar do desafio de ser formado por países com governos de matizes políticas-ideológicas e econômicas sobremaneira heterogêneas, têm tido um objetivo comum: superar o subdesenvolvimento de suas nações. 


Nesta perspectiva, o encontro no Brasil pode ser uma oportunidade para que, sob a liderança do presidente Lula, os países da região possam intensificar a articulação com os outros Estados do BRICS, não apenas comercial, mas pensando em uma integração produtiva industrial, física (logística) e energética A articulação produtiva industrial da AL deve preceder ou ser simultânea a esta relação política-econômica com o BRICS.  Tal movimento de aproximação já vem sendo realizado com a China por meio dos fóruns China-Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Por meio da CELAC tem-se tentando discutir um modelo de integração da região com a China. Contudo, poder-se-ia pensar em avançar em um modelo que articulasse não apenas China-CELAC, mas BRICS e AL, partindo-se de projetos exitosos já existentes, tal qual no campo aeroespacial, por exemplo, o programa de cooperação China-Brasil Earth Resources Satellite 3 (CBERS 3) e a criação do Centro de Integração e Cooperação da Rússia e América Latina (CICRAL) lançado na Embaixada da Rússia no Brasil na sexta-feira (29/11) e já instalado no Paraguai e Bolívia. A CELAC tem se mostrado o organismo internacional mais capaz para se constitui a relação AL-BRICS para a superação do subdesenvolvimento.


Conclusão


A recente ameaça aos BRICS do presidente eleito dos Estados Unidos (EUA) Donald Trump de taxar em 100% sobre os produtos exportados pelo grupo caso os países membros levem adiante a criação de uma moeda que substitua o dólar nas transações internacionais reafirma a prática imperialista dos EUA de desrespeito à soberania dos países e autodeterminação dos povos utilizando a hegemonia do dólar como arma geoeconômica para espalhar crises, inflação, desestabilização financeira e da ordem mundial.


A resposta chinesa de  zerar todas as tarifas aplicadas a países em desenvolvimento demonstra na ação prática – e não apenas discursiva – uma política econômica internacional da principal potência do BRICS, a China, oposta a do imperialismo dos EUA. A China tem se inserido na economia-mundo em uma macrodinâmica internacional em direção contrária do poder global monopolista do império mundial estadunidense (NOGUEIRA, 2008), se opondo a um novo tipo de hegemonismo, de colonialismo, interferência em assuntos internos e desrespeito à soberania.


A atual estratégia política em curso para os países em desenvolvimento conduzida pelo BRICS para a AL deve ser de elevar a AL na divisão internacional do trabalho, reverter a posição da região como mera exportadora de recursos naturais, compartilhar transferências de linhas de produção e tecnologias da fronteira do conhecimento e concretizar uma relação de cooperação para o desenvolvimento econômico comum a partir  da qual se promova investimentos produtivos, aumento da renda per capita da AL, uma nova arquitetura financeira internacional, a paz e uma participação mais elevada nas cadeias globais de valor.

 

Referências 


BORGES, Luiza. A Criação e Consolidação dos BRICS Na Nova Ordem Internacional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Curso de Relações Internacionais. Porto Alegre, 2022.


BBC NEWS. Expansão dos BRICS: o que muda com a entrada de novos países no bloco. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gz5nzlny5o. Acesso em: 2 dez. 2024.


CNN BRASIL. Cúpula dos BRICS confirma convite a 13 países para integrar o bloco. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/cupula-dos-brics-confirma-convite-a-13-paises-para-integrar-o-bloco/. Acesso em: 2 dez. 2024.


CHINA vai zerar tarifas para países em desenvolvimento. Valor Econômico, São Paulo, 3 de dez. 2024. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/12/03/china-vai-zerar-tarifas-para-paises-em-desenvolvimento.ghtml>, Acesso em: 3 de dez. 2024


Dilma diz que PIB do Brics já superou o do G7. Poder 360º, Brasília, 15 de fev, 2024. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/economia/dilma-diz-que-pib-do-brics-ja-superou-o-do-g7/>, Acesso em: 3 de dez. 2024


GRIFFITH-JONES, Stephany. A BRICS Development Bank: a dream coming true? New York: United Nations, 2014 (Discussion Papers, n. 215). Disponível em: https://unctad.org/system/files/official-document/osgdp20141_en.pdf. Acesso em: 14 mar. 2022.

 

NOGUEIRA, Isabela, O lugar da China na economia-mundo capitalista wallersteiniana. Campinas:. Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) – UNICAMP – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Anais V Colóquio Inteenacional Marx Engels.  2008. Disponível em: <https://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt3/sessao2/Isabela_Nogueira.pdf>. Acesso em: 30 de jun. 2024


PARCERIA da América Latina para um futuro melhor. China Daily. Pequim, 21de nov. de 2024. Disponível em: <https://www-chinadaily-com-cn.translate.goog/a/202411/21/WS673e60b7a310f1265a1ceb46.html?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc>, Acesso em: 3 de dez. 2024


PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DO BRASIL: Declaração à imprensa lida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante visita de Estado do presidente da República Popular da China, Xi Jinping, em 20 de nov. 2024, no Palácio da Alvorada, em Brasília. Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2024/11/declaracao-a-imprensa-do-presidente-lula-por-ocasiao-da-visita-de-estado-do-presidente-chines-xi-jinping>, Acesso em: 3 de dez. 2024


PINTO, Erica Simone Almeida. BRICS e governança global: um novo paradigma ou mais do mesmo? Third World Quarterly, v. 43, n. 6, p. 1243-1259, 2022. Disponível em: https://www-tandfonline-com.ez42.periodicos.capes.gov.br/doi/full/10.1080/01436597.2022.2128328. Acesso em: 2 dez. 2024.


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