Por Ana Paula Teixeira, Bruno Domingues, Emerson da Silva, Gabriel Soprijo, José Luís de Freitas e Tatiana Berringer.
O discurso negacionista em relação à pandemia do novo coronavírus uniu Jair Bolsonaro a Donald Trump, dando curso a uma relação de submissão entre Brasil e EUA. Mas as urgências no combate à doença têm levado os interesses norte americanos a se distanciarem da perspectiva brasileira, que permanece caudatária de uma preocupante inação diante do avanço da crise sanitária
No início de março de 2020, na semana em que as bolsas financeiras despencaram em função daqueda do preço do petróleo e do espraiamento do coronavírus pelo mundo inteiro, levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar que se iniciava uma pandemia, uma comitiva do presidente Jair Bolsonaro embarcou para uma visita oficial em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para os Estados Unidos. A viagem acontecia logo após o cancelamento de viagens à Hungria e à Polônia, sob alegação do alto risco do coronavírus.
O encontro com Donald Trump tinha como pauta a discussão da aliança estratégica entre os dois Estados, que já vem sendo tocada desde 2019. No âmbito multilateral, ela se materializa no discurso convergente sobre o antiglobalismo e o obscurantismo, no terreno regional se materializa na posição crítica e intervencionista em relação ao Estado venezuelano, e na esfera nacional culminou com a aprovação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso do espaço da base de Alcântara, no Maranhão. Era esperado que a viagem tratasse de um possível acordo comercial bilateral e de cooperação nas áreas de pesquisa e desenvolvimento militar.
No entanto, o que mais chamou atenção foram as declarações de ambos os presidentes menosprezando a pandemia e seus possíveis impactos sanitários, econômicos e sociais.
“O coronavírus não é isso tudo”
Em três dias de viagem Bolsonaro proferiu afirmações como: “O coronavírus não é isso tudo, muito do que se fala sobre crise é fantasia, e é melhor o preço do petróleo cair do que subir”. Donald Trump, na mesma linha alegou que seu governo estava fazendo um “ótimo trabalho” na contenção do vírus e fez predições dizendo que o número de infectados nos EUA, que na época se mantinha em cerca de 500, baixaria até chegar a zero em pouco tempo. O risco de contaminação ao longo da visita não era visto como uma possibilidade, nem pelo mandatário brasileiro e nem por aqueles que o acompanharam.
Mas, ao retornar ao Brasil, 23 membros da comitiva tiveram casos de Covid-19 confirmados, entre eles Augusto Heleno (Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Bento Albuquerque (Ministro de Minas e Energia), Marcos Troyjo (Secretário de comércio-exterior do Ministério da Economia), entre outros. O presidente Bolsonaro parece não ter sido contaminado, apesar de aceitar apresentar o resultado do seu exame apenas após o pedido do STF. Ficou evidente que os protocolos de segurança da Casa Branco não seguiam questões sanitárias. Sem saber, a comitiva brasileira representou uma ameaça aos EUA.
Pouco tempo depois da visita, os Estados Unidos começaram a acusar o Estado chinês de ter criado o vírus em laboratório. Essas afirmações acabaram sendo reverberadas pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo e pelo filho do presidente, Eduardo Bolsonaro. As acusações levaram a embaixada chinesa no Brasil a exigir pedido de desculpas. Ambos presidentes também passaram a acusar a mídia e a oposição de quererem criar pânico social e defenderam, sem comprovações científicas, o uso da hidroxicloroquina como medicação e prevenção e combate ao Covid-19, o que causou uma corrida às farmácias nos dois países.
Discurso negacionista
O discurso negacionista do presidente dos Estados Unidos resistiu às piores previsões feitas por especialistas. No entanto, os números assustadores apresentados pelo estado de Nova York em meados de março, e a cobertura massiva da mídia, que mostrava caminhões refrigerados cheios de vítimas do vírus do lado de fora de vários hospitais, o alcance nacional do vírus e o cancelamento de eventos esportivos fizeram com que Donald Trump alterasse o tom do discurso.
Ele passou a adotar medidas de combate à pandemia, aproximando-se dos conselhos de especialistas da Casa Branca liderados pelo imunologista Anthony Fauci: fronteiras foram fechadas e voos internacionais proibidos. Em meados de março, a quarentena foi decretada, sendo estendida no dia 29 daquele mês, quando os EUA se tornaram o novo epicentro da doença.
Ainda em março, após retornar ao Brasil, o Presidente Jair Bolsonaro participou de atos de apoio ao seu governo, se aproximando dos manifestantes e cumprimentando parte deles com as mãos, contrariando as recomendações do então Ministro da Saúde, Nelson Henrique Mandetta. Ao ser questionados sobre os impactos sanitários de aglomerações e sobre a sua própria possível contaminação, já que retornara de viagem internacional havia pouco tempo, Bolsonaro atribuiu a responsabilidade aos organizadores do evento e ignorou a possibilidade de ser “assintomático”, mas poder transmitir o vírus.
“Meu histórico de atleta”
Em 24 de março, durante um pronunciamento oficial feito para toda a nação, o presidente declarou “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”. Além disso, o presidente chamou de extremismo e histeria as medidas adotadas por diversos governadores que proibiram jogos de futebol e pediram o fechamento de lugares que proporcionam aglomeração de pessoas, como escolas e igrejas, acusando novamente a mídia de criar um superdimensionamento a respeito da doença. Segundo ele, as consequências de um possível lockdown para a economia do Brasil criariam mais problemas para a sociedade do que o vírus em si. Além disso, acusou governadores de estarem fazendo política sobre o problema do Covid-19.
Assim, apesar da convergência inicial entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, o recuo e a mudança de posição não aconteceram no Brasil até o presente momento (início de junho). Em 28 de abril, quando questionado por um jornalista sobre os números de mortes pela doença no Brasil, que à época somavam 5.017, segundo os fontes oficiais, superando o total da China, o presidente declarou “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre”.
Além de seguir minimizando a pandemia, foram feitas críticas aos governadores e prefeitos que aderiram às recomendações da OMS e de especialistas. Como solução, Bolsonaro segue defendendo o uso da hidroxicloroquina como a possível cura para a doença e os Estados Unidos anunciaram o envio de uma remessa grande da droga ao Brasil.
Outro ponto que chamou atenção na relação entre os dois países e a pandemia foi a disputa para aquisição de equipamentos, evidenciando a postura competitiva e auto-interessada dos Estados Unidos.
Iniciativas dos governadores
O consórcio Nordeste – formado por governadores da região – realizou uma compra de 600 respiradores artificiais no valor de R$ 42 milhões com uma empresa chinesa, tendo o governo da Bahia como representante. A carga ficou retida no aeroporto de Miami, onde fazia conexão. Bruno Dauster, secretário da Casa Civil da Bahia, comenta que a empresa, que não teve o nome divulgado, alegou “complicações técnicas” durante a compra. A embaixada dos Estados Unidos negou a retenção dos produtos e alegou que qualquer relatório contrário seria falso.
Mais tarde no mesmo dia, 4 de abril, o secretário estadual de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, informou que novos respiradores artificiais adquiridos na China fariam escala na Argentina e não mais nos Estados Unidos, e deveriam chegar ao Brasil no dia 20 do mesmo mês. O então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, havia confirmado a compra de US$ 200 milhões em materiais de proteção, que também foram cancelados, e informou sobre a nova aquisição de oito mil respiradores artificiais, que serão destinados especialmente às capitais de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mais tarde, demonstrou incerteza em relação a entrega devido a hiperdemanda de materiais e a atitude de países ricos, que estão dispostos a cobrir os valores acertados com o Brasil. Além disso, devido às instabilidades geradas pelo presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo, o ministro pediu que os governadores buscassem realizar compras sem o intermédio do Itamaraty.
Aderindo à recomendação, o estado do Pará acertou a compra no valor de R$ 48 milhões de 400 leitos de UTI pré-montados, com respiradores e prazo de entrega de 15 dias. Em São Paulo, o governador João Dória, afirmou a relação absolutamente excepcional com o governo chinês e informou que o Estado está em busca de camas de UTIs, respiradores, e equipamentos de proteção.
Por fim, no dia 24 de maio, o presidente Donald Trump suspendeu a entrada de qualquer viajante estrangeiro, imigrante ou não, que tivesse visitado o Brasil durante 14 dias. Ele afirmou que o país é uma ameaça à segurança dos EUA devido à transmissão da doença, com a ressalva de que as relações comerciais entre os dois países ainda eram prioritárias. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2020).
Em função disso, o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em sua conta oficial, retuitou as mensagens da Agência de Segurança Nacional (NSA) e afirmou que a relação entre EUA/Brasil estão ótimas e que, em uma conversa com integrantes da Casa Branca, recebeu a notícia da doação de mil respiradores para o Brasil.
Veto a vos do Brasil
Em coletiva de imprensa realizada no dia 31 de março, Donald Trump, afirmou que uma das possíveis medidas futuras dos EUA seria o veto dos voos do Brasil, como uma tentativa de diminuir a proliferação do vírus. Quando questionado sobre o posicionamento de Bolsonaro não ser favorável ao isolamento, o presidente norteamericano não respondeu a pergunta. Um dia após o pronunciamento, os presidentes e membros do governo realizaram uma reunião virtual e, mais tarde, em uma rede social, Bolsonaro disse apenas ter trocado experiências sobre o impacto da Covid-19. Ernesto Araújo, também afirmou que a questão do bloqueio dos voos não foi debatida.
Apesar dos aspectos negativos da subordinação do Brasil aos Estados Unidos, a aliança entre os dois Estados parece se manter na crítica à OMS e no conflito em relação à China. O futuro desse quadro está atrelado à invenção da vacina e a forma da sua produção e distribuição. Como o Estado brasileiro tem uma tradição de luta contra patentes de remédios na OMC, e os Estados Unidos estão defendendo que seja reconhecida e remunerada a propriedade intelectual à farmacêutica que ganhar essa batalha, pode ser que haja uma disjuntiva nessa relação bilateral, mas ainda é cedo para qualquer afirmação.
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