Relações Brasil – China: a ameaça ao pragmatismo em tempos de covid-19

Por Bruna Belasques, Bruno Castro, Gabriel Carneiro, Rafael Abrão, Vitor Hugo dos Santos, Ana Tereza Marra e Giorgio Romano

Apesar de ataques feitos ao país asiático por parte de membros do governo Bolsonaro, claramente influenciados por Washington, vários setores da sociedade brasileira tentam minimizar os danos causados por tais condutas. A China, por sua vez, combina respostas incisivas às críticas com a tentativa de manter laços próximos com entes subnacionais, entidades de classe, academia e empresas de mídia

O Início de 2020 foi marcado por tensões nas relações Brasil-China, colocando em xeque a tendência de pragmatismo que havia caracterizado as interações em 2019. Para compreendermos a conjuntura das relações destacam-se dois pontos:

  1. As dificuldades de conciliar o aprofundamento do alinhamento do Brasil com os EUA com a necessidade de manter relações pragmáticas com a China, a qual vem sofrendo novos ataques por parte de membros do governo brasileiro;
  2. A nova atitude chinesa perante os ataques sofridos e as novas relações de cooperação que tem submergido nesse contexto.

Ataques à China e alinhamento aos EUA

Existe uma facção ideológica do governo brasileiro que vem tentando promover uma reavaliação das relações Brasil-China. Influenciada por Olavo de Carvalho, ela é representada por Ernesto Araújo, ministro das relações exteriores, e Eduardo Bolsonaro, que além de filho do presidente, comanda a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

Entre março e abril de 2020, Eduardo Bolsonaro e Abraham Weintraub, ministro da Educação, fizeram acusações conspiratórias de que a culpa pela pandemia seria da China. Weintraub foi além e fez posts racistas em sua página do Twitter (ver aqui e aqui). Apesar de importantes figuras políticas (ver aqui e aqui) e o ministro Araújo terem afirmado que a posição do deputado não refletia a do governo, a China não aceitou a gestão diplomática realizada por Araújo. A continuidade de declarações de ataque (ver aqui e aqui) permanece ainda como um ruído nas relações.

Tais acusações contra China inserem-se em um contexto em que existe uma narrativa patrocinada pelos EUA para responsabilizar o país pela pandemia, e em que o Itamaraty tenta aprofundar o alinhamento da política externa brasileira com os EUA.

Em março, um acordo militar (“Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação”) foi fechado entre Brasil e EUA, o que colocou mais pressão nas relações Brasil-China, dado o contexto de guerra comercial e tecnológica entre Pequim e Washington. Desde o início dessa disputa, os EUA tentam forçar países no mundo todo a tomar partido a seu favor como moeda de troca ao aprofundamento das relações bilaterais. É como parte dessas pressões que devem ser lidos os ataques que membros do governo brasileiro vêm fazendo ao país oriental, ressaltando-se que as declarações também contribuem para mobilizar parte da base interna de eleitores de Bolsonaro que são conservadores e pró-americanos.

Influência do agronegócio e da mineração

A questão é que em, termos práticos, a importância que a China tem para o Brasil – e que mobiliza grupos internos poderosos que inclusive apoiaram a eleição de Bolsonaro, como o agronegócio e a mineração – constrange o alinhamento que o Itamaraty deseja produzir com os EUA. Para se ter uma ideia da relevância econômica, em maio de 2020, 40,4% das exportações brasileiras foram direcionadas a China, ao mesmo tempo em que houve a diminuição de 43,5% das vendas para os EUA (ver aqui).

O resultado desse alinhamento “manco” com Estados Unidos é que o Brasil abre mão de poder barganhar com as duas grandes potências, o que tornou-se visível quando o país não por decisão de ordem estratégica, a qual se poderia extrair benefícios, mas no apuro de ter algo a oferecer a China em troca dos ataques perpetrados por Eduardo Bolsonaro, permitiu a participação da Huawei no leilão nacional do 5G.

A nova atitude chinesa

As ações de Eduardo Bolsonaro mencionadas foram respondidas de forma agressiva pelo twitter da Embaixada da China e também pelo próprio Embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming (ver aqui). A Embaixada questionou se o deputado teria contraído um “vírus mental ao voltar de Miami”. No início de abril, o cônsul geral da China no Rio de Janeiro foi mais duro e publicou um artigo confrontando diretamente o deputado afirmando que suas palavras “inevitavelmente” causariam “impactos negativos nas relações bilaterais”.

As respostas da China aos ataques sofridos chamam a atenção, pois a diplomacia costuma, historicamente, realizar declarações em tom amistoso. Contudo, no cenário de disputa com os EUA, o governo chinês passou a orientar seus diplomatas a responderem de forma mais ativa as narrativas anti-China que estão surgindo em vários países e que, no caso do Brasil, começou a ser utilizada para mobilizar grupos internos de eleitores de Bolsonaro.

Nesse contexto, a embaixada da China vem empenhando-se em estabelecer canal direto de comunicação com o público brasileiro, não só por meio das redes sociais, mas também através da promoção de eventos do embaixador chinês com a academia, think tanks e a imprensa brasileira, nos quais tenta-se reforçar o tom amigável das relações e a importância das relações Brasil-China. O governo chinês tem buscado ainda desenvolver relações menos centralizadas por meio da atuação junto a empresas, governos subnacionais e outros atores da sociedade civil, aspecto que ficou mais claro considerando a cooperação que tem emergido para o combate a pandemia de coronavírus.

Doações de equipamentos

Empresas, províncias e municípios chineses têm realizado doações de respiradores, máscaras, trajes de proteção, testes e leitos hospitalares, enquanto o Governo Central doou mais de duas toneladas em materiais relacionados ao combate da Covid-19 ao Brasil, mesmo em meio às tensões diplomáticas e as dificuldades criadas pela descoordenação do Brasil no enfrentamento da crise (que tem resultado em impasses para compra de equipamentos e insumos na China).

Como resultado das ações descoordenadas, multiplicaram-se as iniciativas de aproximação entre entes subnacionais (uma tendência que já emergia antes da pandemia). Entre as iniciativas, está a carta do Consórcio Nordeste solicitando apoio durante a crise e reiterando a competência do governo chinês no controle da pandemia, e a carta da Frente Parlamentar Agropecuária, formada por 300 parlamentares do Congresso Nacional, ressaltando que “não será tolerado nenhum prejuízo à esta relação bilateral e que estaremos prontos para fazer oposição a qualquer ameaça ao bom relacionamento entre o Brasil e a China”.As empresas chinesas com atuação no Brasil, bem como comunidades de imigrantes chineses no país,também se somaram aos esforços de combate ao coronavírus por meio de uma série de doações. Entre as universidades, tem se destacado o compartilhamento de experiências e informações.

Entre as instituições multilaterais, ressalta-se a reunião entre os Ministros das Relações Exteriores dos BRICS, realizada por videoconferência em 28 de abril, em que o chanceler chinês, Wang Yi, criticou a polarização e os estigmas criados durante a pandemia, além de enfatizar a necessidade de cooperação internacional. Contudo, recentemente, emulando o comportamento dos EUA, o Brasil vem ameaçando sair da Organização Mundial da Saúde (OMS), o que contrasta com a posição chinesa de apoio ao multilateralismo, com a própria história do Brasil na OMS, e não acrescenta em possibilidades de cooperação.

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