por Diego Araujo Azzi
Com a colaboração de Everton Farias, Giovana Matos, Letícia Leite, Luiz Franco, Pedro Lagosta e Rafaela Martins
Texto apresentado em workshop
Aumento do desmatamento na Amazônia; ampla liberação de agrotóxicos; desarticulação do ministério do meio ambiente; ameaças aos povos indígenas; negacionismo ambiental e climático. Estes foram alguns dos elementos que marcaram o primeiro semestre do governo Jair Bolsonaro. Neste artigo buscamos mostrar de forma sucinta como a atual guinada socioambiental brasileira foi noticiada e repercutiu internacionalmente de forma bastante alarmante.
A narrativa usada pelo governo brasileiro tem sido a de defesa da soberania nacional contra as supostas ameaças do globalismo, isto é, o projeto de governança internacional através de instituições, regimes e dos interesses de atores considerados não legítimos, como as ONGs e fundações internacionais. Esta ameaça se materializaria em restrições impostas sobre a autonomia política dos governos nacionais, através de acordos e projetos como, por exemplo, o chamado corredor internacional de preservação Triplo A – Andes, Amazônia, Atlântico. Ao contrário da tradição anterior da diplomacia brasileira, de enxergar no multilateralismo um terreno no qual o Brasil pode ter mais a ganhar do que a perder, a atual chancelaria encara as instituições e acordos internacionais fundamentalmente como uma ameaça à soberania e ao nacionalismo.
A este pilar soberanista o discurso antiglobalista do governo brasileiro mescla elementos ideológicos não comprovados com o argumento de que o globalismo seria anti-cristão e anti-ocidental, produtor de um processo de aculturamento das nações. O aspecto anti-ocidental não se sustenta empiricamente ao verificarmos que as instituições e acordos em questão são na realidade criados e comandados por nações ocidentais de forte base cristã e pertencentes também à OCDE. Aliás, no plano da abertura econômica, tanto no comercio e serviços quanto nos investimentos o Brasil está aderindo de bom grado a instrumentos do globalismo mais restritivo (por exemplo, no acordo Mercosul-UE; e na adesão plena à OCDE), mas apresenta estas escolhas com um discurso de suposta modernização da inserção internacional brasileira.
O governo Bolsonaro poderia ser legitimamente antiglobalista, no entanto, sem necessariamente regredir com relação aos temas ambientais, de direitos humanos e de cidadania como vem fazendo de forma radical. Infelizmente, a linha de atuação do governo tem sido a de redefinir nos diversos foros multilaterais os paradigmas e posicionamentos do Brasil sobre proteção ao meio ambiente, combate à mudança do clima, e relação com povos indígenas, através de uma visão política que mescla liberalismo econômico e conservadorismo político. O desapreço do atual governo pela trajetória e posicionamentos da nossa diplomacia ambiental já traz consequências bastante negativas para o país diante da comunidade internacional e das organizações multilaterais.
Com relação ao processo intergovernamental da Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (UN COP), a declaração de Bolsonaro em novembro de 2018, anunciando que o Brasil não iria mais sediar a COP25, foi uma mensagem clara e direta para o mundo sobre suas intenções quanto aos temas ambientais, que serão colocados em segundo plano. Assim, a repercussão negativa das posições do governo em relação às negociações dos regimes de combate à mudança climática se iniciou antes mesmo do governo tomar posse.
Os posicionamentos públicos e a decisão de não sediar a COP25 causaram desconforto nas autoridades internacionais e ganharam destaque na grande mídia. Veículos estrangeiros como The Guardian e The New York Times apontam a forma como o Brasil tem autodestruído sua liderança nos temas ambientais e dando passos para trás nas questões do desenvolvimento sustentável. Desde sua posse, Bolsonaro tem se alinhado aos Estados Unidos tanto nas questões políticas e econômicas quanto nas ideológicas, como no caso do Acordo de Paris, abandonado pelo governo estadunidense no ano passado. Diversos dos mais importantes governos do mundo observam com desapreço a forma como o Brasil – anteriormente um dos protagonistas nas discussões ambientais – tem tomado partido negando as mudanças climáticas e questionando a validade do Acordo de Paris.
Toda a apreensão causada pelo novo posicionamento brasileiro nas pautas ambientais resultou na formação de uma forte pressão sobre o presidente Bolsonaro, como observado na cúpula do G20 em Osaka, Japão, no dia 28 de Junho, com críticas vindo da chanceler alemã Angela Merkel e Emmanuel Macron, presidente da França, que questionaram o desmatamento crescente que vem ocorrendo no Brasil e o posicionamento anti Acordo de Paris exposto por Bolsonaro.
Vieram à tona na mídia internacional diversas farpas trocadas entre líderes em relação ao Brasil, críticas rebatidas com débeis alegações, como as de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, afirmando que “a política de meio ambiente é totalmente injusta ao Brasil. O Brasil é um dos países que mais preserva meio ambiente no mundo. Quem tem moral para falar da preservação de meio ambiente do Brasil?”. Heleno alegou ainda que os pedidos para que o Brasil preserve seu meio ambiente por parte dos outros países representavam seu interesse próprio, com ONGs estrangeiras atuando em seu favor. A posição irredutível do governo brasileiro é cristalizada no comportamento de Jair Bolsonaro, afirmando que “não aceitará advertências de outros países”.
Em paralelo às ameaças que fazia ao regime de combate às mudanças do clima, o Brasil concluiu o acordo de comercio Mercosul-União Europeia, que ainda deve ser ratificado pelos países dos dois blocos. A ratificação deverá sofrer bastante resistência por parte do parlamento europeu, especialmente dos partidos verdes, uma vez que as regulações que concernem o meio ambiente na União Europeia são extremamente rígidas – o aumento vertiginoso do uso de agrotóxicos no país, por exemplo, vai na contramão do princípio de precaução do bloco europeu; as exportações brasileiras podem enfrentar resistência na penetração de seus produtos neste, conhecidamente exigente e restritivo.
A pressão da opinião pública se fez sentir também através de publicações científicas como a revista Science, que publicou uma carta de 602 cientistas da europeus que pedem para que a União Europeia estabeleça condicionalidades na compra de insumos, obrigando os fornecedores a cumprirem compromissos ligados ao meio ambiente. Assim, para além da bravata e da retórica, ao ser de fato pressionado pela União Europeia (UE) o governo brasileiro se viu obrigado a recuar e anunciou que irá permanecer no Acordo de Paris. Porém, seus constantes flertes com a retirada e a instabilidade das autoridades brasileiras criaram dúvidas e desconfiança dos governos estrangeiros sobre a solidez e a credibilidade da posição do Brasil.
Além da questão das negociações climáticas, a comunidade internacional está atenta para o fato do novo governo brasileiro estar publicamente disposto a sacrificar preservação ambiental em favor do crescimento econômico. Ainda em janeiro de 2019, a revista Science, publicou um artigo intitulado “Working together for Amazônia“, no qual afirma que as ações do governo Bolsonaro claramente favoreceriam aos interesses da agroindústria e da mineração em vez de renovar seu compromisso com a ciência e sustentabilidade. A publicação aborda como o governo trabalha em conflito com as organizações da sociedade civil, negligenciando seu papel expressivo na defesa dos direitos humanos, controle das áreas desmatadas e estratégias socioeconômicas pautadas na sustentabilidade.
Com relação à floresta Amazônica, os olhares internacionais estão atentos, sobretudo, aos níveis de desmatamento – que são constantemente veiculados pela mídia de diversos países – e à questão dos direitos humanos dos povos nativos. Jornais alemães como Zeit e Spiegel publicaram diversas reportagens sobre como os cortes orçamentários nos programas de monitoramento da floresta Amazônica comprometem as ações do país para com a mudança climática e, além disso, apontam para a falta de posicionamento da União Europeia sobre a situação, de forma a denunciar a corresponsabilidades dos europeus para com as políticas ambientais que estão sendo desenvolvidas por Jair Bolsonaro.
A questão da liberação de quantidades gritantes de agrotóxicos pelo atual governo foi tema do jornal inglês The Guardian. Na matéria, datada de 12 de junho, destaca-se a questão do elevado número de novos pesticidas autorizados para comercialização e o fato de que muitos desses compostos já terem sido banidos na Europa. Essa problemática torna-se ainda mais complexa quando nos lembramos que em abril deste ano houve uma notícia que apontou para as quantidades preocupantes de agroquímicos na água de diversas cidades brasileiras.
O desmatamento na Amazônia alcançou os jornais na França pelo France Culture com o título “Brésil: la forêt amazonienne menacée par le “Trump tropical” (Brasil: a floresta amazônica ameaçada pelo “Trump tropical”), na Inglaterra pelo The Guardian, “Deforestation of Brazilian Amazon surges to record high” (Desflorestamento da Amazônia brasileira aumenta para recorde), no norte-americano The New York Times “Satellite Data Shows Amazon Deforestation Rising Under Brazil’s Bolsonaro” (Dados de satélite mostram o desmatamento da Amazônia crescendo sob Bolsonaro do Brasil).
Em 3 de junho de 2019, o The Guardian publicou uma matéria apontando o fato de que a política ambiental do governo Bolsonaro poderia levar a uma alta histórica nos níveis de desmatamento da floresta amazônica, causada principalmente pelo afrouxamento das leis que regulam reservas indígenas, facilitando invasões e encorajando a flexibilização das demarcações de terras. Em matéria da BBC intitulada “Diplomatas brasileiros dizem que o Governo Bolsonaro ameaça o prestígio internacional do país“, o veículo britânico resgata o reconhecimento histórico que o país possuía como líder de questões ambientais e cita como o discurso de exploração econômica e oposição a demarcação das terras indígenas vem ameaçado essa imagem.
Também sob o impacto das políticas do governo Bolsonaro, o Papa Francisco convocou os nove bispos que compõem a região Amazônica para o Vaticano, para discutir os problemas da região e a atuação católica junto aos povos amazônicos. O documento resultante da reunião aborda problemáticas como a exploração internacional dos recursos naturais, as complexas dinâmicas das comunidades indígenas e ribeirinhas, principalmente os povos isolados, bem como o extrativismo ilegal, o aquecimento global, o acesso à água, os riscos ligados à biodiversidade, essa constantemente ameaçada. Além disso, abarca a violência, o narcotráfico e a exploração sexual dos povos da região, reiterando a própria conivência dos governos com os projetos de cunho economicista e predatórios, que causam danos ao meio ambiente.
Especialmente desde que lançou a Agenda 2030, em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) está recebendo crescentes reivindicações por parte das comunidades indígenas para que suas lideranças possam ser escutadas de forma institucional no momento em que o tema sobre os seus direitos esteja em pauta. Os governos de Peru, México, Bolívia, Austrália, Nova Zelândia e Canadá prestaram apoio ao pedido, assim como os governos da União Europeia, afirmando que as vozes dos indígenas não são ouvidas de modo suficiente.
O atual Itamaraty, por sua vez, foi contra. Em seu posicionamento, resgatou decisão anterior da Assembleia Geral da ONU – na qual não houve consenso sobre as formas de incluir as comunidades indígenas nos debates do Conselho de Direitos Humanos – e defendeu que se aprovada a medida deveria ser aplicada a mesma medida para todo o sistema ONU. Assim a diplomacia brasileira atuou de forma obstaculizar a participação de movimentos indígenas que poderiam causar constrangimentos ao governo com a exposição das suas ações predatórias ao meio ambiente e a esses povos em foros internacionais. O Itamaraty surpreendeu, ainda, ao se pronunciar afirmando que a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas não tinha poder vinculante, sugerindo assim que o governo não adotaria muitos de seus pontos.
O hostil posicionamento da diplomacia brasileira levou a uma reação por parte de movimentos indígenas que protestaram contra o governo em recente sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra onde, entre outras denúncias, afirmaram que “mesmo reconhecendo que também enfrentamos vários problemas e dificuldades em governos anteriores, a situação atual é sem precedentes em nossa história. (…) Dizemos ao mundo que, contrário à participação e controle social, o Presidente Bolsonaro extinguiu por decreto todos os colegiados, fóruns e conselhos que incluíam representantes da sociedade civil, entre eles o CNPI – Conselho Nacional de Política Indigenista, principal instância de pactuação da política indigenista, Conselho Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas e o Fórum de Presidentes do Conselho Distrital de Saúde Indígena“.
Outra medida recente com importantes repercussões foi a decisão do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de alterar a composição do conselho de 24 membros que orientam a utilização dos recursos financeiros do Fundo Amazônia. O sistema tripartite conta com a participação do governo federal, do governo estadual e da sociedade civil organizada. Ao excluir deliberadamente a sociedade civil em decreto que pretendia alterar a estrutura do Fundo para ampliar a participação do governo federal, Salles também intencionava realizar o pagamento de indenização à proprietários de terras incluídas em reservas ambientais e indígenas com recursos do Fundo, o que foi prontamente repreendido pelos dirigentes do BNDES, administrador dos recursos.
O Fundo Amazônia tem 99% de sua verba (tendo já desembolsado por volta de 1.86bi de reais) advinda de doações feitas pelos governos da Alemanha e da Noruega, desde 2008. O objetivo do Fundo, que é administrado pelo BNDES, é apoiar projetos sócio-econômicos, acadêmicos e científicos que tenham como fim a redução do desmatamento e das emissões de gases de efeito-estufa. Os embaixadores alemão e norueguês, respectivamente, Georg Witschel, e Nils Gunneng, redigiram uma carta conjunta no início de junho e, após a cúpula do G20 no Japão, se reuniram com o governo brasileiro manifestando insatisfação quanto as mudanças propostas, admitindo a possibilidade de o Fundo ser revogado caso o governo continue a operar para modificar sua estrutura.
Apesar de ter sido momentaneamente enquadrado pela pressão europeia nas negociações de comercio e de ter afirmado que não romperá acordos internacionais já assinados pelo Brasil, num recente encontro com jornalistas estrangeiros em Brasília, Bolsonaro seguiu na sua cruzada contra “a psicose da preservação ambiental” ao afirmar que “existem regulamentações ambientais absurdas no Brasil que promovem um divórcio entre preservação ambiental e desenvolvimento“.
Para completar, Bolsonaro resolveu à sua maneira o problema do aumento recorde de desmatamento na Amazônia em 2019: demitiu o presidente do respeitado INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais) acusando-o de apresentar dados mentirosos a respeito do avanço do desmatamento. Com este tipo de postura autoritária e negacionista, a credibilidade do Brasil em matéria ambiental segue sendo destruída. A partir de agora, os dados do INPE podem simplesmente vir a ser considerados fake news pela comunidade científica internacional e pelos demais governos. Após a demissão do diretor do INPE uma avalanche de artigos na imprensa internacional (The Economist, The Guardian, Foreign Policy, Le Monde, entre outros) condenou a política ambiental do Brasil e a perspectiva de censura e/ou manipulação dos dados sobre desmatamento daqui em diante. A reação do ministro Ricardo Salles foi utilizar suas redes sociais para classificar a imprensa internacional como “idiota e desinformada”.
Num tal contexto de despudorado elogio à devastação ambiental em nome do desenvolvimentismo mais tacanho, a agenda de sustentabilidade no Brasil dependerá muito da capacidade de pressão da comunidade internacional. A negociação Mercosul-União Europeia foi apenas uma mostra deste potencial. O globalismo está morto? Aparentemente não. Ao cutucar onça com vara curta, as ações e declarações do governo Bolsonaro estão, na realidade, inflando uma movimentação globalista sobre o Brasil de forma sem precedentes. O professor de Harvard, Stephen Walt, por exemplo, chegou a publicar um artigo em que faz um exercício hipotético sobre a necessidade de intervenção militar das potências ocidentais no Brasil para salvar a Amazônia da destruição. Ao contrário do que imagina a ideológica ala americanista do atual governo, Walt ironicamente projeta os EUA invadindo o Brasil e a China se opondo ao uso da força. Seria cômico, se não fosse trágico.