Uma nova prioridade na política externa: Israel

Por Giorgio Romano, Beatriz Pidone e Matheus Correa
Texto apresentado em workshop do OPEB

No dia seguinte à eleição de Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni anunciou as prioridades de visitas do presidente: EUA, Chile e Israel. Essas viagens foram marcadas recentemente para o mês de março. No caso de Israel, a visita será às vésperas das eleições de 9 de abril, para as quais o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu se candidatou novamente. Em dezembro de 2018, ainda antes da posse, Netanyahu visitou Bolsonaro, sendo o primeiro chefe de governo a fazer isso, o que também marcou a primeira vez que um primeiro-ministro de Israel visitou o Brasil desde a fundação do Estado de Israel em 1948. No dia da posse de Bolsonaro, ocorreu uma conversa reservada e o presidente já condecorou Netanyahu com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração brasileira atribuída a cidadãos estrangeiros. 

Pode-se supor que o governo Netanyahu começou a enxergar os governos do PT como problemáticos a partir do reconhecimento oficial do Estado Palestino em novembro 2010 e, talvez, sobretudo, a partir do envolvimento do Brasil com o Irã, considerado inimigo número um de Israel. 

A postura mais ativa do Brasil marcada pelo governo Lula continuou e, de certa forma, foi ampliada no governo Dilma, quando o Brasil fez, em 2012, uma campanha ativa para a aprovação da Resolução 67/19 que deu à Autoridade Nacional Palestina (ANP) status de Estado observador da ONU; quando convocou o embaixador brasileiro em protesto contra bombardeios na Faixa de Gaza em 2014; e quando ampliou, de forma significativa, a cooperação brasileira com a Palestina, assistindo à ANP e à Agência Para os Refugiados Palestinos da ONU (UNRWA, em inglês). As relações azedaram de vez quando o governo Dilma caiu na provocação do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que, em procedimento pouco diplomático (tuíte), indicou, em agosto 2015, como novo embaixador no Brasil, Dani Dayan, uma figura polêmica pelo seu envolvimento direto nas construções de assentamentos nos territórios ocupados – considerados ilegais pela comunidade internacional.

Durante meses, o governo Dilma tentou convencer Israel, de forma diplomática, a indicar outro nome, entretanto esse incidente se transformou em um conflito diplomático aberto. O governo Netanyahu esperou a consolidação do governo Temer para, somente em janeiro de 2017, indicar um novo embaixador. Essa queda de braço provocou a mobilização pró-Israel por parte das comunidades evangélicas e judaicas no Brasil. Em maio de 2016, durante visita a Israel, o então deputado federal Jair Bolsonaro e seus três filhos visitaram Dani Dayan para declarar sua solidariedade. Objetivamente, havia o interesse por parte do governo Netanyahu de evitar a volta de um governo de centro-esquerda, visando, assim, a eleição de um governo pró-Israel.

Fundamentos do novo amor

Chamaram a atenção referências e bandeiras israelenses utilizadas pelos apoiadores de Bolsonaro durante e depois da campanha eleitoral, algo inédito na história política do Brasil. No discurso de posse, o ministro de Relações Exteriores ressaltou: “Então nós admiramos quem luta, admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo, por isso admiramos, por exemplo Israel, que nunca deixou de ser uma nação, mesmo quando não tinha solo”. Uma análise das declarações de Bolsonaro mostra que Israel sempre é apresentado como um país ideal tanto cultural quanto política e economicamente, legitimando várias posições de Bolsonaro como nos casos de porte de armas, das críticas à ONU e do apoio aos EUA. Além disso, o Estado de Israel é apresentado como exemplo para agricultura, tecnologia e área militar.

Durante a longa pré-campanha, os filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro usaram as redes sociais para criar solidariedade com Israel, “vítima do terrorismo islâmico e vítima da ONU” e alertando para a “esquerda antissemita que detesta Israel”.

A identificação com Israel continuou depois das eleições. O embaixador de Israel, Yossi Shelly, teve duas reuniões com Bolsonaro logo no início de novembro. E o presidente eleito Jair Bolsonaro escolheu o jornal Israel Hayom, de perfil nacionalista e conservador, para dar sua primeira entrevista exclusiva a um órgão internacional de imprensa. Nesta entrevista reiterou que pretende mudar a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém com o argumento trumpiano: “Se vocês decidem qual é sua capital, nós temos de segui-los”. Afirmou também que pretende fechar a embaixada da Palestina em Brasília e que Israel poderia contar, durante seu mandato, com o voto do Brasil na ONU.

O entusiasmo é recíproco. Em janeiro deste ano, o embaixador Yossi Shelley expressou: “O nome de Oswaldo Aranha foi significante para a criação do Estado de Israel. Agora Jair Bolsonaro é um segundo Oswaldo Aranha porque ele faz uma coisa incrível: é mudar a história”.

Um exemplo do valor simbólico que o governo Bolsonaro deu à relação com Israel foi a oferta de Netanyahu, prontamente atendida pelo Presidente Bolsonaro, de enviar uma missão de apoio aos trabalhos de resgate das vítimas do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. A utilidade da missão israelense, composta por 136 pessoas, foi objeto de polêmica, mas considerada, em nota da Presidência, um “inestimável serviço ao Brasil”.

O presidente insiste nas vantagens concretas desta parceria para o Brasil, referindo-se insistentemente ao conhecimento científico, como irrigação para o setor agrícola, dessalinização de água em áreas de seca e segurança cibernética para combate ao crime. Todas áreas nas quais o Brasil já tem ou teve cooperação, embora talvez esta possa ser intensificada. Mas fato é que o comércio com Israel representa muito pouco (menos de 1% do total). Dados do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio, referentes a 2018, mostram que o Brasil exportou somente US$ 321 milhões para Israel, ficando com um déficit de quase US$ 850 milhões. De outro lado, o Brasil se transformou no maior exportador do mundo de carne halal, aquela na qual o abate do animal segue rituais sagrados islâmicos. Esse produto responde por cerca de 20% das exportações de carne do país e a expectativa é que esse mercado cresça ainda mais. Só para a Arábia Saudita foram exportados mais de US$ 2 bilhões.

Transferência da embaixada

A comunidade internacional se manifestou por meio de várias resoluções das Nações Unidas para que o estatuto final de Jerusalém − cuja parte oriental é reivindicada pelos palestinos como a capital de seu futuro Estado – seja resolvido somente depois de um acordo de paz definitivo entre as duas partes. Israel, porém, acabou declarando Jerusalém capital do seu Estado mediante aprovação da Lei Básica de julho de 1980. O presidente Donald Trump decidiu, no início de dezembro de 2017, pela transferência da embaixada americana, cumprindo sua promessa de campanha. A cerimônia da abertura da embaixada provisória, instalada junto ao consulado-geral, ocorreu em 14 de maio de 2018, coincidindo com o 70º aniversário do Estado de Israel. Um novo prédio deve ser inaugurado até o final deste ano. Vale lembrar, porém, que o Congresso dos EUA havia aprovado a Jerusalem Embassy Act por ampla maioria bipartidária em 1995, pedindo para o executivo esta transferência. Esse voto foi reafirmado em meados de 2017. Nos EUA, os evangélicos constituem a maior orientação religiosa e, além disso, o país tem um forte e organizado lobby pró-Israel. O vice-presidente Mike Pence é um político ativista evangélico. Nesse caso, a decisão expressa um interesse (geo)político de reforçar a aliança histórica dos EUA com Israel e mobilizar apoio político interno da comunidade evangélica e judaica. A mensagem política do governo Trump para o mundo árabe é: a questão palestina somente será resolvida sob os termos de Israel. Não sendo assim, não será.

Apesar das expectativas de Israel e dos próprios EUA, dos demais 157 países que mantêm relações diplomáticas com Israel, somente a Guatemala, do presidente evangélico Jimmy Morales, e o Paraguai seguiram o exemplo dos EUA. Mas, não obstante a forte pressão dos EUA, o Paraguai voltou atrás e fechou sua representação em Jerusalém logo depois da posse, em agosto de 2018, do novo presidente Mario Abdo Benítez.

No Brasil, o assunto entrou em pauta como reflexo direto das discussões nos EUA, quando, a partir de 2017, o Grupo Parlamentar de Amizade Brasil-Israel, de maioria também da bancada evangélica, começou a pressionar pela transferência da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém. Há de se considerar as fortes relações que as lideranças evangélicas brasileiras mantêm com seus pares nos EUA. Logo em seguida, tornou-se promessa de campanha de Jair Bolsonaro, anunciada por ele e seus filhos nas redes sociais. Depois de eleito, a proposta foi reiterada várias vezes, mas dessa vez de maneira mais cautelosa e ambígua diante das fortes preocupações de vários aliados, em particular o agronegócio e os militares. Em dezembro, o vice-presidente Hamilton Mourão entrou no jogo, recebendo uma delegação da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira que expressava sua preocupação.

A Liga Árabe, com seus 22 membros, já se pronunciou contra a transferência da embaixada e dois episódios foram correlacionados às promessas do novo presidente: o cancelamento da visita do então ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, ao Egito, em novembro 2018, e a decisão da Arábia Saudita de descredenciar cinco dos trinta frigoríficos dos quais importava frango, em janeiro deste ano.

Ligação Evangélica

Em maio 2016, o próprio Bolsonaro foi batizado no Rio Jordão – em Israel- pelo Pastor Everaldo, líder do Partido Social Cristão (PSC), dentro do ritual evangélico, embora continue se dizendo católico. Os líderes evangélicos fazem vista grossa diante dessa ambiguidade devido aos interesses em se associar ao governo. Já a primeira dama, Michelle Bolsonaro, é evangélica praticante.

Na ocasião da inédita visita de Netanyahu ao Brasil, ele se encontrou também com líderes evangélicos como Silas Malafaia e Marcelo Crivella e afirmou que Israel não tinha melhores amigos no mundo e que a comunidade evangélica não tem melhor amigo do que Israel.

De fato, é pouca conhecida pelo público não evangélico a centralidade que Israel ocupa em muitas das igrejas e cultos evangélicos, com potencial de misturar facilmente a questão puramente religiosa com a questão política. Nas igrejas evangélicas, principalmente nas pentecostais e neopentecostais, os símbolos judaicos e alusões a rituais são comuns, com bispos fazendo cultos usando vestes tradicionais judaicas como kipá e talit. O fortalecimento de Israel é visto por grande parte da comunidade evangélica como pré-condição para realização da profecia bíblica do retorno de Cristo. Trata-se de um “sionismo evangélico”: haveria uma posição baseada nas profecias bíblicas que dizem que esse povo é o povo eleito de Deus e que Jerusalém é a terra do povo de Deus e que, portanto, precisa ser defendida sempre contra os inimigos.

Bolsonaro explorou, durante os mais de dois anos em que preparou sua candidatura, essa questão religiosa de forma ideológica na luta contra a esquerda, um projeto de direita que apoia o governo de Netanyahu. O voto evangélico é importante para ele. De acordo com dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2010, há cerca de 42,3 milhões de evangélicos no país, ou seja, 22,2% da população brasileira. É razoável supor que essa percentagem tenha aumentado de lá para cá. E, dados do Instituto Datafolha e Ibope referentes às eleições de 2018, mostraram que 67% dos votos válidos dos evangélicos foram para Bolsonaro.

Considerações finais

A forte identificação do presidente Bolsonaro com Israel responde simultaneamente a três pautas:

1. À mobilização da sua base evangélica, dando um significado político atual a aspectos religiosos;

2. À defesa do alinhamento automático com os EUA, reforçando a ideologia da defesa da democracia identificada com a tal aliança internacional judaico-cristão, à qual o Brasil deveria se juntar;

3. O mantimento da polarização com a esquerda, acusada nesse ponto de ter, nos governos Lula e Dilma, praticado uma política anti-israelense, logo, pró-terrorista e até antissemita.

O problema em questão se trata de como operacionalizar essa aliança no governo, além da retórica e atos simbólicos (como o caso da ajuda em Brumadinho). A transferência de fato da embaixada, por exemplo, encontra fortes resistências e as margens para a ampliação significativamente do comércio são pequenas, considerando que Israel já tem um acordo de livre comércio com o Mercosul. De outro lado, não pode haver nenhuma dúvida com relação aos interesses do Estado de Israel, e, particularmente, do governo Netanyahu, em explorar ao máximo essa oportunidade para trazer o Brasil para o seu lado, a começar nas votações na ONU. Nesse sentido, é razoável imaginar que haja, por parte de Israel, um interesse em trabalhar por ganhos concretos para o Brasil, sobretudo na área de cooperação agrícola, militar e de segurança. Em todos os casos, o Brasil estaria se afastando da tradicional defesa pelos direitos de os dois povos terem seu Estado. Sem dúvida, a viagem do presidente a Israel, a segunda de um presidente do Brasil na história, será observada de perto pela comunidade internacional, em particular pelos EUA e pelo mundo árabe.