Bharat (Índia): uma potência em emergência como voz do Sul Global

14 de dezembro de 2023


Por Dante Apolinario, Gabriel Horacio de Jesus Soprijo, Lívia Romano F. da Cruz, Lucas Portari, Luciana Araujo e Nícolas de Paula (Imagem: Unsplash)


Viaje pela rica história e complexidades de Bharat, a Índia, uma nação que ultrapassou fronteiras e emergiu como potência global. Com uma extensão de 3.287.000 km² e uma população de quase 1,5 bilhão, Bharat não apenas se tornou o país mais populoso do mundo, mas também uma das maiores economias globais. Explore como, apesar das contradições, Bharat se destaca como líder do Sul Global, destacando-se na Cúpula do G20 e rompendo barreiras tecnológicas.


Introdução


A Índia, berço de uma rica história milenar, revela-se como um país de complexidades e contradições que ecoam ao longo de sua extensa geografia e diversidade cultural. É um país gigante em todos os sentidos: com 3.287.000 km², é o 7° maior país do mundo; com quase 1,5 bilhão de pessoas, ultrapassou a China esse ano e se tornou o país mais populoso do mundo inteiro. É uma das maiores economias do mundo também – de 2000 até 2010, o produto interno bruto salta de US$ 468,4 bilhões para US$ 1,7 trilhão, duplicando em 2022, chegando a US$ 3, 4 trilhões. Diante disso, já é a 5° maior economia do mundo. Recentemente, o país ocupa uma posição de destaque em nível internacional por seu significativo desenvolvimento econômico. Contudo, é um país em desenvolvimento. Com US$ 2388, o país tem ainda um dos menores índices de renda per capita do mundo. 


O país sediou a 18ª Cúpula do G20 em setembro de 2023, cujo lema foi “One Earth, One Family, One Future”, discutindo as questões relacionadas com o desenvolvimento verde; crescimento populacional acelerado, inclusivo e resiliente, progresso nos ODS; transformação tecnológica e infraestrutura pública digital; instituições multilaterais para o século XXI e desenvolvimento liderado por mulheres. A nação evidenciou sua pluralidade ao se colocar como “líder do Sul Global”, deixando de lado o nome “Índia” e adotando Bharat escrito em sânscrito, como uma forma de fortalecer suas origens para além da denominação dada pelos ingleses durante o período colonial. Internamente, ambos os nomes são usados para denominação da nação – Bharat também é a palavra hindi para Índia. Esse marcante encontro da cúpula do G20 representa o fim da presidência rotativa, posição assumida em dezembro de 2022 e agora passado para o Brasil.


No entanto, a posição de destaque da nação em nível internacional não é observada apenas no esforço diplomático do primeiro-ministro Narendra Modi: o país se destaca também em nível tecnológico. Em agosto deste ano, o país se destacou como o primeiro a explorar o polo sul da lua, por meio da Indian Space Research Organisation (ISRO), chamada de a ‘”Nasa” indiana’. Esse rompimento da hegemonia norte-americana em termos de inovação tecnológica também é observado em outros níveis, como na indústria de softwares e na gestão de empresas. Dessa maneira, o presente texto irá explorar como o país conquistou essa posição de destaque em nível global e como as projeções futuras indicam uma vontade política de reforçando esse panorama de liderança do Sul Global.


História da Índia e desenvolvimento econômico como plano de governo


O subcontinente indiano é uma região que abriga nações já há milênios. Foram poucos os momentos em que esteve unificado perante um único governo. O mais recente foi o Raj Britânico, o governo colonial inglês na região que durou um século. Durante esse período imperialista, a população da região passou por diversos problemas seríssimos como períodos de fome generalizada, como a fome de 1876-78, que deixou de seis a dez milhões de mortos e a de 1899-1900, que deixou cerca de 5 milhões de mortos.  No contexto posterior à 2° Guerra Mundial, o Império Britânico se encontrou fragilizado e o movimento de luta pela independência liderado pelo Mahatma Gandhi fortalecido. Assim, em 1947 há a independência da Índia e do Paquistão.


A Índia independente sob liderança do Jawaharlal Nehru fez logo desde o início dois movimentos. Internamente com a elaboração de um plano de desenvolvimento nacional com a implementação de planos quinquenais, tendo como lema uma independência completa do Império Britânico. E externamente ao assumir um papel de destaque na Conferência de Bandung em 1955, o primeiro grande encontro de lideranças do Terceiro Mundo. Anterior a Nehru, líderes como Mahatma Gandhi lutaram para fortalecer um movimento de independência e identificação nacional, pilar essencial para esse movimento de desvinculação da metrópole inglesa. 


Considerando o desenvolvimento econômico como política atual, faz-se necessário considerar a diversidade religiosa na Índia, que abarca além do hinduísmo, a religião predominante, o islamismo, cristianismo e o budismo e outras religiões. Embora a Constituição defenda a laicidade, episódios de conflitos religiosos e debates sobre identidade nacional destacam as tensões inter-religiosas. A democracia, nesse contexto, enfrenta o desafio de garantir a representação e os direitos de diversas comunidades, ao mesmo tempo em que preserva a coesão nacional. 


Nesse sentido, destaca-se o alinhamento de Narendra Modi à Bharatiya Janata Party (BJP), um partido político que tem suas raízes no movimento nacionalista hindu. Por mais que o nacionalismo econômico aplicado por ele tenha obtido resultados positivos em indicadores macroeconômicos, esse discurso assume uma posição de convergência religiosa, mobilizando as massas por meio de um apelo populista e intolerância contra as minorias religiosas.


Projeção Internacional e Geopolítica


Localizada no sul da Ásia, a Índia compartilha fronteiras terrestres com o Paquistão, China, Nepal, Butão, Bangladesh e Myanmar. Essa localização estratégica molda suas relações bilaterais e desafia a nação a fortalecer suas políticas de estratégia e defesa. O contexto geopolítico da Índia como nação autônoma já surgiu em posição de conflito: de 1947 até 1949, Índia e Paquistão disputam a região da Caxemira. Desde essa época, ambos os países possuem uma relação muito conturbada e já passaram por outros conflitos, que para o povo islâmico, representa uma das formas mais graves e explícitas de violações dos direitos humanos. 


No entanto, a maior rivalidade da Índia hoje não é com o Paquistão, e sim com a China. Há uma disputa territorial na região do Himalaia conhecido como Linha de Controle Real (LAC). Em 2020 houve novamente confrontos militares na região, embora limitados em escopo e tempo. A competição estratégica se estende além das questões territoriais, abrangendo esferas econômicas e geopolíticas que moldam um jogo de interesses. A China é um parceiro econômico crucial para a Índia, mas as divergências em questões como o comércio desequilibrado e a influência chinesa na região do Oceano Índico complicam a relação, sobretudo, por ambos os países constituírem o bloco do BRICS. A iniciativa chinesa “Belt and Road” também tem suscitado preocupações na Índia, especialmente em relação ao Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC), que atravessa a região da Caxemira reivindicada pela Índia. Ambos os casos ilustram como as relações geopolíticas da Índia são moldadas por uma interação complexa de questões territoriais, rivalidades históricas e dinâmicas de poder regional. A Índia busca equilibrar suas relações com China participando de articulações liderados pelos EUA, em particular o  Quad, junto com Japão e Austrália.


Modernização tecnológica e energia


Segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), até 2018, o país ainda não havia desenvolvido um plano nacional voltado ao desenvolvimento da indústria. Dessa forma, para que consiga aprimorar o plano do Make in India, é necessário aprimorar vários quesitos, superando desafios em infraestrutura e em difusão tecnológica na sociedade. No entanto, nos últimos anos, o país vêm se destacando no setor de tecnologia e informação, sobretudo, no desenvolvimento de serviços de softwares (SaaS). Esse setor poderá ter um valor de US$ 1 trilhão em 2030, e criar quase meio milhão de empregos, segundo pesquisa realizada pela McKinsey & Co. e SaaSBoomi. As empresas são expoentes no ramo, tendo ao menos 10 como “unicórnios”, ou seja, startups que valem ao menos US$ 1 bilhão, atraindo investidores externos que buscam, também, um mercado com custo bem menor que em outros países, como nos Estados Unidos. 


Ademais, destaca-se o potencial do país nos investimentos em energia, cujo consumo per capita representa ⅓ da média de consumo mundial. O país ainda possui maior dependência do carvão, fonte não-renovável, e busca em outras fontes uma saída mais sustentável para a subsistência da maior população do mundo. Para isso, Modi elaborou um plano energético nacional, que visa aumentar a utilização de fontes de energia com zero emissão de poluentes. Segundo pesquisa realizada pela Bloomberg NEF, a Índia é o país com mais capacidade de atrair investimentos em fontes limpas de energia. Há também interesse em ampliar o uso de biocombustíveis com um acordo com Brasil e Estados Unidos. Esse acordo representa a Aliança Global de Biocombustíveis, que visa estimular a produção de uso desse tipo de combustível, sobretudo do Etanol. 


Essa utilização do carvão e do petróleo como fontes energéticas basilares à modernização e ao crescimento industrial da Índia colocam o país na posição de terceiro país que mais emite CO2 no mundo. Somente o carvão representa 55% da demanda energética do país, configurando-se como o mais abundante e importante combustível fóssil utilizado. Além disso, é esperado que esse nível de consumo se mantenha elevado de forma similar nas próximas décadas, devido à estabilidade, acessibilidade e seguridade energética que o carvão representa ao país. Assim, desde 2014 o governo Modi, junto da participação de stakeholders, vem atribuindo maior foco à transformação no setor de energia nacional, buscando uma maior produção energética que seja confiável, segura, acessível à população e gradativamente compatível com um futuro mais limpo. Através do objetivo motor de garantir maior produção energética, e conquistar a universalização da eletricidade dentro do país, a produção resultou não somente no aumento do uso de fontes energéticas como o óleo e o carvão, mas também tem redundado em maior atenção para o uso de energias renováveis direcionadas à transição energética como objetivo nacional e mundial. 


A capacidade de produção energética renovável, e sua participação gradativa no consumo do país, ganhou atenção global nos últimos anos. Em 2022, a Índia, já ocupou a 4° posição mundial em capacidade instalada de energia renovável, sendo 43% da sua capacidade total de eletricidade instalada proveniente de fontes de energia não fósseis. O país é hoje não só conhecido como grande consumidor de carvão, mas  também classificado como líder global na adoção de energias renováveis devido ao seu crescimento na capacidade de energia eólica e solar. Nesse contexto, a atenção dada para a produção de energia e, particularmente, o comprometimento do avanço sobre a produção através de energias renováveis, é crucial para alavancar iniciativas de desenvolvimento nacional como Make in India, Skilling India e Digital India, que farão do consumo energético indiano futuro, uma cresceste longeva. 


Breve panorama sobre as relações econômicas Brasil-Índia


Uma caracterização das relações econômicas entre Brasil e Índia necessita perpassar pela dinâmica do Sul-Sul. Mais especificamente, ambos os países são vistos enquanto economias ainda em desenvolvimento, com a necessidade de uma maior autonomia regional. Dessa forma, a formação de blocos como o BRICS e o IBAS (Fórum de diálogo trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul) são constitutivos de um esforço multilateral que aproxima suas respectivas agendas nas pautas de transação e integração comercial.


Por um lado, tal aproximação pode ser vista pelo volume de trocas comerciais, ainda que muito baixas. Dados do IPEA mostram como a participação indiana cresceu em território brasileiro: em 2000, o valor das trocas era de US$ 50 milhões, em 2010, passou para US$ 7,7 bilhões e hoje está quase chegando a US$ 16 bilhões. Enquanto que, na Índia, os setores mais atrativos são os de serviços, telecomunicações e de tecnologia da informação – embasados  em sólidas taxas de crescimento –, o Brasil é detentor de uma economia relativamente diversificada no setor primário. 


Tendo em vista tais realidades, acordos bilaterais entre Brasil e Índia foram a pauta dos últimos meses. Em outubro de 2023, na 6° reunião do Mecanismo de Monitoramento do Comércio Brasil-Índia, foram discutidos os avanços possíveis na remoção de barreiras não-tarifárias ao comércio bilateral. Isso porque, apesar do fluxo de 2022 ter sido de U$15,2 bilhões, isso representou apenas 1,89% das exportações e 3,25% das importações do Brasil em relação à Índia. Ou seja, há um enorme potencial em termos quantitativos, como também há espaço para uma maior diversificação da pauta exportadora.


Se quase 80% das nossas exportações para o mercado indiano foram marcadas por óleo de soja, petróleo bruto e ouro, a Índia é uma economia grande e que cresce a taxa elevadas, oferecendo oportunidades crescentes para mais segmentos da indústria e do agronegócio brasileiros.


Corroborando o  aprofundamento das relações entre Brasil e Índia, existe um interesse estratégico na expansão do chamado Sul Global. Isso porque, com a retomada do governo brasileiro na presidência do G20, realizada em 07 de novembro de 2023, a ‘passada do bastão’ não passou despercebida aos indianos. Pelo contrário, o momento marcou um estreitamento das relações econômicas, especificamente nos setores de fármacos e commodities. Apesar do crescimento do comércio bilateral entre Brasil e Índia, Saurabh Kumar chegou a afirmar que ele “é quase nada comparado ao [crescimento] da Índia, de U$1,5 trilhão. Então, estamos cientes do fato de que há um imenso potencial inexplorado que ainda podemos explorar.” Cabe ao Brasil, dado esse cenário, aproveitar o protagonismo que lhe foi atribuído e expandir os interesses multilaterais em prol do desenvolvimento regional e multilateral dos países envolvidos.


Considerações finais


O destaque em campo globalizado da Índia se dá por seu potencial como líder do Sul Global, carregando consigo um panorama de crescimento econômico apesar das dificuldades comuns aos países que superam as consequências da colonização. Tendo se colocado como um dos expoentes do Terceiro Mundo já em 1955, essa posição é retomada em 2023. A tecnologia se mostra como um pilar essencial a esse objetivo desenvolvimentista. 


Esse destaque como uma das “locomotivas do Sul” poderia servir de exemplo ao Brasil, que ainda mantém sua economia baseada em produtos agrícolas. E isso não obstante o fato que a posição que o país, sob liderança do Modi assumiu sustentar seu apoio popular em um nacionalismo hindu com fortes traços recionários. As projeções, no entanto, são de um avanço crescente e reforçam a Índia como um protagonista do Sul nas decisões globais, algo que o Brasil precisa acompanhar mais de perto.

 

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