Anistia Internacional denuncia aumento de violações no governo Bolsonaro

24 de abril de 2021

Por Aycha Sleiman, Caio Spaulonci, Letícia de Andrade, Mirella Sabião e Gilberto M. A. Rodrigues

Críticas externas ao governo Bolsonaro se acumulam enquanto a insegurança alimentar no país apresenta piores resultados em 10 anos e o Brasil atinge liderança em mortes diárias pela Covid-19

Direitos humanos e meio ambiente

A Anistia Internacional acaba de publicar seu relatório anual O estado de direitos humanos no mundo em 2020/21, com denúncias de aumento das violações aos direitos humanos no Brasil (1). A ineficiência das ações governamentais e a falta de transparência, apontadas no documento, agravam os problemas sociais e evidenciam a ineficácia nos programas propostos para mitigar os efeitos da pandemia nos grupos mais vulneráveis. 

O aumento do descaso com as comunidades indígenas e com a saúde pública, a intensificação dos casos de feminicídio e da violência policial são algumas das violações indicadas no relatório. Este igualmente afirma que o direito de liberdade de expressão também vem sendo suprimido, com diversos registros de ataques à imprensa e aos jornalistas por parte do próprio governo federal – que deveria coibir essas ameaças ao invés de ampliá-las. Além disso, a ONG Global Witness também afirmou que o país é considerado de risco para os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente.

Em meio a um cenário de graves violações aos povos indígenas e ao meio ambiente, apresentados no relatório, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente Joe Biden se comprometendo a acabar com o desmatamento ilegal no país. Para cumprir tal meta, Bolsonaro diz que está aberto para dialogar com as lideranças indígenas e ONGs – as mesmas que em 2019 foram acusadas pelo presidente de serem as responsáveis pelas queimadas que assolaram o país. Há uma percepção de que este novo posicionamento teve o objetivo de melhorar a relação com o governo dos EUA, tendo como foco a Cúpula de Líderes sobre o Clima, ocorrida em 22.04, convocada por Washington, na qual o governo Bolsonaro se apresentou em flagrante contradição entre o discurso e a prática. 

A questão ambiental vem sendo um dos principais pontos de atrito entre os dois governos: alguns senadores americanos chegaram a redigir uma carta a Joe Biden reclamando sobre o modo como a questão está sendo conduzida pelo presidente brasileiro e sugeriram condicionar os apoios financeiros à preservação amazônica mediante comprovação significativa dos índices de desmatamento (2).

Insegurança Alimentar 

A pandemia e a falta de políticas públicas eficazes em seu combate trouxeram de volta um antigo fantasma: a fome. Apenas em 2020, 55,2% das famílias brasileiras estavam enfrentando algum tipo de insegurança alimentar; destas, 9% estavam gravemente ameaçadas pela falta de alimento. É o que afirma o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (3)

Desde o início do governo Bolsonaro, o índice de famílias em situação de vulnerabilidade alimentar aumentou em 54%; a crise econômica causada pela pandemia, que levou ao aumento do preço dos alimentos e do nível de desemprego, está diretamente ligada a este cenário.

Se compararmos os dados atuais com os dos governos anteriores, os retrocessos ficam ainda mais evidentes; programas como o Fome Zero, dos governos do PT, e o Comunidade Solidária, de Fernando Henrique Cardoso, foram marcos do enfrentamento da insegurança alimentar no país e do comprometimento do governo federal com os direitos humanos. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) chegou a retirar o país do mapa da fome pela primeira vez em 2014 – cenário revertido pela desestruturação do sistema de políticas públicas brasileiro que vem ocorrendo, ao menos desde 2016.  A organização chegou a realizar um evento para discutir a questão em 15 de abril, o que evidencia a situação alarmante do país. 

O desgoverno na condução da pandemia e seu impacto nos Direitos Humanos 

No dia 18 de abril passado o Brasil ultrapassou os EUA em número de mortes por Covid-19 por milhão de habitantes. Em meio ao aumento recorde no número de casos, com municípios declarando o colapso de seus sistemas regionais de saúde, o país tornou-se o epicentro da doença no mundo.

A situação se agrava pelo número de variantes do novo coronavírus registradas se espalhando rapidamente pelo território, o que aumenta a chance de novas mutações, tornando a Covid-19 mais contagiosa e letal. Uma destas variantes é a P.1 brasileira, conhecida também como a variante de Manaus, que, segundo estudos preliminares, aparenta ser até duas vezes mais contagiosa do que a cepa tradicional, além de facilitar as reinfecções.

Essa nova variante, alinhada com a resposta pífia do governo brasileiro no combate à pandemia, tem suscitado preocupações de especialistas e governantes ao redor do mundo. No início do mês de março, cientistas argentinos organizaram e enviaram uma carta aberta direcionada ao presidente para que as fronteiras com o Brasil fossem fechadas; já no começo de abril, o presidente da Bolívia fechou as fronteiras temporariamente por temor à nova variante. De modo similar, no dia 13 de abril, a França interrompeu os voos entre os dois países, entrando na lista de países que impõem restrições fronteiriças ao Brasil. Do total de 231 territórios, 114 impõem medidas mais restritivas enquanto que 104 impõem restrições moderadas ao país (4).

O relatório realizado pela Anistia Internacional mostra que o governo brasileiro falhou em garantir o direito à saúde em seu território, pois não desenvolveu plano eficiente de combate à pandemia, sobretudo baseado em princípios e recomendações científicas. Também falhou em possibilitar boas condições de trabalho para os profissionais de saúde, por omissão na compra de insumos e EPIs, ausência de protocolos unificados, e falta de amparo social e psicológico. 

Alinhada a estas práticas está a postura negacionista do presidente da República, cujos pronunciamentos públicos (desde o início da pandemia) minimizam a seriedade da doença, e defendem a utilização de métodos não comprovados de tratamento. Além disso, a imagem que Jair Bolsonaro passa à população quando promove constantes aglomerações sem a utilização de máscara contribui para a desconfiança popular acerca dos métodos preventivos recomendados pela OMS contra a transmissão do novo coronavírus, dificultando o trabalho do próprio governo federal, dos estados, e municípios no combate à doença, o que aprofunda a crise sanitária no país. 

Notas:

1 – Anistia Internacional: Informe 2020/21 – O estado de direitos humanos no mundo. Disponível em: https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2021/04/anistia-internacional-informe-anual-2020-21_versao-revisada-01.pdf. Acesso em: 17/04/2021

2 – Washington Post: Senate Democrats urge Biden to condition aid to Brazil. David Biller and Joshua Goodman, 16/04. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/politics/senate-democrats-urge-biden-to-deny-funds-for-brazil-amazon/2021/04/16/a2bf6d74-9ed0-11eb-b2f5-7d2f0182750d_story.html

3 – VIGISAN (Rede PENSSAN). Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. 2021. Disponível em: http://olheparaafome.com.br/

4 – GQ: França fecha fronteira e brasileiros só entram em 7 países sem restrições. Eisabete Alexandre, 14/04. Disponível em: https://gq.globo.com/Noticias/noticia/2021/04/franca-fecha-fronteira-brasileiros-entram-em-7-paises-sem-restricoes.html

 

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