Água deve ganhar relevância estratégica na política externa brasileira

16 de maio de 2022

Por Bianca Lima, Cassia Lima, Fernando Nascimento e Sofia Spada (Foto: Freepik.com by jcomp)

 

Recurso vital, a água e seus múltiplos usos fazem com que sua qualidade atenda a diferentes critérios estabelecidos pela legislação. Seu volume é alvo de preocupação ao redor do mundo, uma vez que apenas 3% do total do planeta está disponível para consumo humano. Além disso, é distribuída de forma desigual e, portanto, a água como recurso natural tem grande valor social e econômico. Desde comissões e grupos de trabalhos criados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) até diretivas, acordos multilaterais e fóruns mundiais, a escassez de água se coloca como uma das questões ambientais mais sensíveis para nações, organizações internacionais, líderes políticos, grandes empresas transnacionais e sociedade civil. No Brasil, devido à crescente preocupação dos países ricos – em especial os europeus – com a pauta ambiental, as questões relacionadas ao meio ambiente passam a ocupar posição chave para a inserção internacional, inclusive o tema da água. 

Em janeiro, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) formalizou o convite para que o país passe a integrar a organização, após uma tentativa recente que foi barrada pela França devido à precariedade das políticas ambientais brasileiras. Uma vez que a OCDE tem como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico de seus membros, para o Brasil, fazer parte do suposto “clube dos países ricos” significaria ter benefícios, como investimentos e juros baixos para empréstimos. Por outro lado, significa também realizar concessões, como renunciar ao tratamento especial no âmbito da OMC e adequar sua postura interna aos parâmetros de qualidade propostos pela organização, que incluem o crescimento econômico sustentável, o comprometimento com o combate às mudanças climáticas, ao desmatamento e à perda da biodiversidade, entre outros temas.

Apesar do convite, o Brasil ainda precisará provar que está apto a ingressar à Organização, cumprindo os requisitos impostos. Entre eles, estão temas ligados à água. Em um relatório de 2021 que avalia o desempenho do Brasil na implementação de melhores práticas em relação ao meio ambiente, a OCDE declara que o Brasil já apresenta uma melhora significativa em sua postura interna, tendo estabelecido mecanismos efetivos para a cooperação intergovernamental, além da criação pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) de programas para colaboração entre o governo e as agências estatais de gerenciamento da água. Contudo, a OCDE destaca que ainda é preciso fortalecer e expandir a atuação da ANA, estabelecer prioridades e critérios para a alocação de recursos hídricos e gerir a demanda, aplicando, inclusive, cobranças por seu uso. Aponta também que é preciso se ater aos riscos de contaminação da água pelo uso em larga escala de pesticidas, além de muitas localidades terem serviço de água e tratamento de esgoto insuficientes – ou nulos.

Assim, para participar como membro pleno da OCDE, o Brasil terá que demonstrar que tais questões também fazem parte da sua pauta de prioridades e que, assim como os “países ricos”, pode adequar a sua postura para estar de acordo com as recomendações da Organização. Portanto, mais do que uma preocupação apenas ambiental, o tema da água, para o Brasil, ganhará contorno estratégico para a sua inserção internacional e sua soberania nacional.

Conheça iniciativas importantes para a preservação da água

A preocupação com o meio ambiente no contexto internacional teve início em 1968, com o relatório das Atividades da Organização das Nações Unidas e Programas Relevantes ao meio Ambiente e com o relatório sobre os Problemas do meio ambiente-humano: relatório do Secretário-Geral, o que resultou na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo na Suécia, em 1972, e que resultou na Declaração de Estocolmo. Durante a Conferência, o posicionamento do Brasil foi de aumento do uso racional dos recursos naturais visando o aumento das taxas de crescimento econômico. Segundo o relatório da delegação brasileira, os interesses do país na época seriam de assegurar a proteção ambiental sem que houvesse uma preocupação excessiva com o meio ambiente a ponto de impedir o desenvolvimento econômico.

Em 1977 a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a ter um grupo de recursos hídricos dentro do departamento de assuntos econômicos e sociais (DESA). Vinte e cinco anos depois, em 1992 o mesmo grupo passou a ser formalmente considerado um subcomitê da ONU e apenas em 2003 foi criada a ONU Água com o objetivo de coordenar as atividades das agências das Nações Unidas acerca da proteção e utilização dos recursos hídricos, por meio do estabelecimento de políticas, monitoramento e elaboração de relatórios e ações inspiradoras (ONU, 2022).

Em 2015 foi lançada a Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) com a meta de serem alcançados até 2030, como uma atualização e aprofundamento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), elaborados após a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em 2000. A nova agenda compreende ao todo 17 objetivos que abordam desde a erradicação da fome até o desenvolvimento de cidades sustentáveis.

Especificamente, o ODS 6 aborda questões sobre qualidade e quantidade de água disponível e estabeleceu oito metas para serem alcançadas pelos países. De acordo com o site do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), as metas que o Brasil deve alcançar, a partir do estabelecido pelo programa da ONU, consistem em assegurar o acesso à água potável a toda a população, bem como serviço de saneamento básico, maior participação na gestão dos recursos hídricos nacionais, melhorar a eficiência dos mananciais hídricos do país e a qualidade dos corpos d’água no território nacional, implementação da gestão integrada dos recursos hídricos, melhora na proteção dos cursos d’água e apoio às comunidades locais. Tendo como ponto de partida tais objetivos, o governo federal, juntamente com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), elaborou indicadores ambientais para acompanhamento da implementação das metas no país.

A Diretiva Quadro da Água na UE

Em 2012, foi lançada na Europa a campanha Iniciativa dos Cidadãos Europeus (ECI) sobre qualidade da água. A iniciativa permite a participação da população sobre as políticas para melhora da qualidade hídrica, indo ao encontro à Diretiva Quadro da Água sobre maior participação da sociedade civil. O comitê tem como objetivo assegurar água potável e saneamento básico para toda a população da UE independente da renda.

A Diretiva Quadro da Água (DQA), estabelecida em 2000 na União Europeia tem como objetivo prevenir a deterioração dos corpos hídricos e assegurar uma melhora no estado da qualidade da água até 2027. A diretiva europeia estabelece parâmetros físico-químicos e elementos de análise para definição da qualidade da água dos corpos hídricos europeus, respeitando suas características individuais, evitando assim aspectos gerais da avaliação ecológica. A Diretiva Europeia é usada também em países não membros, como no Brasil, onde têm se discutido as possibilidades de adequação da DQA levando em conta as vantagens e desvantagens desta medida no plano doméstico.

Outra instância importante na discussão da água a nível internacional são os fóruns mundiais. Organizado pelo Conselho Mundial da Água, o Fórum Mundial da Água acontece a cada 3 anos desde sua 1ª edição 1997 na cidade de Marraquexe, Marrocos. Vale mencionar que o Conselho Mundial da Água é um think thank formado por diversas empresas transnacionais, governos e ministérios, organizações internacionais, agências e programas das Nações Unidas e grupos da sociedade civil.

A última edição do Fórum foi realizada em Dakar, Senegal, entre os dias 21 e 26 de março de 2022. Em entrevista à RFI publicada no UOL Notícias, o secretário-executivo do evento, Abdoulaye Sene, comenta que um dos principais objetivos do Fórum é pensar a importância da água para as populações e pensar em soluções sustentáveis especialmente para a agricultura. O documento final do evento, intitulado “Um ‘Acordo Azul’ para a segurança da água e saneamento, para a paz e o desenvolvimento”[1], posiciona a declaração em consonância com o já mencionado ODS 6, afirmando o acesso à água potável e saneamento básico como direitos humanos, o financiamento público e privado de projetos de infraestrutura relacionados à água e ao saneamento e o aumento da cooperação entre diferentes setores nos níveis subnacionais, nacionais e internacionais. Por fim, recomenda-se que a Declaração seja submetida como contribuição para a Conferência Mundial da Água, que será organizada pela ONU em 2023.

Gestão da água: entre privatização e (re)municipalização

Em relação a administração da água, alguns Estados consideram que o setor público não é o mais adequado para o manejo dos recursos hídricos. Um exemplo do fenômeno da privatização da água é o Reino Unido, que implementou um modelo de indústria hídrica totalmente privado em 1989. Por um período, esse modelo foi adotado por diversos países em contratos de longa data que colocaram o bem comum sob administração privada, mirando em fornecer água potável e segura a um preço menor e incentivado por instituições financeiras.

Entretanto, há muita resistência e críticas acerca do tema por parte de grupos políticos e ambientalistas, baseado, principalmente, no receio de haja impactos no preço da água, tornando o bem inacessível para as pessoas mais vulneráveis na sociedade. Um exemplo, é o caso da cidade de Manila, capital das Filipinas, que ao mesmo tempo que obteve resultados positivos em relação à distribuição de água segura, também enfrentou aumento de preços e incapacidades estruturais de fornecimento de água para algumas regiões.

Em contraposição com os casos supracitados, a administração privada possui problemas comuns, como falta de investimentos nas estruturas e riscos para a saúde ambiental, que levam legisladores e comunidades a discordarem de que esta seja a melhor alternativa para o manejo hídrico. Ativistas apontam que a privatização resulta no aumento do preço da água. Dessa forma, diversas cidades “remunicipalizaram” a gestão hídrica, garantindo o acesso à água como bem comum em vez de uma commodity a ser comercializada. Apesar das controvérsias, a parceria e cooperação entre o setor público e o setor privado para o manejo e fornecimento da água é uma via possível, que necessita, porém, do comprometimento para o desenvolvimento de um sistema efetivo. Especialmente em um contexto de mudanças climáticas que estressam os sistemas hídricos cada vez mais, o risco de aumento de preço acentuado pela administração privada precisa ser considerado e evitado para garantir que as pessoas tenham acesso.

REFERÊNCIAS

BECHARA, Erika. Princípio do poluidor pagador. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Difusos e Coletivos. 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/334/edicao-1/principio-do-poluidor-pagador

IPEA. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: < https://www.ipea.gov.br/ods/ods6.html >. Acesso em 02/05/2022.

OECD. Evaluating Brazil’s progress in implementing Environmental Performance Review recommendations and promoting its alignment with OECD core acquis on the environment. 2021. Disponível em: <https://www.oecd.org/environment/country-reviews/Brazils-progress-in-implementing-Environmental-Performance-Review-recommendations-and-alignment-with-OECD-environment-acquis.pdf>. Acesso em: 09/05/2022.

ONU ÁGUA. Sobre Nós. 2022.  Disponível em: < https://www.unwater.org/about-unwater/ >. Acesso em 02/05/2022.

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